Cidades
Cacha�a alagoana ganha salvo-conduto

NIVIANE RODRIGUES Repórter Da entrada do barracão, é possível sentir o cheiro forte da aguardente que enche as garrafas empilhadas em cima da mesa. O tom branco da cachaça pura se mistura ao amarelo da bebida ?envelhecida?, como é chamada a pinga maturada em barris de jatobá. Do alambique no município de Joaquim Gomes, na zona da mata de Alagoas, a cachaça produzida na Fazenda Anápolis, a 72 quilômetros de Maceió, prepara-se para ganhar o mundo e conquistar o mercado externo. A aposta não surge por acaso. Além do padrão de qualidade da bebida alagoana, uma medida formalizada pelo governo federal no último mês de junho vai conferir certificação à cachaça brasileira, uma espécie de ?salvo-conduto? de entrada nos mercados mais exigentes e sofisticados. Elaborado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), o Regulamento de Avaliação da Conformidade da Cachaça (RACC) foi assinado pelos ministros Luiz Fernando Furlan, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e o ministro Roberto Rodrigues, da Agricultura e Abastecimento, a quem coube a elaboração do Regulamento do Padrão de Identidade e Qualidade da Cachaça (PIC). A partir da certificação, o governo pretende impulsionar a produção da cachaça de alambique, aumentar as exportações e mantê-la como uma das principais bebidas que representam o País. Barreiras A certificação será conferida pelo Inmetro que, para isso, desenvolveu ações visando demonstrar a qualidade do produto por meio de um sistema de avaliação da conformidade e da criação de uma infra-estrutura laboratorial adequada. Com a medida, espera-se superar as barreiras impostas pelo mercado externo, já que a cachaça possui entre seus componentes o carbonato de etila, o metanol e o cobre, que, em quantidades excessivas, torna inviável sua entrada no comércio internacional. Para o mercado brasileiro, o teor de álcool por litro da bebida aceito é de até 42%, no entanto, na Europa o percentual não pode Ultrapassar de 40% Entre as linhas de ação de incentivo às exportações da bebida, o Inmetro também desenvolveu junto ao Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) um programa para os produtores de cachaça artesanal, que visa reduzir os custos no processo de certificação, por meio de um bônus. Outro importante passo será a criação de um selo do Inmetro como pré-requisito. Em Alagoas, o Sebrae vem implementando ações para incentivar a exportação da cachaça, como já ocorre com outros produtos, como flores tropicais; artesanato; sucos; sandálias 755; mel; tecido; forros em PVC; açúcar; álcool, entre outros. As ações são desenvolvidas em parceria com órgãos governamentais e instituições de ensino e pesquisa e têm por objetivo levantar a moral dos produtores. ?Não falta muito para começarmos a exportar a cachaça, o que aliás já vem ocorrendo de forma indireta com a JG de Joaquim Gomes, comercializada na sala vip do Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro?, revela Eligius ?t Hoen, coordenador de comércio exterior do Sebrae. O primeiro negócio a ser fechado com o mercado internacional, segundo ele, deve ser justamente entre a JG e a Alemanha. ?Em novembro de 2004 o Sebrae garantiu a participação da bebida produzida em Alagoas no Salão da Cachaça em Pernambuco e os alemães se interessaram pela bebida. As negociações estão sendo encaminhadas e acreditamos que em breve a cachaça alagoana esteja sendo exportada para a Alemanha?, diz o coordenador. ### Produção baixa impede vôos altos Segundo maior produtor de cana-de-açúcar do País, a principal matéria-prima da cachaça, com 400 mil hectares de área plantada, Alagoas tem uma produção da bebida ainda muito baixa, limitada a três engenhos: o JG, em Joaquim Gomes; o Ouro Preto, em Novo Lino e o Brejo, do coronel Jorge Pacheco, no município de Teotônio Vilela. Desses, apenas o JG mantém uma produção regular, que passou de 10 a 12 mil litros/ano para 40 a 50 mil litros/ano desde que foi lançada no mercado, há dois anos. Para se lançar no comércio externo, além das exigências fitossanitárias e legais, impostas pelo processo de exportação, Alagoas também deverá aumentar a produção e assim garantir uma quantidade suficiente para atender o mercado. ?Essa é uma das exigências para exportação?, revela Eligius ?t Hoen. Nessa disputa, ele diz que Alagoas busca um diferencial. ?Estamos trabalhando em parceria com o laboratório da Ufal (a Universidade Federal de Alagoas) para garantirmos uma qualidade única à