Cidades
TORNEIRO ALAGOANO TRANSFORMA MADEIRA EM PEÇAS DE ARTE
Há 34 anos, Maurício do Pião mantém viva a tradição que começou com seu bisavô


Alagoas tornou-se um estado referência com seu artesanato e seus criativos artistas em diversos campos da própria arte, porém alguns deles acabam sendo esquecidos ou até mesmo desvalorizados por causa de uma certa mudança dos hábitos da população. Muitas vezes, observamos uma obra, um instrumento musical ou um brinquedo e não imaginamos as histórias que estão por trás desses objetos. Apesar de uma aparente simplicidade que notamos à primeira vista em um pião ou em um tambor, para o singelo artista Maurício, ou o Maurício do Pião, não é simples assim. Envolve muito mais do que apenas tornear a madeira com o seu formão. A profissão e a dedicação à carreira no ramo atingem um nível não só de realização profissional, mas também o amor e o envolvimento da sua família. Maurício é um artista alagoano, torneador de madeira, que não somente fez sua própria torneadora, mas a utiliza para fabricar os mais variados tipos de objetos. Entre eles, instrumentos musicais, pés de mesas, tabuleiros de jogos e o famoso e velho pião, que fez parte da infância de muitos. Quando chegamos à tornearia, gritamos: “Maurício...!!” E lá vem aquele senhor educado abrindo o portão e vem logo mostrando que tipo de serviço é produzido e manipulado no seu ateliê. A verdadeira casa de um alquimista, onde, com um toque de mágica, as formas cúbicas e geométricas transformam-se em peças de arte.
A ORIGEM NA FAMÍLIA
A tornearia entrou na família com o avô de Maurício, que já trabalhava com madeira, sendo carpinteiro naval, e, com o passar do tempo, começou a tornear. Já conduzidos pelo sangue artístico alagoano, no século passado, era necessário ir ao topo do moinho, contando apenas com a força do vento para poder tornear suas peças mais belas. Assim a tradição segue, claro que se moldando a cada era, até por isso, desta vez não necessita dos ventos do moinho para fabricar suas melhores peças. Isso porque o avô de Maurício, Manuel Peixoto da Rocha, comprou o terreno que é utilizado desde a infância até hoje pelo neto. E foi na infância que tudo começou para Maurício. Ele, que já tinha a influência do seu pai e de seu avô no ramo da tornearia, começou com apenas 13 anos, em um divertimento com os amigos, a tornear pela primeira vez. “Começou como uma brincadeira e da brincadeira aprendi a profissão. Os tornos são minha vida”, disse o artista, que cresceu junto com a arte da tornearia. “Fiz o pião, saiu meio troncho, mas fiz. Aí desgracei com o bico. Aí eu disse: ‘Pô, amanhã o pai vai me dar um bronca, eu tô ferrado’. No outro dia, eu tive uma bela surpresa: ao invés de ele me dar uma bronca, ele deixou tudo pronto, as ferramentas, tudo certinho. E aí já não fiz mais um, fiz três, e, quando fiz o terceiro, com uma semana eu estava trabalhando ao lado do meu pai”, contou Maurício. E essa relação não é tão recente. Primeiro, o avô de Maurício transmitiu a arte de tornearia para seu pai que, por sua vez, ensinou e moldou seus filhos, incluindo Maurício, que hoje já tem um primogênito de 17 anos e que também torneia ao seu lado.
MOLDANDO-SE COMO A MADEIRA
Assim como um pedaço de madeira que gira em um torno até se transformar em um pião, Maurício foi se aperfeiçoando e melhorando ao longo dos anos. Com isso, já são invejáveis 34 anos no ramo da tornearia, e com muitos outros para ainda serem contados no futuro. Até porque, ficou evidente que, assim como suas produções, é preciso se adaptar ou até mesmo “tornear-se” para o mercado, que sofre muito com a desvalorização. As cicatrizes nos dedos, causadas pelo próprio trabalho com a madeira e o torno, não parecem incomodar quando se tem um trabalho tão gratificante ao longo de tanto tempo. Não só produzindo seu artesanato, mas também, suas próprias ferramentas, seja confeccionando a goiva, o formão e a sangra, ou construindo o seu torno com uma embreagem, o que dá as suas obras o que todo artista tem: um diferencial. Esse diferencial não se limita aos designs únicos que podemos encontrar nos pés de mesa que constrói. O sangue do artesanato parece correr nas veias da família, pois não só a profissão se transfere de pai para filho, mas também, apesar das turbulências, o amor por essa arte é hereditário. Graças a seu avô, Maurício entrou em uma família de torneiros e leva esta marca durante toda a sua vida.
A DESVALORIZAÇÃO DA ARTE
O amor é importante para superar um trajeto travesso como é esse meio. Travesso pela falta de valorização da arte, principalmente, em Alagoas, uma das capitais do artesanato. As dificuldades foram aparentes, desde o início do ofício de Maurício. Além de falta de incentivo por parte de órgãos maiores, existe a terceirização do seu trabalho, que muitas vezes acaba deixando a lembrança no artista em último lugar. Para sobreviver no ramo há 34 longos anos não é fácil. Maurício conseguiu, com muita luta, disposição e paixão pelo que faz. Está firme e forte até hoje, mesmo com as novas tecnologias aparecendo e que, querendo ou não, acabam apagando aos poucos brinquedos como o pião, tão tradicional no passado. São poucos os que ao menos conhecem o tipo de trabalho feito por Maurício. “A arte pede socorro. Tem a falta da valorização, mas tem a falta do conhecimento da população, que não tem conhecimento que existe essa profissão. É uma profissão que está esquecida. São poucos os que ainda trabalham com torno de madeira, isso em nível de Brasil, acredito”, observa. Mesmo com as adversidades, com tudo o que aparece como obstáculo, Maurício do Pião consegue passar bem por isso, até contando com a ajuda da própria tecnologia, para sua divulgação. E, com isso, acredita que a tornearia seguirá no rumo da família, principalmente pelo fato de a arte jamais morrer. “Tem muito amor, porque essa profissão que era do meu pai, que era do meu avô, pela forma que eu aprendi, eu acredito que eu vim traçado para fazer isso. Vim com o destino de ser o que eu sou. Às vezes estou torneando e fico, assim, olhando para as ferramentas, é como se fosse estar tomando um café. Para mim é uma coisa normal, essa rotina do dia, a forma de pegar na ferramenta, a forma de cortar, a forma de trabalhar... Quando pensa que não, as peças estão prontas. Então, tornear é uma arte que faz parte da minha vida, eu tenho muito amor pela minha profissão e acredito que vou terminar meus dias de vida fazendo isso aí, torneando”, afirmou.