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Interiores do poder guardam raridades e obras de artistas

FÁTIMA ALMEIDA Repórter Móveis seculares, estátuas, castiçais, lustres de cristal, esculturas, quadros a óleo de pintores famosos. Um verdadeiro acervo de obras de arte se mostra para poucos nos corredores de prédios públicos e privados, emoldurando paredes, móveis e salas, dependurados em tetos ou até guardados em armários e gavetas, longe do circuito cultural tradicional da cidade de Maceió. É um acervo importante. Já percebemos investimentos de empresas e repartições públicas na arte como elemento decorativo da ambientação, mas ainda é tímido esse movimento. Mas não é difícil encontrar, decorando prédios, obras de arte do passado e do presente, destaca a museóloga e professora de História da Arte, Carmem Lúcia Dantas. Quem olha a fachada do Palácio do Governo, na Praça dos Martírios, ou a do Palácio do Comércio, em Jaraguá, certamente imagina o patrimônio artístico que pode existir dentro de cada um, dada a riqueza arquitetônica e o grau de conservação desses prédios. E não é difícil conferir. No Palácio dos Martírios, o recinto cheira a raridade e beleza, como o óleo de Rosalvo Ribeiro. Muitas salas perderam o estuque original, mas o gabinete e algumas outras dependências mantêm todos os detalhes, observa Carmem Lúcia. Na sala de apoio ao gabinete, mais telas como O Sentinela e Mendigo Octogenário, dividem espaço com o novo, do Mestre Antônio Deodato, numa escultura de São Francisco de Assis talhada em madeira, presente pessoal do artista ao governador Ronaldo Lessa. Na Academia Alagoana de Letras, estátuas em mármore de Carrara enfeitam o alto do prédio. Segundo o presidente Ib Gatto Falcão, foram trazidas da Itália na época da construção do prédio, em 1879. Com uma temática voltada para o expressionismo, tendo como tema questões existenciais, políticas e sociais, um óleo de Pierre Chalita enche os olhos de quem aporta na Assembléia Legislativa. Já no gabinete da presidência do Tribunal de Justiça, longe dos olhares populares, se esconde o que Carmem Lúcia define como uma preciosidade. Três quadros da série vermelho-e-preto do artista plástico Rogério Gomes. Ele é um artista atual, com um traço geométrico impressionante. É a perfeição da linha. Na Associação Comercial, em Jaraguá, um rico acervo cultural completa o circuito especial das artes em prédios públicos e privados. Mais aberto ao público, por sua característica de centro de convenções, o prédio não se enquadra na categoria de museu, mas tem seus encantos, além da majestosa arquitetura, restaurada e bem conservada. Na entrada, a estátua de Mercúrio, o Deus do Comércio, divide espaço com o popular, nas figuras humanas esculpidas em papel machê. ### Palácio exibe arte do mestre Rosalvo Mesmo com os embargos protocolares, o Palácio dos Martírios, por exemplo, abre suas portas para visitação pública toda segunda-feira pela manhã. Desde o hall de entrada, onde há um busto de bronze do Marechal Floriano Peixoto, até os detalhes do estuque preservado em sua forma original, no gabinete do governador, o palácio tem um rico acervo, que reúne desde telas de artistas alagoanos a peças históricas de inestimável valor. É lá que se encontra grande parte do acervo do pintor Rosalvo Ribeiro, em suas diferentes fases, do paisagismo de início de carreira ao retratismo e às pinturas militares. Alagoano nascido em Marechal Deodoro em 1865, Rosalvo Ribeiro estudou no Rio de Janeiro, onde ingressou na Imperial Academia, e em Paris, onde frequentou várias escolas de arte, aprimorando a execução de seus trabalhos. Especializou-se em pintura de genre, modalidade que exige, além do talento do artista, habilidade técnica e capacidade de captar a alma do retratado, define a museóloga Carmem Lucia Dantas. Na sua opinião, Rosalvo Ribeiro é o pintor que representa o melhor da arte alagoana na passagem do século 19 para o século 20. Entre chapeleiros, conversadeiras e marquesas, móveis que ambientam a sala de estar, remontando um cenário dos séculos 19 e 20, as telas Cabeça de Índio, Soldado Sentinela e o garoto Sans-Souci, de Rosalvo Ribeiro, destacam-se no reflexo do enorme espelho bisotado, com moldura encimada por grinaldas de flores miúdas. Os lustres, segundo Carmem Lúcia Dantas, são réplicas belíssimas da mesma época dos móveis, porém sem valor artístico. grandes óleos As pinturas de Rosalvo Ribeiro ganham destaque também na Sala do Cerimonial e no Gabinete Militar, com o Tambor do Regimento, mas não sem o toque feminino da Dama Desconhecida, do mesmo pintor. No gabinete, os retratos dos marechais Deodoro e Floriano Peixoto fazem moldura para a mesa de trabalho do governador, sustentados por cavaletes seculares que compõem um detalhe especial, com o brasão de Alagoas trabalhado em madeira talhada. Muitas salas perderam o estuque original, mas o gabinete e algumas outras dependências mantêm todos os detalhes, observa Carmem Lúcia. FA ### Circuito do Centro traz telas de Chalita e contemporâneos Com uma temática voltada para o expressionismo, tendo como tema questões