ALAGOAS PODERÁ TER COLAPSO HOSPITALAR ATÉ 5 DE JUNHO
Alerta é de médicos que atuam no combate à pandemia de Covid e baseado em previsões numéricas e simulações por computador
Por regina carvalho | Edição do dia 09/05/2020 - Matéria atualizada em 09/05/2020 às 06h00
Se o isolamento social não for prioridade para o poder público - implementado de forma mais rigorosa, com fiscalização intensa das forças de segurança - em pouco tempo não haverá leitos suficientes para atender pacientes com Covid-19 em Alagoas. O resultado será a rede hospitalar em colapso. O cenário assustador vem dos números, não é obra de ficção, pelo menos na opinião de médicos que atuam no combate à pandemia e pesquisadores que acompanham a evolução do novo coronavírus. Eles defendem o lockdown, medida extrema adotada em grave ameaça à saúde.
Alagoas conta com 455 leitos exclusivos para pacientes com o novo coronavírus - há a expectativa de ampliação desse número - mas essas vagas não serão suficientes se houver crescimento exponencial dos casos. Situação confirmada pelo próprio secretário de Saúde, Alexandre Ayres.
A Gazeta pergunta ao secretário se, com o total de leitos para o tratamento de Covid, disponível após a entrega do Hospital Metropolitano, é possível dizer que não haverá colapso no sistema hospitalar em Alagoas. "Não é possível afirmar, isso vai depender prioritariamente do comportamento da população. Se todo mundo ficar doente ao mesmo tempo não vai haver leito para todo mundo, então a gente precisa ter essa consciência. Nós iremos apertar e realizar mais medidas restritivas caso a população não colabore", explicou Ayres.
É preciso reforçar o isolamento, diz professor da Ufal
O professor Sérgio Lira, do Grupo de Modelagem Científica e Simulação do Surto de Covid-19 em Alagoas, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), realiza junto a outros nove integrantes previsões numéricas e simulações computacionais sobre a Covid em Alagoas. "Em vez da gente estar reforçando o isolamento para fazer a curva mudar de sentido e começar a decrescer, ela está crescendo de novo. Várias regiões do país já estão no colapso ou estão muito perto. O que quer dizer o colapso? a ocupação máxima de leitos do hospital. Então se aparecer gente precisando ser atendida não vai ser, vai ser mandada para casa e se for um caso grave vai falecer em casa", avalia o professor.
O grupo utiliza como base estimativas do Imperial College de Londres, que avaliou números para o Brasil. "A data provável do colapso sem intensificação de isolamento é 15 de maio”, conclui a pesquisa . Com as novas medidas restritivas, em vigor desde a última quarta-feira, se, em média, 70% das pessoas não deixarem de circular nos próximos dias o colapso no sistema de saúde pode estar perto. No caso de Alagoas, que a gente calculou com base nesse estudo internacional e replicou, a gente diz o seguinte: do total de infectados, 3, 2% vão precisar ir para o hospital e dentre eles, 0,8% vai precisar de UTI", explica Sérgio Lira.
O estudo realizado pelos professores da Ufal mostra ser impraticável tentar apenas aumentar a quantidade de leitos se não forem ampliadas as medidas de isolamento. "Porque é um número estratosférico, muito maior do que a possibilidade real de fazer isso. A gente levou em consideração até os novos leitos que estão para abrir em maio (no Hospital Metropolitano) e mesmo assim a gente projeta um colapso na segunda quinzena de maio. Isso se a gente não aumentar as medidas de restrição, de isolamento", detalha o professor, que também defende o lockdown. "Mas precisa ser de uma maneira ordenada. De fato é uma medida drástica, mas a situação requer isso", ressalta.
Médicos defendem lockdown
O clínico geral Vitor Ramalho, coordenador médico da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Benedito Bentes, também compartilha a mesma opinião que Sérgio Lira. Perguntado se acredita que a melhor saída para enfrentar a doença nesse momento seria o lockdown, ele responde: "No momento em que estamos vivendo, com as unidades de emergência e hospital de referência próximo a esgotar sua capacidade de receber novos pacientes, necessitamos sim de medidas como o lockdown para que consigamos mitigar a curva de crescimento do número de novos casos".
Para impedir o colapso do sistema de saúde, na avaliação de Vitor Ramalho, é necessário um conjunto de medidas. "Precisamos de medidas que aumentem a porcentagem da população adotando as orientações de distanciamento social, assim como precisamos de mais leitos de UTI e enfermaria, assim como aumentar a capacidade de atendimento das unidades de emergência. Precisamos também que a população reduza a procura por atendimento quando está apresentando sinais leves da doença ou com outros problemas leves não relacionados ao Covid, para que a equipe consiga focar seus esforços em atender quem nesse momento precisa mais", explica.
E sobre estudos que apontam que a epidemia ainda estará em forte crescimento nas próximas semanas, o que resultaria em uma demanda crescente por leitos de UTI, agravando ainda mais a situação em junho, o clínico geral explica "nas últimas duas semanas estamos vendo um grande aumento no número desses pacientes. Nossa unidade vem há alguns dias trabalhando próximo da sua capacidade máxima de atendimento, assim como muitos dos hospitais que foram estruturados", finaliza.