cachaça de Alagoas; que deverá ganhar, inclusive, um selo próprio?. ?Com esse material em mãos o produtor saberá calcular o preço para exportação; a melhor forma de transporte e os países que mais importam o produto: Alemanha, Paraguai, Itália, Uruguai, Portugal, Bolívia e Chile?, diz o coordenador Eligius ?t Hoen. O presidente do Instituto de Metrologia de Alagoas (Inmeq), Theógenes Café, informa que a certificação da cachaça é um processo voluntário, que depende do interesse do produtor, diferente do que ocorre com produtos como brinquedos e preservativos, cuja certificação é compulsória e só podem ser comercializados se estiverem rigorosamente dentro dos critérios estabelecidos pelo Inmetro. Para obter a certificação, orienta Theógenes Café, ?o produtor deve procurar uma empresa credenciada pelo Inmetro, um instituto de credibilidade internacional e cujo selo certamente garantirá o aumento das vendas da cachaça brasileira?. Em Alagoas, ele diz que não há empresas credenciadas para fazer a certificação, ?no entanto quem desejar pode nos procurar que faremos esta ponte com o Inmetro?, afirma. Fiscalização Apesar de ainda desconhecer a medida do governo federal visando a certificação da cachaça brasileira, o delegado do Ministério da Agricultura no Estado, Évio Lima, garante que se depender de fiscalização, Alagoas não terá problemas para conquistar o mercado externo. O trabalho de inspeção é feito rotineiramente pelo ministério, inclusive nos alambiques. ?Cabe ao ministério autorizar o funcionamento das empresas de origem vegetal e animal. Se elas já existirem e não forem regularizadas, é preciso entrar com um requerimento solicitando esse processo?, revela. Técnicos do ministério, diz Évio Lima, observam desde a documentação até a produção, embalagem e rótulo para constatar se o produto possui licença do órgão. A cada novo item lançado no mercado é feito um novo registro e análises laboratoriais que vão desde a matéria-prima até o produto final. ?O descumprimento dessas normas pode resultar em multa e até no fechamento do estabelecimento?, afirma Évio Lima, ressaltando que no caso do produto para exportação é necessário cumprir também as normas do mercado internacional. NR ### Do consumo interno para o mundo A produção de açúcar e cachaça pelas famílias Fragoso e Gomes na região de Joaquim Gomes remonta a 1835, no entanto só há dois anos a bebida produzida artesanalmente foi lançada no mercado como produto comercial pela JG. O que era feito basicamente para o consumo da família e de amigos, hoje se prepara para atender o mercado externo. O proprietário do engenho, Joaquim Gomes Neto, decidiu diversificar a produção de cana-de-açúcar, para tentar fugir da crise que atinge os pequenos e médios produtores em Alagoas. Ele transformou a antiga garagem de tratores e caminhões da fazenda em um alambique, de onde sai a cachaça comercializada hoje para estados como São Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Sergipe. ?Nosso maior problema são os trâmites burocráticos e a falta de incentivo por parte do governo?, diz o produtor. Juntamente com um grupo de 45 plantadores de cana, ele fundou a Cooperativa dos Produtores Rurais do Estado de Alagoas para fortalecer a produção da cachaça artesanal. ?É inconcebível que o segundo maior produtor de cana-de-açúcar do País tenha uma produção de cachaça insignificante. Isso porque o governo do Estado não tem dado atenção ao produtor; não há incentivos fiscais e estímulo para melhorar a renda?, afirma Joaquim Gomes. Segundo ele, os cooperativados já recorreram diversas vezes à Secretaria da Indústria e Comércio do Estado no sentido de conseguir um imóvel para instalar a cooperativa. ?Mas até agora a secretaria não tem movido uma palha para nos ajudar?, critica. Para instalar o alambique foram necessários R$ 100 mil; sendo R$ 30 mil somente para a moenda, onde a cana é esmagada e dali tirado o caldo que vai passar por um demorado processo de limpeza e preparação até chegar ao consumidor. Outros investimentos estão sendo feitos pelo produtor, visando ampliar os negócios. Ele mantém os tradicionais tanques de madeira, e os de polietileno, onde a cachaça fica armazenada maturando por no mínimo 90 dias, mas adquiriu também tanques de aço inoxidável, mais resistentes. No período da entressafra ele mantém dois funcionários, mas na fase da produção chega a contratar sete. ?É um negócio lucrativo, mas que a exemplo de todo setor precisa de incentivo. Sem isso, não há como crescer?. |NR