Cidades
Alagoas vai virar exportador de inhame

CARLA SERQUEIRA Repórter Viçosa - Nas prateleiras dos supermercados franceses, o inhame alagoano já tem espaço reservado. A produção de sete municípios do Vale do Paraíba está sendo negociada com a Ética - Comércio Solidário. Esta empresa, criada em março deste ano com o apoio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tem a Visão Mundial, uma das mais atuantes Organizações Não-governamentais (ONGs) do mundo, como sócia majoritária. O objetivo da Ética é evitar o êxodo rural, descobrindo mercados para a produção agrícola e artesanal de familias menos favorecidas. Bonito, município pernambucano distante 136 km do Recife, já exporta o tubérculo, mas na sua entressafra - que dura cerca de seis meses, a França fica sem o alimento; e, de acordo com a representante da Visão Mundial em Alagoas, Ida Tenório, ?os franceses querem inhame o ano inteiro?. Sediada no Recife, a Ética também comercializa o artesanato de Pão de Açúcar, cidade do sertão alagoano a 227 km de Maceió. Com orientações do Grupo de Impulsão de Agronegócios (Guia) - uma ONG que nasceu dos Fóruns de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (FDLIS), promovidos há cerca de seis anos pelo governo federal e Sebrae, os pequenos agricultores dos municípios de Cajueiro, Viçosa, Chã Preta, Paulo Jacinto, Quebrangulo, Pindoba e Mar Vermelho, responsáveis por 90% da produção de inhame no Estado, estão aperfeiçoando as técnicas de plantio para aumentar a oferta e afastar o casca preta, um verme que vem sendo decisivo no declínio da cultura em Alagoas. Durante este mês, o Guia está levando a proposta de exportação para 500 produtores de 25 comunidades do Vale da Paraíba. O acordo entre a ONG e a empresa Ética é fechar um grupo de agricultores que se responsabilize em fornecer, por mês, entre setembro e janeiro, 25 toneladas de inhame para a França. A saca, o equivalente a 60 kg do tubérculo, custa hoje cerca de R$ 60 - R$ 1 por quilo. A exportadora está disposta a pagar um dólar (quase R$ 3) por cada quilo de inhame. ?O preço é muito justo?, afirma José Galba Rocha, presidente do Guia. ?Para se ter uma idéia?, diz ele, ?92% da produção é vendida aos chamados atravessadores que, no final, acabam ganhando mais que os próprios produtores?, Segundo ele, Alagoas é o terceiro maior produtor de inhame do Brasil, perdendo apenas para Paraíba e Pernambuco. ?Mas em número de agricultores?, afirma, ?Alagoas é campeã?. Francisco Balbino da Silva, 42, é produtor de inhame em Viçosa. Ele sustenta a esposa e mais três filhos com a plantação. ?A gente tem que saber negociar?, diz ele, ?eu mesmo vendo a minha produção diretamente na feira. Não gosto de atravessador?, afirma, dizendo que nos oito meses até a colheita trabalha como auxiliar de pedreiro. Sobre a possibilidade de fornecer inhame para a França, Francisco não esconde a satisfação. ?Vai ser bom demais. Se a gente conseguir vender a um preço melhor, a produção vai aumentar e todo mundo vai sair ganhando?, disse, empolgado. Floriano Correia da Silva é outro produtor de Viçosa. Ele tem 67 anos e desde os 10 planta inhame. ?O comprador vem buscar minha produção aqui mesmo na roça. O lucro é pouco. A gente acaba ficando somente com a semente para plantar de novo?, conta ele, que em dezembro, durante a safra, espera colher cerca de 10 toneladas de inhame e arrecadar em torno de R$ 5 mil. ?Tenho que pagar ao banco, ao rapaz que vem me ajudar e guardar o resto para me manter nos meses de plantio?. Aula de exportação Nos dias 3, 4 e 5 de outubro, 25 produtores dos sete municípios envolvidos com a proposta de exportação do inhame alagoano vão visitar uma cooperativa de agricultores no município de Cruz das Almas, no Recôncavo Baiano. Eles já exportam inhame para a Europa. ?Será uma oportunidade de conhecer de perto como eles selecionam e embalam o inhame?, diz a engenheira agrônoma e consultora do Sebrae Liduína Alencar. ?Lá, os produtores vão ter uma idéia melhor da qualidade exigida pelo mercado internacional e saber como é lucrativo trabalhar em grupo?, argumenta. Em Chã Preta, os produtores já têm um galpão com computadores instalados. O local vai servir como depósito, onde o inhame será limpo e embalado