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Cidades

Isoladas, famílias criam rotina para passar o tempo e driblar o coronavírus

É impressionante como a pandemia do novo coronavírus mudou o comportamento das pessoas em tão pouco tempo. Os efeitos do isolamento social obrigatório, como uma estratégia adotada pelo mundo para deter o contágio, já são evidentes, mas podem ter reflexos

Por thiago gomes | Edição do dia 04/04/2020 - Matéria atualizada em 04/04/2020 às 06h00

É impressionante como a pandemia do novo coronavírus mudou o comportamento das pessoas em tão pouco tempo. Os efeitos do isolamento social obrigatório, como uma estratégia adotada pelo mundo para deter o contágio, já são evidentes, mas podem ter reflexos ainda maiores se a situação se estender por muitos meses. Em casa, as famílias estão se virando como podem para passar o tempo. O desafio de muitos é manter as crianças ocupadas e o equilíbrio emocional, mesmo diante de tantas notícias ruins.

A arquiteta Viviane de Lima Bezerra é casada e mora com as duas filhas (uma de 5 anos e outra de 7 meses) e a sogra, de 60 anos, que sofre de asma. A preocupação dela, agora, é proteger as pessoas que ama para evitar que o mal chegue. Para isso, criou um protocolo de chegada em casa para o marido, que precisa sair para trabalhar.

“Quando está perto do meu marido chegar, coloco um pano de chão úmido com água sanitária diluída, na porta da cozinha. Ele entra por lá, limpa os sapatos e vai direto para o banheiro de serviço. Toma banho e coloca as roupas usadas logo na máquina de lavar e deixa o sapato na área de serviço. Enquanto ele toma banho, eu higienizo as chaves, celular e o que ele tiver no bolso. Só após isso, ele fala com as meninas”, afirma. 

Ela conta que, antes de as aulas serem suspensas, a escola onde a filha estuda já dava explicações às crianças, de maneira lúdica, sobre o perigo de infecção pelo coronavírus. Agora, trancafiadas, as orientações da mãe são para o risco de sair de casa e ficar doente. E, sob este argumento, conseguiu convencer a menina a adiar a festinha de aniversário dela, que seria neste fim de semana.

“Como mãe, me parte o coração, pois ela passou o ano todo ansiosa por este dia. Mas, os motivos deste adiamento são bem mais importantes”, avalia.

Para conseguir entreter as filhas, Viviane diz que, antes do decreto governamental de suspensão das atividades do comércio, passou em uma loja de variedades e comprou alguns materiais para fazer atividades educativas em casa. Agora, o tempo passa com as brincadeiras usando lápis de cor, massinhas de modelar, tintas, livros para colorir e papel. 

“E, no dia a dia, vou inventando brincadeiras, já fiz cineminha com caixa de sapato e bonecas congeladas para ela ir descongelando. O pai inventou de brincar de circo e dia tem uma atração. Fazemos brigadeiro, brinco de bonecas e, em alguns momentos, deixo ela com o celular mesmo sem gostar”, destaca.

Para cuidar da saúde mental, a arquiteta relata que tem adotado algumas estratégias. Evita ligar a TV o dia todo para não ficar angustiada com as notícias da pandemia, conversa com a família pelo aplicativo de mensagens no celular, reza todas as noites por videochamada e orienta a sogra a se manter ocupada para não se deixar a ansiedade dominar.

“Espero que termine este pesadelo e que descubram logo um remédio ou uma vacina. Sei que não será breve, mas tenho esperança que seja. E o que aprendi é que a humanidade é insignificante diante da imensidão do universo. A Terra não precisa de nós e, independentemente de mim ou de você, o sol vai nascer e se pôr. Estamos destruindo tudo sem pensar nas consequências. O egoísmo é o maior de todas as enfermidades. Que tenhamos mais amor, respeito e empatia”, analisa.

TAREFAS DOMÉSTICAS E ARTESANATO

Foto: ARQUIVO PESSOAL
 

A rotina de quem não trabalha fora também sofreu mudanças abruptas. A dona de casa Josileide Vieira da Cruz Oliveira mora com o esposo, em Maceió, e a quarentena lhe causou preocupações a mais. Isto porque um filho do casal está internado, em Recife, para se recuperar de um recente transplante de rim e a outra filha é nutricionista, mora em Arapiraca, e continua trabalhando.

O procedimento médico de alta complexidade do rapaz foi feito em meio a esta pandemia, obrigando o casal a se deslocar para a capital pernambucana. No entanto, eles tiveram que retornar para casa mais cedo porque Josileide ficou resfriada. O distanciamento e o receio de ser infectada fez com que ela tomasse algumas medidas para desopilar.

“Ficamos em pânico, de início, sem saber como proteger o nosso filho de tudo isso. Quando gripei, pensei, inclusive, que era o coronavírus. Ainda me assustou o fato de que o hospital em que ele está internado ter chegado um caso da doença. Diante disso, acho que estou ficando maluca com esse lava lava de mão, do rosto. Quando meu marido chega em casa, após o trabalho, tira o sapato na porta, não deixo nem ele pegar no trinco da porta para ir logo lavar as mãos e tomar banho. Também não gosto de ficar vendo TV porque me deixa muito nervosa”.

A dona de casa diz que tem se ocupado com tarefas domésticas, com o artesanato e tem tentado pensar em Deus para passar o tempo e manter a mente sã. Para os filhos que estão distantes, ela aconselha que se cuidem de todas as formas possíveis. 

