Cidades
Guias e ag�ncias desviam turismo de Macei�

FERNANDO COELHO Maceió não tem noite, é terra de dormir cedo e acordar cedo. A comida é rica em leite de coco, mas cuidado ao comer sururu, pois os homens viram reis não saem do trono e as mulheres viram rosas não saem do vaso. Já o alagoano é dotado de muitos talentos. Tá lento em tudo. Se você pedir um suco, primeiro o alagoano vai plantar a fruta, depois ele colhe e faz o suco, em seguida resolve se põe ou não açúcar, somente depois ele serve. Uma hora de espera mais ou menos, não se assustem. Essas foram as boas-vindas dadas recentemente, por uma guia turística, para visitantes recém-chegados à capital alagoana. O relato foi descrito pelo médico Paulo Novalis, em e-mail enviado à redação da GAZETA. Radicado há oito anos em Belo Horizonte, o alagoano de Penedo veio desfrutar das oferendas naturais de sua terra durante a semana de carnaval. No percurso entre o aeroporto e o hotel incluído no pacote comprado a uma agência de viagens , ele foi surpreendido com o discurso tendencioso da guia. Logo na chegada, recebemos o balde de água fria de quem deveria aumentar as expectativas. Fiquei impressionado com a forma debochada, que diminuía e até mesmo negava nossa cultura. A guia ridicularizou Alagoas e seus habitantes, diz Novalis. Ele conta que a guia não pensou duas vezes para indicar o McDonalds e dois restaurantes nada típicos como opções para refeições na cidade, além de afirmar que não seria possível fazer passeios às piscinas naturais, alegando que a maré não estaria adequada. O médico conta ainda que em momento algum foram fornecidas informações sobre a cidade, como o número de habitantes e a economia local. Ao invés disso, ela falou em cartões de crédito e em cifras, preços de pacotes opcionais que não estavam incluídos no pacote adquirido para a viagem. Francamente, que desagradável para quem está chegando numa terra desconhecida, querendo saber da cultura, lazer, culinária..., pondera Paulo Novalis. Em um ano de saldo positivo para o turismo alagoano o incremento foi de 16% em relação à alta temporada do ano passado, segundo os primeiros números da Secretaria estadual de Turismo , a denúncia re-força as suspeitas sobre a falta de ética de alguns guias e agências de viagem. O privilégio de interesses pessoais ou de grupos no cardápio apresentado aos visitantes já vem sendo discutido pelo trade turístico, principalmente devido a reclamações dos jangadeiros da piscina natural da Pajuçara: eles alegam boicote a um dos passeios mais tradicionais da cidade. O quadro é o mesmo em outros pontos obrigatórios de visitação em Maceió, como o Mercado do Artesanato (no Centro), o Pontal da Barra e Jaraguá. Sabotagem A venda de pacotes turísticos para fora da capital esconde outras surpresas, sempre onerosas ao bolso do visitante. Conversando com passageiros, descobri que dentro dos pacotes opcionais havia outros pacotes, diz Novalis. Ao comprar um passeio para uma determinada praia, não estavam incluídos alimentação, uso de banheiros, travessia de barco e outras atrações. Esses detalhes não eram informados previamente. Eles se sentiram lesados, diz o médico Paulo Novalis. A prática não é novidade para a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih). Nós soubemos de alguns guias que informam aos turistas para não tomar banho nas piscinas naturais e nas praias urbanas. Temos que combater isso, essa prática que não é boa para ninguém, afirma Márcio Coelho, presidente da entidade em Alagoas. As agências de viagem se isentam da responsabilidade. Algumas alegam que não têm como fiscalizar o trabalho dos guias, mas admitem que ocorram casos isolados de conduta incompatível com a função: os guias que sabotam o turismo de Maceió. O guia é autônomo e muitas vezes não veste a camisa da empresa. Sem contar que é ele, e não a agência, que ganha as comissões