loading-icon
MIX 98.3
NO AR | MACEIÓ

Mix FM

98.3
quinta-feira, 26/06/2025 | Ano | Nº 5997
Maceió, AL
25° Tempo
Home > Cidades

Cidades

LOTAÇÕES OFERECEM SUPOSTAS COMODIDADES

Ouvir
Compartilhar
Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Whatsapp

A realidade é que muitas pessoas optam pelos clandestinos diante da possibilidade de andar sentado em um carro – o que, teoricamente, seria mais confortável que andar no coletivo - e por, supostamente, conseguirem chegar mais rápido ao destino, o que nem sempre acontece. Em muitos casos, a pessoa acaba frustrada e percebendo que a pressa é, de fato, inimiga da perfeição. Essa foi a lição aprendida pela dona de casa Valdenice Mata no final do ano passado. Durante uma fiscalização, ela foi obrigada a descer do carro em que estava e procurar um transporte legalizado, sentindo-se humilhada. Religiosa, ela conta que nunca tinha passado por situação parecida. “Me senti errada, participante daquele erro”, conta. “E todo mundo olhando pra mim, misericórdia”, lembra. A situação aconteceu no Centro de Maceió. Apressada para chegar logo para fazer as compras, ela pegou uma ‘lotação’ - como são chamados os carros particulares que fazem transporte clandestino. O constrangimento que passou foi uma lição para a dona de casa, que agora, mesmo que com ressalvas, só usa o transporte legalizado. “Fui teimosa, e como diz o ditado, né, a pressa é inimiga da perfeição”, relata. Como quem quer espalhar uma novidade, ela mostra o aplicativo que usa para saber os horários dos ônibus. “É certeiro. Não precisa mais ficar esperando, e se for pra esperar, que seja em casa”, diz. Valdenice também pondera ao comparar os dois serviços. “Na lotação, você às vezes tem mais conforto e não tem que ficar de ponto em ponto, nem seguir uma rota definida, mas é aí que mora o perigo. Você mergulha em um mar de incertezas, e pode se afogar. Quem pergunta se o carro tá em condições? E o motorista, quem conhece? No ônibus você sabe quem tem um pai, uma mãe de família ali, alguém que passou por uma seleção. E hoje em dia com essa faixa azul quem tá de ônibus chega mais rápido que quem tá no seu carro”. Mesmo que a “passagem” para ir de um ponto a outro de Maceió em veículo clandestino seja mais caro que o valor para andar de ônibus, muita gente, insatisfeito com o serviço de transporte público, onde muitas vezes é preciso fazer o percurso em pé, no aperto e no calor, acaba optando por esse modelo ilegal, mudando de ideia rapidamente ao passar por determinadas situações como a vivenciada por Joana [nome fictício], que não teve o trajeto prometido cumprido pelo motorista do clandestino e precisou descer do carro e pegar um ônibus para chegar ao destino, gastando duas vezes. Segundo ela, o percurso do bairro do Jacintinho até o Centro de Maceió operado pelos transportadores clandestinos custa R$ 4, mas nem sempre tudo sai como combinado. Ela lembra que já discutiu com um motorista da lotação em que estava porque ele não quis cumprir a rota que prometeu. Sem passageiros suficientes, ele preferiu parar antes do local acertado. Sem ter o que fazer, ela complementou o caminho de ônibus coletivo.

