Cidades
Mata de Murici ter� de ser desocupada

FÁBIA ASSUMPÇÃO Repórter A implantação efetiva da Estação Ecológica de Murici - uma das maiores manchas de mata atlântica do País e com a maior biodiversidade do Hemisfério Ocidental - vai implicar em um processo de desocupação da área e mudar todo manejo do ecossistema da região. Hoje, em vários pontos da reserva, são encontradas plantações de bananas, cana-de-açúcar, pastagem de gado, atividades que são consideradas incompatíveis com uma Estação Ecológica. Segundo o fiscal do Ibama, Jailton Fernandes, todas essas atividades serão eliminadas da estação e nas áreas onde hoje existem bananeiras e cana-de-açúcar e outras espécies frutíferas serão desenvolvidos projetos de reflorestamento com espécies nativas da flora da região. Essa medida coloca em ameaça a Estação de Floração e Cruzamento de Cana-de-Açúcar Serra Dourada, criada pela Universidade Federal de Alagoas há mais de 30 anos. A estação faz parte da Rede Interuniversitária do Setor Sucroalcooleiro (Ridesa), que envolve oito universidades federais que desenvolvem programas para melhoramento genético da cana. Se essa estação for fechada, isso vai inviabilizar todo o programa de melhoramento da cana, alerta o professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Luiz José Oliveira Tavares de Melo, que junto com outros professores desenvolve uma pesquisa de masculação, ou seja, a retirada da parte masculina da flor da cana-de-açúcar, que é hermafrodita - tem os dois sexos. Luiz José ressalta que a área da mata atlântica de Murici oferece condições ideais às pesquisas para melhoramento genético da cana, como altura do nível do mar e precipitação chuvosa. Para destacar a importância da unidade da Ufal em Murici, o professor Luiz José ressalta que existe no local um acervo de 2.400 espécies de cana-de-açúcar de todo o mundo. Só existem três unidades iguais a essa no Brasil. E a única coleção parecida a encontrada aqui está em Gamamu, na Bahia. Ele salienta que 60% da cana do Brasil - República do Brasil (RB), sai das pesquisas de melhoramento genético desenvolvidas na unidade da Ufal, em Murici. A variedade mais plantada no Brasil é a RB722454, que ocupa 1,5 milhão de hectares. Essa variedade foi obtida aqui em Alagoas e foi liberada para plantio em Pernambuco. Segundo ele, existem hoje quase 5 milhões de hectares de cana no Brasil. Até 2010, com a implantação de mais 49 unidades da agroindústria da cana no Centro-Sul, essa área será de 10 milhões e isso exige a pesquisa de novas variedades. INTERESSE MUNDIAL Diante de toda essa riqueza, o complexo florestal de Murici vem despertando interesse mundial, tendo inclusive chamado a atenção do príncipe Charles, que enviou carta ao governo brasileiro, relatando sua preocupação com a preservação daquela área, além de reportagem recente publicada no site da BBC de Londres. Recentemente, ONGs ambientalistas, entre elas o WWF-Brasil, a Fundação SOS Mata Atlântica e a The Nacional Conservancy-TNC, assinaram no Senado o Pacto Murici, uma parceria visando proteger a biodiversidade da mata atlântica do Nordeste, com suas ações tendo início no complexo florestal de Murici. ### Ibama vai indenizar donos de terra Criada por meio de decreto em 2001, a Estação Ecológica de Murici ainda está em fase de implantação. Mas, para que isso se concretize, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) terá de superar uma enorme barreira: indenizar cerca de 60 propriedades rurais - entre pequenas e grandes - que se encontram hoje dentro da estação ecológica. O responsável pelo posto de fiscalização do Ibama em Murici, o analista ambiental Jailton Fernandes, disse que enquanto isso não ocorre, o trabalho de fiscalização e monitoramento da área vem sendo feito, com o objetivo de coibir as infrações ambientais e, principalmente, educando os moradores e proprietários da região sobre a importância da preservação da mata. Uma tarefa que não é muito fácil, já que são apenas três funcionários, que desempenham funções administrativas e de fiscalização, para cobrir a área de 6.116 hectares. Nós contamos