“Imagine como estou sabendo que meu filho está em um hospital, recém-transplantado,  onde o higiene no banheiro é péssima e ele precisa caminhar pelos corredores para incentivar o novo órgão a funcionar. Minha filha está trabalhando em outra cidade, em postos de saúde, sem poder vir aqui em casa porque pode não conseguir voltar. Lá, ela está sozinha e sem ninguém da família. É muito complicado”, detalha.

Para não entrar em pânico, Josileide disse que luta com os pensamentos e pede forças ao divino. Ela só espera que a tempestade passe para que a família volte a se reunir. “Preciso abraçar meus filhos, meu esposo quando chega, viajar pra ver minha família. Esperamos muito que as pessoas de conscientizem e fiquem em casa pra não espalhar essa coisa que assombra a todos”.

MOMENTOS DEVOCIONAIS

Foto: ARQUIVO PESSOAL
 


Já o vendedor Gabriel Barbosa disse que consegue enxergar, ao menos, um ponto positivo nesta quarentena. Segundo ele, o momento permite a família estar mais junta, levando em consideração que o cotidiano acelerado provoca um certo distanciamento entre as pessoas. Por outro lado, o confinamento impede a mobilidade externa e exige os cuidados necessários para não contrair o vírus.

“Embora tenhamos algumas dificuldades por estarmos retidos em casa, foi uma excelente maneira de observarmos melhor alguns comportamentos de nossos filhos, pois os mesmos vêm sendo bombardeados por vários tipos de influência na atualidade, como alguns programas on-line, canais do Youtube e, quando ficamos mais próximos, percebemos tais mudanças com maior atenção. Sei que o isolamento também nos trará recordações preciosas no futuro, alguma aprendizagem, mesmo sabendo que ele não pode simplesmente recuperar alguns hábitos e valores que são construídos ao longo do tempo e que infelizmente alguns foram perdidos”, afirmou.

Ele revela que está aproveitando o momento de isolamento para investir em momentos devocionais com os filhos e a mulher. Segundo Gabriel, este seria um forte estimulador para driblar as lutas nos dias maus, conforme ele classifica. “Os fatos que nos rodeiam são muitos, porém, se ouve e se vê muita coisa irreal. Por esta razão, precisamos selecionar aquilo que estão produzindo em nossa frente para não termos maiores problemas num futuro não muito distante”.

Gabriel diz que, além da Bíblia, tem sugerido para os filhos outros livros infantis, jogos interativos, palavras cruzadas e outras brincadeiras para ocupação sadia da mente, sendo, no entanto, praticamente impossível a vida sem ter um momento de interação digital.

Para a proteção contra o coronavírus, o vendedor informa que precisou adotar algumas atitudes preventivas em casa. “Estamos saindo só para o necessário e sempre fazendo, dentro das nossas possibilidades, é claro, aquilo já recomendado pelas autoridades, conforme está sendo orientado pelos órgãos oficiais”.

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Lucas Martírio de Araújo é professor de História do Ensino Fundamental em uma escola particular da capital. Ele disse que, como toda comunidade escolar foi pega de surpresa com a gravidade da pandemia, gerou uma preocupação muito maior sobre a rotina dos estudantes que ficaram em casa, de quarentena com seus pais. O grande desafio era evitar o ócio e qual seria o impacto desse momento na vida deles.

Especificamente, no caso dele, os colegas educadores estão se empenhando em elaborar atividades pedagógicas no sentido de construir uma rotina para as crianças em suas casas.

“Esse trabalho à distância não é o tipo de ensino do qual defendo, entretanto, se faz necessário que usemos as ferramentas de tecnologia ao nosso favor. Ainda mais nesse momento. Embora, essas atividades não são obrigatórias para os meninos. Isso parte de uma preocupação nossa com os pais e as crianças, que, naturalmente, não estavam preparados para se encontrarem em quarentena em meio o ano letivo”.

Segundo o professor, a geração atual não viveu, aqui no Brasil, uma situação de isolamento social semelhante, gerando um choque enorme nos estudantes e nas famílias. “Todos os setores estão sendo afetados no Brasil, e a educação não é diferente. Esse momento só pode afetar negativamente no aprendizado dos estudantes se nós não nos esforçamos para compreender o momento, deixá-los se sentirem sozinhos e não conecta-los com a realidade do momento”. 

Segundo ele, a escola tradicional brasileira não estava preparada para mudanças tão repentinas assim. A obrigação, portanto, será readequar a forma de trabalhar, usando a tecnologia e outras ferramentas para a educação. “Isso não significa dizer que esse mecanismo seja tão eficiente quanto as aulas presenciais. Pois não é. Mas, em momentos como esse, é necessário experimentar outras possibilidades”, acredita.

Já com relação ao clima de angústia e incerteza vivido pela população, o pastor Wellington Santos, da Igreja Batista do Pinheiro, afirma que ter medo, até certo ponto, faz bem. O que deve ser evitado é o desespero que leva ao descontrole emocional. “Podemos ter medo para nos leva a obedecer algumas orientações de higiene, a ficar atento para não se contaminar, nem ser um vetor de contaminação”, destaca.

O religioso acredita que, em momentos difíceis, faz bem viver em uma comunidade para se relacionar com outras pessoas que pensam como você. “Quando nos reunimos, conversamos, oramos, rimos e também choramos. Ao final, todos estávamos menos tensionados e aliviados. Conheço muita gente que tem medo, e a minha casa e eu também temos, porque não praticamos a espiritualidade do super-herói. A diferença é que os nossos medos estão dentro de um limite, já que a fé nos ajuda a não entrar em desespero absoluto”.

Segundo o pastor, o alívio das tensões se dá na troca de experiências comunitárias e no apoio mútuo. 

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