Lar � ambiente com maior incid�ncia de viol�ncia
As estatísticas são assustadoras e as pesquisas com diferentes metodologias e nos mais diversos campos repetem e confirmam um resultado preocupante: o ambiente onde a violência contra a criança e o adolescente acontece com maior freqüência é dentro do pró
Por | Edição do dia 14/03/2004 - Matéria atualizada em 14/03/2004 às 00h00
As estatísticas são assustadoras e as pesquisas com diferentes metodologias e nos mais diversos campos repetem e confirmam um resultado preocupante: o ambiente onde a violência contra a criança e o adolescente acontece com maior freqüência é dentro do próprio lar. A doméstica M.E.S., residente no Mutange (o nome foi preservado para evitar novos constrangimentos à vítima), não consegue conter o pranto toda vez que fala do drama vivido por sua filha, de 9 anos. Há dois meses, por meio dos vizinhos, ela ficou sabendo que o seu companheiro, com quem tinha um relacionamento de seis anos, estava abusando sexualmente da menina, diariamente, em sua própria cama. Foi um choque muito grande. Eu não esperava nunca, porque confiava muito nele. Segundo M.E.S., o companheiro sempre chegava do trabalho duas horas antes dela. Nesse intervalo colocava seu filho menor numa bacia, no chuveiro e se trancava no quarto com a menina, amarrava sua boca e abusava dela sexualmente, de todas as maneiras. Após a relação forçada, a garota era ameaçada com uma faca-peixeira. Se contasse para alguém, o agressor prometia que usaria a arma para matar a sua mãe e ela. Assim, ele garantia o segredo que sustentou o crime por algum tempo. Nem mesmo o comportamento do companheiro, que passou a sair apressado quando M.E.S. chegava em casa, sem lhe dar muita atenção, e nem o da menina, que vivia triste e pedindo para ficar na casa dos vizinhos ou de parentes todas as vezes que a mãe saía de casa, despertaram sua atenção para o que estava acontecendo. M.E.S. denunciou o companheiro, apesar das pressões e ameaças sofridas. O irmão dele disse que se precisasse de médico ou de qualquer coisa ele arrumava, mas não queria que eu denunciasse. Ele é muito violento, disse muita coisa comigo e acho que teria me batido se a minha família não estivesse por perto. Ele disse até que a sua filha foi estuprada com 11 anos e que ficou por isso mesmo e que eu não podia acabar com a vida de um homem por causa disso, relata a mãe da menina, que espera Justiça. Ele continua solto e trabalhando normalmente. Eu perdi até o emprego por causa disso. Se não tiver justiça ele pode continuar fazendo isso com outras crianças, e até querer se vingar porque denunciei, diz M.E.S. A menina, que estava fora da escola, foi matriculada imediatamente num colégio público, e está sendo assistida pela Frente. A exemplo dessa situação, nos casos de violência sexual o agressor é quase sempre alguém muito próximo da criança: um tio, o padrasto ou o próprio pai. Segundo Gilberto Irineu, boa parte dos casos de gravidez em garotas de até os 14 é fruto de uma relação incestuosa. Atenção aos sinais De acordo com Gilberto Irineu, mesmo impedida de falar por causa das ameaças do agressor, a criança sempre emite sinais de que está sofrendo algum tipo de violência e que um adulto atento pode perceber. Ela pede socorro com o olhar ou com o comportamento. Se a criança, de uma hora para outra, fica depressiva, ansiosa, medrosa, sem alegria e sem vontade de brincar, pode estar emitindo sinais de que foi vítima de violência, explica ele. Esses sinais, destaca Irineu, devem ser considerados e investigados e, em caso de violência confirmada, o caminho tem que ser a denúncia aos órgãos competentes. De maneira alguma o adulto conhecedor de um fato como esse deve ceder às ameaças do agressor. O abuso sexual é uma transgressão de direitos, uma violência brutal que desrespeita a dignidade da criança, deixa seqüelas graves e sobrevive do segredo. É o silêncio da vítima que mantém o criminoso em ação, diz o advogado. Entre as seqüelas deixadas por esse tipo de agressão a vítima pode desenvolver, a longo prazo, a depressão, baixa auto-estima; tendência ao suicídio; dificuldades nas relações interpessoais; prostituição; aversão sexual e outros distúrbios psicossexuais. A denúncia pode ser feita pelo telefone, para o Conselho Tutelar (231 0088 - geral) ou 315 3044, no caso específico da região da Vila Brejal; Delegacia da Mulher (338 9073); Delegacia da Infância e da Adolescência (320 2172). Os casos de abuso sexual são distribuídos para o Projeto Sentinela, que assegura proteção e apoio imediato à vítima. Frente A Frente de Defesa, formada por cerca de 50 entidades de todo o Estado, quer difundir cada vez mais a atenção à violência contra a criança e o adolescente e a necessidade da denúncia como instrumento de combate ao crime. Nosso trabalho é itinerante. Começamos com esse encontro na Vila Brejal, e já temos agendados outros na Favela Sururu de Capote e na região do Benedito Bentes, sempre com grupos de 100 mães e envolvendo a escola e os conselhos tutelares.