O médico clínico da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Memorial Arthur Ramos, Rodrigo Cruz, avalia as estimativas apresentadas pelos pesquisadores da Ufal, que alertam para colapso no sistema de saúde ainda este mês, caso não sejam adotadas medidas mais rígidas de mitigação. "Sim, essa preocupação é real e a gente já observa essa lotação dos leitos de UTIs nos hospitais privados que a gente trabalha. A rede pública de saúde deve muito provavelmente nos próximos dias entrar em colapso, deve saturar completamente o número de leitos se não aumentarem a disponibilidade pelo estado, baseado na realidade que a gente tem vivido hoje nos hospitais privados que trabalho a previsão é que esses leitos sejam saturados rapidamente", diz.
Se acredita que a melhor saída para enfrentar a doença nesse momento seria o isolamento total, Rodrigo Cruz explica que, sem dúvida, a melhor alternativa nesse momento que beira o colapso é a intensificação das medidas de isolamento e distanciamento social. "A gente sabe os impactos que isso pode gerar para a economia, mas se a gente não realizar essa medidas de forma efetiva e rápida os impactos serão muito maiores futuramente com o aumento do número de mortes, então essa ainda é a medida mais eficaz para diminuir o número de internamentos de novos casos e o sistema conseguir dar conta dessas pessoas e a economia voltar logo a se recuperar. Eu acredito que o poder público tenha essa responsabilidade de informar a população e instituir medidas mais rígidas para a aplicação do distanciamento e isolamento social", finaliza.
Dinâmica do vírus é parecida, diz professor
Sérgio Lira - que atua no grupo composto por 10 professores dos institutos de Física, Matemática e Computação, formado após a pandemia do novo coronavírus - explica que a equipe se organizou para fazer previsões numéricas e simulações computacionais sobre a Covid em Alagoas. "Os relatórios não só constam atualizações de projeções, incluem mais elementos que a gente vai aperfeiçoando de modelos e coleta de dados. É importante entender dois aspectos, um é a evolução natural da epidemia caso nenhuma medida fosse tomada pelo governo, nesse aspecto realmente o Brasil está parecido com outros países não tem nada que diga que a dinâmica do vírus aqui seja diferente de outros países. Por exemplo, o clima não está ajudando a gente", acrescenta.
Segundo o professor, a explosão de casos no Brasil é muito parecida com países como a Itália, a Espanha e os Estados Unidos que têm situação climática diferentes. Ou seja, a dinâmica do vírus tem sido muito semelhante. "Outro quesito é que o que nós como sociedade fazemos como relação a epidemia. Isso sim muda a dinâmica da epidemia. Se a gente entra em isolamento, se faz medidas de restrição de circulação a gente muda a dinâmica da epidemia. A gente vê, por exemplo, comparado com os Estados Unidos, que o Brasil agiu cedo. O problema é que a gente não está intensificando as medidas de isolamento social, a gente está relaxando e a população voltando para a rua e isso está aparecendo nos gráficos. Novamente o Brasil está voltando a crescer nos ritmos iniciais que são muito perigosos, antes do isolamento", avalia.
A reportagem pergunta a Sérgio Lira sobre o que deve acontecer em Alagoas quando se aproximar a saturação dos leitos destinados aos pacientes com Covid. "Se continuar chegando pacientes com Covid vão ocupar os outros leitos, aí as pessoas que precisam ser atendidas por outros problemas não vão ser atendidas, é o que a gente chama de efeito colateral porque têm as pessoas que terão ataque cardíaco, AVC, essas pessoas não vão ser atendidas. O colapso do sistema hospitalar é a incapacidade de atender as pessoas que estão precisando e um passo para o caos que a gente viu em Manaus, as pessoas morrerem em casa e o governo ter dificuldade inclusive para recolher e enterrar os corpos. É realmente uma situação muito difícil se deixar chegar nesse ponto", finaliza.
Colapso no sistema de saúde
Sobre a possibilidade de colapso no sistema de saúde, o diretor médico da Santa Casa de Maceió, Artur Gomes Neto, diz que a situação é realmente muito preocupante e o número de casos, de pessoas adoecendo, procurando os ambulatórios das UPAs e os hospitais privados está crescendo." Essa questão de SUS e de convênio não deve existir mais não. São alagoanos que estão precisando do sistema de saúde de maneira geral. A gente tem conversado muito com os gestores da saúde e estamos todos preocupados. Esse trabalho de abrir o Hospital Metropolitano vai dar um alívio ao Sistema Único de Saúde (SUS) e a todos que precisarem, vai dar uma tranquilidade a mais no sistema. Quanto mais leitos a gente dispuser, mais pacientes vão poder se internar, mais alta a gente vai poder dar", declara.
Segundo Artur Gomes, o paciente passa em torno de dez dias internado, e se houver leitos, então começa a ter alta e liberar vagas. "O que mais preocupa a gente é o paciente da UTI ou os que estão na enfermaria que agrava o quadro e precisa da UTI. Isso é comum acontecer. Por isso a gente não pode preencher todos os leitos, tem que deixar reserva para os pacientes que estão internados", conclui.
Segundo o governo do Estado são 455 leitos exclusivos para a Covid-19 em Alagoas - incluindo da rede pública e contratualizados - e, com a entrega do Hospital Metropolitano prevista para este mês, devem ser gerados 160 leitos destinados ao tratamento do novo coronavírus.