Em Alagoas, estado com a maior diferença entre negras e não negras [brancos, amarelos indígenas], os homicídios foram quase sete vezes maiores entre as mulheres negras. Os dados são do Atlas da Violência 2020 divulgado nessa quinta-feira (27). De acordo com o estudo, em 2018, 68% das mulheres assassinadas no Brasil eram negras. Enquanto entre as mulheres não negras a taxa de mortalidade por homicídios no último ano foi de 2,8 por 100 mil, entre as negras a taxa chegou a 5,2 por 100 mil, praticamente o dobro. “A diferença fica ainda mais explícita em estados como Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, onde as taxas de homicídios de mulheres negras foram quase quatro vezes maiores do que aquelas de mulheres não negras”, revela o relatório. Conforme o atlas, ainda, em 2018, 4.519 mulheres foram assassinadas no Brasil, o que representa uma taxa de 4,3 homicídios para cada 100 mil habitantes do sexo feminino. Seguindo a tendência de redução da taxa geral de homicídios no país, a taxa de homicídios contra mulheres apresentou uma queda de 9,3% entre 2017 e 2018. Apesar de Alagoas continuar em destaque negativo, no total, dezenove das 27 UFs brasileiras tiveram redução nas taxas de homicídios de mulheres entre 2017 e 2018, sendo Alagoas (40,1%) com uma redução expressiva, ficando atrás de Sergipe (48,8%) e Amapá (45,3%). Os estados com as menores taxas de homicídios de mulheres por 100 mil habitantes, em 2018, foram São Paulo (2,0) Santa Catarina (2,6), Piauí (3,1), Minas Gerais (3,3) e Distrito Federal (3,4). No mesmo sentido, essas cinco UFs também apresentaram as menores taxas gerais de homicídios no país em 2018.
“POLÍTICA DE ESTADO”
Para integrantes do movimento negro, a insegurança para esta parcela da população é uma triste realidade antiga que não mudará sem políticas públicas direcionadas. No Brasil, os assassinatos de negros aumentaram 11,5% em dez anos. Na avaliação do coordenador do Coletivo Hip Hop e integrante do Instituto do Negro de Alagoas, Geysson Santos, o crescimento no número do assassinato de negros, diferente do que parece, não é um fenômeno. Para ele, esta realidade reflete o cenário em que o negro foi colocado no Brasil, onde a violência é o único instrumento de diálogo para a maior parcela da população brasileira que é negra e pobre. “A segurança pública é um dos instrumentos centrais utilizados pelo Estado para reprodução e manutenção do racismo. E é disso que se trata a análise dos números do Atlas da Violência: racismo. Ao mesmo tempo em que educação, saúde, cultura e lazer são negados para a população negra, há uma intensificação do aparato militar para vitimizar esses mesmos corpos. Precisamos entender esse debate como uma questão central no cenário político brasileiro”, avalia. Com base no estudo, Geysson analisa que Alagoas é o estado mais perigoso para ser negro no Brasil e este é um dado que diz muito sobre o quadro atual da sociedade. “Observando que não há nenhuma política de governo voltada para essa parcela da população, não seria um erro afirmar que a criminalização do corpo negro é uma política de estado”, entende. Segundo ele, é preciso ocupar espaços de poder e representatividade para que a questão racial dentro da esfera do Estado também seja pautada. “Em nenhum governo fomos de fato representados, pelo contrário, a atualização dos números do Atlas da Violência só reflete um aprofundamento de uma política que já se mostrou errada. Apenas com políticas públicas construídas em conjunto com as organizações que estão pensando a questão racial com seriedade é que poderemos reduzir a dívida histórica que o Estado brasileiro tem com a população que construiu esse país”. Na opinião do presidente da Comissão da Igualdade Social da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] em Alagoas, Alberto Jorge, o Betinho, os problemas que afetam os negros começaram a partir da vinda dos escravos para o País. Mesmo após a Lei Áurea, a comunidade ficou sem ter para onde ir e trabalhar, aceitando ofertas subalternas em relação a outras etnias. “Da escravidão do Brasil para cá, a discriminação contra a comunidade negra só foi ampliada e, apesar de todas as discussões em nível nacional e internacional, a violência contra o negro continuou por causa da falta de políticas públicas, que poderia viabilizar melhores condições de vida para o nosso povo, gerando trabalhos com dignidade e educação pública de qualidade”. De acordo com Betinho, os atos criminosos acontecem, geralmente, pela falta de oportunidade, que seria de responsabilidade do Estado. “Não temos um Estado que não negocia muito com o negro. Já tivemos muitos assassinatos de jovens negros e sempre esses assassinatos acontecem porque as famílias são obrigados a permanecer no silêncio, pois estes crimes são apresentados, na mídia, como confronto com a polícia”. Ele acrescenta que se for fazer um levantamento irá descobrir que 90% das pessoas que estão ocupando o presídio no estado, que o maior número das pessoas desempregadas e que a maioria dos analfabetos são da população negra.