existenciais, políticas e sociais, Pierre Chalita está para a Assembléia Legislativa como Rosalvo Ribeiro está para o Palácio dos Martírios. A presença marcante de seus quadros está desde o hall de entrada, em duas telas enormes, até os corredores de acesso ao plenário e à sala de reuniões. A harmonia das cores vibrantes das telas em óleo só é quebrada pelos bustos em bronze do patrono da casa, Tavares Bastos, e do ex-deputado e médico Marques da Silva. RESTAURAÇÃO Apesar do destaque da exposição, as obras de Chalita na Assembléia necessitam de restauração, alerta a professora Carmem Lúcia Dantas, que destaca o pintor como uma referência da arte plástica alagoana. Estudou na Europa, tem amplo conhecimento de arte, grande versatilidade, mas nunca perdeu a alagoanidade, define ela. Ainda no circuito do Centro, no prédio do Tribunal de Justiça, quebrando a sobriedade do lugar, um enorme painel dá um colorido especial ao quarto andar. Em algumas salas, destaca-se um grande quadro de Didha Lyra, artista alagoano contemporâneo, de traço forte, que transita entre o abstracionismo e o retratístico. Nos quadros que enfeitam as paredes do Tribunal de Justiça, a expressão de uma de suas fases mais marcantes, segundo Carmem Lúcia Dantas: a série dos cavalos, que esbanja movimento e vigor. Preciosidade Mas é no gabinete da presidência do TJ, longe dos olhares populares, que se esconde o que Carmem Lúcia Dantas define como outra preciosidade. Três quadros da série vermelho-e-preto, do artista plástico Rogério Gomes. Ele é um artista atual, com um traço geométrico impressionante. É a perfeição da linha, destaca ela. Em breve, o trabalho de Rogério estará em destaque, também, no Aeroporto Zumbi dos Palmares. Os artistas Delson Uchôa e Marta Arruda também fazem bonito no circuito extra-cultural das artes. Marta está presente, com sua expressiva escultura em ferro, que compõe o paisagismo do Fóro Desembargador Jairo Maia Fernandes, no Barro Duro. No alto, compondo o mesmo ambiente, duas telas do pintor Delson Uchôa complementam o cenário. Uchôa é destacado por Carmem Lúcia como o artista alagoano com maior trânsito fora do Estado na atualidade, sempre antenado com o que se faz no mundo atual. Sua arte tem um olhar voltado para o tropical, misturando o contemporâneo com o regional. |EE ### Associação tem acervo do comércio Na Associação Comercial, em Jaraguá, o chamado Palácio do Comércio, com seu rico acervo cultural completa o circuito especial das artes em prédios públicos e privados. Mais aberto ao público, por sua característica de centro de eventos, o prédio não se enquadra na categoria de museu, mas tem seus encantos, além da majestosa arquitetura, restaurada e bem conservada. Na entrada, a estátua de Mercúrio, o deus do Comércio, que ficava na Praça Sinimbu, de onde foi retirada em 1963 e colocada no antigo Relógio Oficial. Finalmente, a escultura em bronze ganhou seu lugar definitivo. Na biblioteca, livros raros que contam a história do Direito, do Comércio, da evolução industrial, têm tratamento de matéria preciosa; outros raros volumes ficam escondidos em armários e gavetas, para reduzir os efeitos nocivos do tempo e do manuseio excessivo. Pinturas No acesso ao auditório, telas iniciadas pelo pintor Daniel Bérard e concluídas por Rodolfo Amoedo retratam o ex-presidente Nilo Peçanha e o ex-governador Euclides Malta, em tamanho original. FA ### Murais perdem características, reclama autor Um mural trabalhado em blocos de concreto, figurando atletas de futebol, na concepção do artista plástico alagoano Hércules Mendes, faz parte da história do Estádio Rei Pelé, construído no início da década de 70. São quatro módulos, totalizando mais de 100 metros quadrados de trabalho artístico, que se destacavam nas fotos da fachada do Trapichão. Seria mais um capítulo no roteiro extra-cultural das preciosidades artísticas que enfeitam ambientes internos e fachadas de prédios em Maceió, não fosse o tratamento inadequado que a obra vem recebendo ao longo das reformas realizadas no estádio. Os painéis tornaram-se quase imperceptíveis aos olhos do bom gosto. Foram descaracterizados pela falta de sensibilidade administrativa, que os entregou nas mãos de pintores de parede. CSA e CRB Na última reforma, os painéis perderam inclusive sua principal característica: o vermelho e o encarnado que vestiam as figuras, simbolizando não apenas as cores de Alagoas, mas também a rivalidade entre os dois times que durante décadas polarizaram o gosto do torcedor alagoano, o CSA e o CRB. Restaram cores desbotadas, sem vibração e sem simbologia, encobrindo inclusive detalhes que foram trabalhados minuciosamente pelo expressionismo do artista. Fiquei decepcionado quando vi. Transformaram a obra num desastre. A cada reforma, os painéis são pintados sem o menor critério. Isso é um desrespeito ao trabalho do artista. É o mesmo que pegar um poema de um autor e alterá-lo, e o que é mais grave, para pior, diz Hércules Mendes. Ele destaca que todo trabalho de arte tem uma lógica visual, e cada detalhe tem sua razão, como o vermelho e o azul que deram o colorido original das figuras. |FA