também com o apoio do pessoal da gerência do Ibama em Maceió, afirma Jailton. As Estações Ecológicas enquadram-se na categoria das Unidades de Conservação de Uso Direto, que se caracterizam pela restrição à exploração ou ao aproveitamento dos recursos naturais, admitindo-se apenas o aproveitamento indireto dos seus benefícios. As estações ecológicas são voltadas para as pesquisas e a educação ambiental, salienta Jaiton Fernandes. Como está previsto na legislação, as terras que compõem as unidades de conservação de uso direto devem pertencer ao poder público federal, e é isso que o Ibama vem tendo em relação as propriedades hoje instaladas dentro da Estação Ecológica de Murici. Só que para isso, o órgão precisa de recursos para indenizar essas propriedades. Uma das saídas que está sendo tentada é usar os recursos de compensação ambiental da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf). Pela legislação ambiental, as empresas devem repassar ao Ibama 1% do total de investimentos feitos em obras que, de alguma forma, causam dano ambiental. De acordo com Jailton Fernandes, o valor necessário para o pagamento dessas indenizações só será calculado após o levantamento das propriedades que ocupam a área. FAB ### Cientistas internacionais visitam região De acordo com pesquisadores, originalmente a mata de Murici encontrava-se amplamente distribuída entre os municípios de Messias, Flexeiras, Joaquim Gomes, União dos Palmares e principalmente Murici. Atualmente ocupa os municípios de Murici, Flexeiras e Messias. São 1.200 hectares, e a uma altura média de 640 metros de altitude. A reserva de mata atlântica de Murici é considerada uma das mais significativas do País, mas é também uma das que mais sofreram com os desmatamentos e é a menos protegida. A destruição das florestas da região, fruto de diversos ciclos econômicos, desde o pau-brasil até a cana-de-açúcar, contribuíram para reduzir a biodiversidade da região, considerada uma das mais ricas do mundo. Pela riqueza de espécies de aves que existem na mata atlântica de Murici, todos os anos ela recebe visita de ornitólogos (estudiosos dos pássaros) de vários países do mundo, como Estados Unidos, Alemanha e Uruguai. Durante o projeto de monitoramento da avifauna conduzido na Estação Ecológica de Murici desde 2002, pela Sociedade Nordestina de Ecologia e BirdLife Internacional, o ornitólogo Weber Silva encontrou 220 espécies. As pesquisas feitas em Murici levaram à descoberta de quatro novas espécies de aves: o limpa-folha-do-nordeste, o Zidedê-do nordeste, a Choquinha-de-Alagoas e o cara-pintada. Além disso, a área abriga pelo menos outras 10 espécies globalmente ameaçadas, a exemplo do Apuim-de-cauda-amarela, o formigueiro-de-cauda-ruiva e o Pintassilgo-baiano, entre outras. A bióloga da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Elisa Freire, recentemente, encontrou duas cobras e duas pererecas que, além de restritos ao local, eram espécies novas para a ciência. Nas áreas mais preservadas, geralmente as mais elevadas, algumas árvores chegam a atingir até 40 metros de altura. O agricultor Maciel Florêncio da Silva, 24, há quase dois anos mora numa casa fincada bem no alto da Estação Ecológica da Mata Atlântica de Murici, a 55 quilômetros de Maceió. Ele é empregado de uma das dezenas de fazendas que estão na área da reserva, sendo responsável pela pastagem do gado e uma plantação de bananas. Maciel demonstra consciência ambiental, diz que não caça, não tira lenha da mata e nem caça passarinhos. Agora quando encontro mata seca pelo caminho, eu não vou mentir que eu pego. Mas, mata verde eu não tiro. Só que em breve, Maciel e tantos outros moradores da reserva de mata atlântica em Murici poderão ter que deixar o local. PACTO MURICI Uma parceria com o recém-formado Pacto Murici garantiu a aquisição de 60 hectares de uma área que vai até a BR-101. Essa área será passada ao controle do Ibama, bem como da Sociedade Nordestina de Ecologia, que atua principalmente na criação de viveiros de mudas de plantas nativas em fazendas da região, para a recuperação de áreas degradadas. |FAB