nos pontos de apoio, diz Marçal Monteiro, dirigente de uma das maiores operadoras do Estado. O Sindicato dos Guias de Turismo de Alagoas reconhece que existem outras denúncias de abuso. É uma coisa difícil de controlar, mas não vamos generalizar. Há os bons e os maus profissionais, diz Ana Menezes, vice-presidente da entidade. Segundo o sindicato, a fiscalização do trabalho dos guias é feita pela Secretaria de Turismo em parceria com o governo federal, e ocorre na alta temporada com abordagens nas saídas da cidade. No entanto, há dois anos nada é fiscalizado, em função das mudanças na estrutura do Ministério do Turismo. A denúncia pode ser feita via sindicato ou Secretaria de Turismo. A partir daí, registramos a ocorrência e, em seguida, mandamos uma advertência ao guia. Se ele persistir no discurso, terá o registro cassado, explica Ana Menezes. /// Pacotes privilegiam destinos fora da cidade O turista desembarca em Maceió, mas logo no traslado para o hotel é tentado a comprar passeios para fora dos limites da capital. Guias e agências são unânimes em apontar as praias do litoral Norte e Sul como os principais destinos oferecidos nos pacotes turísticos para Maceió. 90% dos turistas querem as praias. Não existe muito a procura pelo turismo cultural, diz a guia Dogemilda Santos, mais conhecida como Nina. Ao ser pautado pela agência que define os pontos de apoio, restaurantes e passeios dos pacotes opcionais , todo guia, segundo Nina, é um vendedor. Eu indico o que a agência tem a oferecer. Com oito anos de profissão, ela polemiza ao afirmar que a vida noturna de Maceió é muito resumida; os turistas ficam tristes porque não têm nada para fazer na cidade à noite. Em relação aos cuidados gastronômicos, a guia entende que é importante alertar sobre os cuidados ao comer determinados pratos típicos. Muita gente passa mal com essas comidas, que, em geral, são bem carregadas, defende. O mesmo discurso é utilizado em relação aos possíveis atrasos no atendimento do comércio local. Nós temos que falar. É uma forma carinhosa de colocar, para o turista não se estressar, caso a comida demore mais de meia hora, explica. Ricardo Fiori é guia há sete anos em Maceió. Ao acompanhar um grupo de chilenos e argentinos de passagem pela capital, ele diz que os melhores passeios são os que levam a Duas Barras, Maragogi e à foz do São Francisco. Já sua opinião sobre a capital é outra. Tem que melhorar muito, principalmente as praias dentro da cidade. A piscina natural da Pajuçara deixa a desejar. City tour Como os passeios não são oferecidos durante toda a estada, o turista tem dias livres. O guia garante que indica pontos turísticos situados na capital e que todo o roteiro do artesanato é contemplado. A gente passa em todos: no Pontal da Barra, no Cheiro da Terra e no Pavilhão do Artesanato, diz o guia, que não menciona o Mercado do Artesanato e critica justamente a parada mais tradicional: No Pontal da Barra, o preço deveria ser mais baixo que na cidade, mas ocorre o contrário. Lá, falta infra-estrutura também. O colega de profissão Everaldo Santos diz acreditar que o Mercado do Artesanato tem problema de estacionamento e que os turistas acham que vão encontrar preços mais baratos, mas terminam vendo que os valores parecem tabelados. Para as agências de viagem, a temporada ficou acima das expectativas. Fazia muito tempo que não tínhamos tantos turistas em Maceió. Tivemos um incremento de 100%, diz Marçal Monteiro. Mesmo assim, ele confirma que não existem passeios organizados para Maceió. Iria tirar o turista do hotel para onde? Para o Centro? Maceió não oferece opções para que o turista fique uma semana inteira na cidade. Existem museus e tal, mas essa não é a característica do nosso turismo. Nos pacotes, a cidade ganha apenas um dia de city tour um passeio panorâmico por praças, prédios históricos e uma ida à Praia do Francês.