Medo e insegurança são sentimentos que, segundo ela, permeiam durante a viagem. “No ônibus, você sabe que está em um local público, com circulação de pessoas e tem sua liberdade assegurada, e isso para mulher é muito importante. Quando você entra na lotação, você está entrando no carro particular de alguém, sua segurança cai drasticamente, porque, querendo ou não, você não sabe a índole da pessoa, e não há nada que regule aquela relação que foi estabelecida. Você ouve investidas que são assédio e precisa se passar por “mal educada” para frear aquilo. Eu já fingi ser lésbica para o cara parar de tentar me seduzir”, revela Joana. Esposa de militar, Joana diz que após conversar com o marido decidiu parar de fazer uso do serviço. “Ele ‘pintou’ um cenário horrível, mas quando parei para pensar vi que não era impossível”, afirmou. Usuária do transporte público coletivo, ela diz que não está satisfeita com o que é ofertado hoje, mas reconhece que há um mínimo de garantias. Andrea - que também preferiu usar nome fictício - é amiga de Joana e parou de usar a lotação junto com a amiga. Não sentia mais segurança de ir sem algum conhecido e a explanação da amiga fez com que ela parasse de usar o serviço ilegal. Outro ponto que ela critica é que, diferente dos ônibus, os motoristas “fazem a viagem quando bem querem”. “É ilusão achar que ele é mais rápido, a maioria só quer sair quando lota o carro e isso faz a gente esperar da mesma forma que esperaria um ônibus”, compara. No caso de José, a lotação que pega é literalmente uma lotação. “Dizem que é coração de mãe, que sempre cabe mais um. E nisso vai criança, gente no colo”, revela. Após reclamar e ouvir ironia como resposta, ele voltou a usar o transporte coletivo. “Já briguei porque o motorista não quis me levar até onde combinei e, quando reclamei, ele me mandou ir ao Procon [órgão público de defesa do consumidor].

CLANDESTINIDADE

A presença do transporte clandestino influencia diretamente o trabalho dos rodoviários, situação que se agravou durante a pandemia do novo coronavírus. A avaliação é do presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários no Estado de Alagoas (Sinttro/AL), Hernande José dos Santos. “Clandestinidade é uma espécie de pirataria, veio para usurpar, prejudicar o que é correto destruindo o legal. A situação ficou ainda mais precária com a pandemia”, explica. Hernande relata que qualquer pessoa desempregada ou que quer aumentar a renda decide que pode fazer o transporte de passageiros. “Se acha no direito de fazer transporte em Maceió. A gente já tinha a dificuldade com os aplicativos de transporte, que já concorriam diretamente com os táxis, que por sua vez resolveram fazer transporte de lotação. Acredito que 90% dos táxis da capital fazem esse serviço clandestino agora. Há uma estimativa que o sistema de transporte público encolha cerca de 20%, mesmo depois da pandemia, porque além da concorrência desleal com os clandestinos, muitos passarão a trabalhar em casa e não vão utilizar mais o ônibus”, acrescenta. Na avaliação de Sandro Reges de Oliveira, também do Sinttro/AL, o investimento em transporte coletivo está relacionado com a saúde da população, com menos poluição, no tempo que leva do trajeto de casa para o trabalho e menos acidentes de trânsito. “Fica uma cidade mais segura. Você está ali como um trabalhador profissional, fardado e preparado para ser motorista. Isso conta muito na questão de segurança”, afirma. Em relação ao transporte clandestino, na opinião dele, Alagoas enfrenta há décadas o problema e as fiscalizações não conseguem pôr fim à atividade por se tratar de uma questão política. “Se tivesse vontade política, resolveria, porque o transporte clandestino é identificado, todo mundo vê. Aqui em Maceió, se você está num ponto de ônibus, por exemplo, em cinco minutos você vai encontrar o cara gritando, aliciando passageiro. Falta vontade porque quando se mexe com o transporte aparecem muitos padrinhos desses transportadores e o negócio não anda”, analisa. Para Sandro Reges, a falta de controle sobre o avanço do transporte irregular reflete diretamente no investimento em ônibus. “Afeta direto o desemprego da categoria. A passagem do ônibus fica cara por causa disso e tem um agravante que não é discutido, é que o transporte clandestino só opera na hora que está todo mundo na rua. Já o ônibus tem que rodar sábado, domingo, feriado e madrugada adentro. O ônibus começa a sair da garagem de 3h30 e começa a se recolher de 11 horas da noite. Não tem como a empresa concorrer com o clandestino”.

Relacionadas