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Nº 5812
Cidades

Z� do cavaquinho: bo�mio maior de Vi�osa

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Por | Edição do dia 31/03/2002 - Matéria atualizada em 31/03/2002 às 00h00

SEVERINO CARVALHO Sucursal União dos Palmares - Praça Apolinário Rebelo, Centro de Viçosa: duas  igrejas, o prédio-sede da  prefeitura municipal, o cinema desativado, a Secretaria  de Saúde e o Bar Trovador  Berrante. Dentro dele, ou  mesmo nas calçadas, jovens de hoje tomam cerveja... conversam. Muitos desconhecem o chão sagrado da boemia de outrora. Mas, o proprietário Bartolomeu Rodrigues de Moura, 49, mantém aceso, pintado na parede desbotada, o nome do criador e da obra: “Bar Trovador Berrante de Zé do Cavaquinho” como era conhecido José Rodrigues de Moura. No próximo mês, 21 anos da morte do “boêmio maior” da Viçosa. Acerca da apresentação do artista, basta acrescentar o porquê do Cavaquinho. “Um especialista na arte de tocar o instrumento”, disse o funcionário público aposentado José Alexandre Costa, “o Costa”, companheiro de farras e de batuques. “Ele não chegava a ser um profissional da música, mas era completo, responsável e com grande credibilidade”, completou Bartolomeu, um dos 17 filhos de Zé do Cavaquinho, de quem herdou o bar. Bartolomeu só não herdou a afinidade com a música, ao contrário dos outros filhos e netos de Zé do Cavaquinho, que animam bares e festas, como João Rodrigues. O proprietário do Trovador Berrante guarda com orgulho algumas gravações em fitas cassetes maltratadas pelo tempo. Nelas se pode ouvir, com um pouco de dificuldade já que são cópias, o boêmio tocar e contar seus “causos” e aventuras. As gravações, diz Bartolomeu, eram feitas a contragosto do Zé. “Ele não gostava de gravar, porque tinha receio de algum outro músico ouvir suas composições e plagiá-las”, ressaltou o filho. E com razão. O boêmio é o autor dos chamados “chorinhos zoológicos”, entre eles: Lagartixa, Jacaré com Tempero, Escorrego do Urubu, Jegue com Tudo e Tromba d’água. Chico Nunes No prédio-sede da prefeitura são tomadas as decisões do município. Pertinho dali, na mesma praça, tais atos eram e ainda são comentados no Bar Trovador Berrante, uma espécie de senadinho. “O senador Teotönio Vilela foi um dos freqüentadores assíduos do bar”, afirmou o poeta Sidney Wanderley, que lançou o livro Três Vozes da editora Escrituras, cujo primeiro capítulo trata da vida do boêmio. A publicação traz dez histórias de Zé do Cavaquinho, entre elas, A buchada: “Na década de 20, convidado para uma buchada, na cidade de Palmeira dos Índios, Sertão alagoano, para lá migrou com a intenção de voltar no dia seguinte. Gostou tanto da comilança e da amizade que travou com o glosador Chico Nunes, que lá permaneceu por quase oito anos. Quando retornou a Viçosa, os amigos de copo argüíram-lhe acerca do motivo de sua longa ausência: Que peste você andou fazendo todo esse tempo em Palmeira Zé? O Boêmio alisava mansamente o ventre, punha seu olhar melancólico sobre os companheiros e, após um sonoro arroto, arrematava: Buchada mais da pesada meninos... buchada mais da pesada...” Talvez ninguém tenha conhecido tão bem Chico Nunes, o “Rouxinol da Palmeira”, poeta popular, quanto Zé do Cavaquinho. Tanto, que o ator Mário Lago, quando da gravação do filme São Bernardo, em 1971, em Viçosa, procurou o boêmio para saber detalhes da vida do repentista. As conversas no Trovador Berrante foram o ponto de partida para a elaboração do livro: Chico Nunes das Alagoas, de autoria de Mário