loading-icon
MIX 98.3
NO AR | MACEIÓ

Mix FM

98.3
sexta-feira, 16/05/2025 | Ano | Nº 5968
Maceió, AL
27° Tempo
Home > Cidades

Cidades

Pescadores lembram tempos de fartura

Ouvir
Compartilhar
Compartilhar no Facebook Compartilhar no Twitter Compartilhar no Whatsapp

FERNANDO VINÍCIUS Repórter Maragogi - Sair de casa bem cedinho, colocar a jangada no mar e voltar no fim do dia, iluminado pelo pôr-do-sol. A rotina do pescador pode parecer romântica, mas é cansativa e até perigosa para quem vive da pesca. Somente quem lida diariamente com o mar é capaz de relatar com fidelidade as mudanças impostas pelas forças da natureza, aliadas às intervenções dos homens. José Clóvis dos Santos, mais conhecido como Bel do Peixe, 61 anos, é filho de pescadores, nascido em Maragogi, município do litoral norte de Alagoas, onde continua a viver. Ele já pescou de jangada e hoje não sai mais para o mar, nem mesmo em um dos quatro barcos de pesca que possui, todos motorizados. ?Minha saúde não permite mais?, lamenta sentado em um banco da sua peixaria, local onde recebeu a reportagem da Gazeta para contar algumas histórias de pescador. Quando só existiam jangadas nas praias da região, Bel do Peixe lembra que também passava a noite pescando no mar. ?A gente preparava comida em casa, levava gelo e um lampião para pegar cioba usando linha de mão. Dava pra pegar de 80 a 100 quilos em noites de boa pescaria?, garante. A experiência adquirida com o tempo permite aos pescadores identificar os chamados ?pesqueiros?, locais onde há fartura de espécies. ?Hoje em dia os barcos são equipados com GPS, radar, pescador usa celular, mas se não conhecer os pesqueiros, não adianta toda essa tecnologia?, comentou. Ele falou sobre uma situação vivida por três engenheiros de pesca em um barco bem equipado, que voltou com pouca quantidade de peixe após dois dias em alto-mar. ?Eles só trouxeram cerca de 70 quilos de pirá, um peixe de pouco valor. Como ainda tinha muito combustível e alimentação para continuar a pescaria, nós [Bel e mais três pescadores] pegamos o barco e três dias depois chegamos com mais ou menos 200 quilos de peixe, principalmente arabaiana. A diferença é que a gente sabe onde o peixe mora?. Eles também atribuem culpa às usinas da região pelo lançamento de dejetos que degradam os manguezais situados às margens dos rios da região, berçários de diversas espécies marinhas, principalmente o camarão. A pesca predatória também causa prejuízos à reprodução e desenvolvimento de peixes, lagostas e camarões, capturados indiscriminadamente pelas redes dos barcos. Mergulhadores também não respeitam o ciclo natural das lagostas. Os pescadores reconhecem que não há fiscalização eficiente e, em certa medida, são coniventes com a prática. ?Fica por conta da consciência de cada um?, argumenta Ivanildo de Oliveira, o Alemão, presidente da colônia de pescadores Z-15. Fundada há 67 anos, a colônia tem cerca de mil pescadores cadastrados. Responsável por encaminhar a aposentadoria e outros direitos dos filiados, a Z-15 dispõe ainda de uma ?fábrica de gelo?, adquirida em 1989 mas que não supre mais a demanda local. A entidade tem sede própria e sobrevive da contribuição dos pescadores, R$ 4 por mês. O gelo é vendido por R$ 0,12 o quilo. Para Damião José, 52 anos, natural de Maragogi e pescador desde os 10 anos, a crise é mais grave. A vida no mar acabou com sua saúde, mas ele não pode parar porque não tem como sobreviver. Em sua juventude, recorda que já chegou a pegar cerca de 1.200 quilos de peixe, somente em uma viagem. ?Hoje em dia, isso só acontece numa ?correção? de sirigado?, falando sobre a passagem de um grande cardume. Más lembranças trazem de volta um naufrágio. O mau tempo empurrou o barco onde Damião estava com mais três pescadores para cima dos arrecifes. ?A força do vento era tanta que uma onda passou a jangada que estava atracada ao barco por cima das pedras. Pulamos na água, subimos na jangada e, graças a Deus, escapamos?. Hoje, teme a aproximação de tempestades. ### Afortunados ajudam velhos companheiros Quando a pescaria termina bem, peixes como arabaiana, cavala, cioba, dourado, xaréu, sirigado, atum, dentre outros, são vendidos aos bares, restaurantes e hotéis da cidade. Em média, a produção semanal é de 200 quilos. Lagosta e camarão são vendidos principalmente para empresas de exportação sediadas no Recife, em Pernambuco, exceto na época do defeso, quando a pesca fica proibida de 1º de janeiro a 30 de abril. Um quilo de cauda da melhor espécie de lagosta, chamada de ?vermelha?, custa atualmente R$ 60. Aproveitando a peça inteira, o quilo é vendido por R$ 20. Escassez Tempos de fartura em contraste com períodos de escassez formam o pano de fundo do cotidiano dos pescadores em Maragogi. Os mais bem preparados guardaram para si e ensinam aos filhos a rota dos pesqueiros que encontraram durante as jornadas no mar. Vivem com certa tranqüilidade e ajudam velhos companheiros menos afortunados, marinheiros que ainda enfrentam o movimento das marés e rezam para que a pescaria dê bons resultados. Esses sonham com aposentadoria enquanto ainda precisam pescar o pão de cada dia.

Relacionadas