Lago. Companheiros de Zé do Cavaquinho e freqüentadores do Trovador Berrante também transmitem com orgulho as conversas e histórias contadas por ele. Ao procurar saber quem foi o boêmio; em Viçosa as pessoas são taxativas: “procure o Costa”. Até Mário Lago dá a pista em seu livro ao descrever a turma do Zé: “É uma das rodas mais interessantes e estranhas. Ele, (...) o Costa, coletor estadual, que pode serestear até de manhã, cachaça rolando aos potes, porque na hora do expediente está teso e desperto, provando que um bom guerreiro cem por cento nunca falta aos compromissos...” Durante sete anos Costa, que é violonista, integrou o conjunto formado por Zé do Cavaquinho, José Vilar no atabaque e Cícero Ambrósio do Pandeiro. “Sou natural de Porto Real do Colégio, cheguei em Viçosa em 1967 e fui direto ao bar do Zé do Cavaquinho”, salientou José Alexandre Costa, “o Costa”. Ele lembra do aspecto do bar: “Era uma geladeira velha a gás; na prateleira, garrafas com molho de pimenta e litros de cachaça raiz de pau. Segundo Costa, que também toca cavaquinho, à época o bar era freqüentado por populares e autoridades”. Ele destacou a presença do ex-prefeito de Viçosa, o saudoso José Manoel da Silva, “Dinha”; Flaubert Torres, atual prefeito; do advogado Cícero Bahia, de Renato Vilela, Paulo Baía, Ivan Vasconcelos e do velho senador Teotônio Vilela, “este comparecia raras vezes”. Relembrando As farras comandadas por Cavaquinho rasgavam noites. O raio de alcance ia além das Princesas das Matas (Viçosa), atingia cidades como Pindoba, Anadia, Correntes (PE), Paulo Afonso (BA) e até Brasília, capital federal, onde Zé tocou e cantou ao lado de Waldir Azevedo. Durante as bebedeiras, entre um gole e outro, o silêncio chegava para ouvir as histórias de Chico Nunes, “encarnado” em Zé do Cavaquinho; afinal foram oito anos de convivência, de cachaça, em Palmeira dos Índios. Incrível é o poder da transmissão oral da qual se vale a tradição popular. Costa ouvir Zé glosar, que por sua vez contemplou Chico Nunes, o mestre. Costa lembra que Cavaquinho conheceu o “Rouxinol da Palmeira” em uma farra em Dois Riachos, Sertão alagoano. Mas foi na propriedade de um fazendeiro por nome de José Audálio que, segundo Costa, Chico Nunes fora desafiado para uma peleja daquelas, entre outras tantas batalhas do verso por um glosador pernambucano. “O mote era: sou rico potentado”, contou Costa. E o pernambucano disparou: “Sou rico sou potentado Sou poeta de direito Sou um homem de respeito Sempre fui considerado Como cantadô honrado Desde o Norte inté o Sul Até o Barão de Traipu Me daria confiança Vivo cheio de esperança E sou mió do que tu”. “E Chico Nunes respondeu, disse Costa: Sô ladrão de mandioca Sô lama de barreiro Sô imbuá, sô minhoca Sô como sapo na toca Sô baba de cururu Sô pulero de urubu Sô chocalho sem badalo Sô um ladrão de cavalo Mas sô mió do que tu”. Reformas Segundo Costa, sempre que o Trovador Berrante precisava de alguma reforma, Cavaquinho inventava rifas, ou mesmo ia ao banco em busca de empréstimos e sempre conseguia. Certa vez, o boêmia foi à agência nesse propósito e o gerente como de praxe, perguntou-lhe: Zé, de que você vive? De olhares e de sorrisos, respondeu Cavaquinho. Assim foi a vida do boêmio maior da Viçosa, até 1981 quando aos 70 anos de idade morreu sofrendo de esclerose, segundo Bartolomeu Rodrigues de Moura. “Na vida tudo passa Passa samba por valsa, Passa passa por ameixa Só não passa moeda falsa Porque a polícia não deixa”, José Rodrigues de Moura.

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