para exportação. ?De Chã Preta?, diz Galba, ?a produção de Alagoas vai seguir para o Porto do Recife, rumo à Europa?. Planejar a comercialização do inhame é outro desafio para os agricultores do Estado. Luiz Roberto de Oliveira, 66 anos, planta inhame desde adolescente. ?Esta semana um rapaz queria 300 quilos de inhame para vender em São Paulo. Infelizmente nossa colheita é daqui a dois meses?, diz. Na opinião do presidente do Guia, Galba Rocha, a união entre os produtores é fundamental. ?Mercado existe e é grande?, diz ele, ?se houver um trabalho conjunto, não vai haver oscilação de preço e o lucro será maior?, acredita. ### Novas técnicas reduzem custos em 70% Paulo Jacinto - Com o objetivo de reduzir os custos de produção em 70%, a engenheira agrônoma e consultora do Sebrae Liduína Alencar vem implantando novas técnicas de plantio nas lavouras, em parceria com o Grupo de Impulsão do Agronegócio no Vale da Paraíba (Guia). Antes, varas de madeira eram utilizadas para sustentar os ramos de inhame; hoje, elas estão sendo substituídas por fios de arame. ?Estas varas, na maioria das vezes, são retiradas da Mata Atlântica, o que configura crime ambiental. O arame, além de favorecer a natureza, dura mais?. Segundo ela, para armar o plantio em uma tarefa de terra cada produtor tem que desenbolsar, a cada dois anos, R$ 350. Já utilizando o arame, a durabilidade da estrutura é de 12 anos e os gastos não passam de R$ 500. O uso de adubo químico e orgânico é outra alternativa para agregar valor à produção. Uma pesquisa realizada pelo Guia revelou que apenas 6% dos agricultores fazem análise de solo e somente 4% adubam suas lavouras. Com os custos reduzidos, a briga se volta contra o nematóide scutellonema, conhecido popularmente como casca preta. A mesma pesquisa constatou que a cultura do inhame corria risco de desaparecer. ?Há 12 anos, o solo destes municípios foi contaminado. Algumas sementes chegaram doentes da Paraíba e de Pernambuco. Com o passar do tempo, a praga foi se alastrando?, contou Galba Rocha, presidente do Guia. O inhame germina durante cerca de oito meses. O casca preta ataca, geralmente, a dois meses da colheita, causando grandes prejuízos. O verme não ameaça a saúde humana, mas deixa o inhame com aparência comercialmente inviável. Uma solução encontrada foi o uso das chamadas ?plantas armadilhas?. A espécie recomendada é a crotalaria spectabilis, uma planta originária do Acre que atrai o casca preta, deixando livres os tubérculos. ?É uma solução barata e eficaz?, diz Liduína Alencar. Em cada município produtor de inhame serão criadas 7 Unidades de Demostração para que os agricultores aprendam, na prática, as novas técnicas. Para isso, R$ 43 mil do Fundo de Microcrédito do Estado de Alagoas (Funcred) estão sendo disponibilizados. Uma dessas unidades já está em funcionamento em Paulo Jacinto. Um sistema de irrigação também está sendo testado. A idéia é plantar inhame durante todo o ano, mesmo no verão. Boa parte dos produtores de inhame em Alagoas recorreu a empréstimos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), do governo federal. O intuito é valorizar a produção do campo e evitar a migração de famílias para as capitais. A agricultura familiar, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário, é responsável por 67% da produção nacional de feijão, 97% do fumo, 84% da mandioca e 52% do leite. Além de representar 77% do total de pessoas que trabalham na agricultura. CS ### Panificação inova com pães de inhame A maior parte da produção de inhame do Vale da Paraíba é comercializada em Viçosa. Os galpões que outrora serviam de estação ferroviária, na principal avenida da cidade, são transformados em palco para a feira livre do inhame. De lá saem, principalmente nas sextas-feiras, dezenas de caminhões carregados do alimento. Boa parte da produção é vendida para a Ceasa, em Maceió, e municípios vizinhos. O que pouca gente sabe é que o inhame tem sido matéria-prima numa panificação de Viçosa. Com 50 anos de fundação, a padaria Senhor do Bonfim resolveu inovar. Depois de ter participado de um curso de culinária à base de inhame oferecido pelo Sebrae, Márcia Feitosa de Araújo, 44 anos, adotou os conhecimentos em sua fábrica de pães. ?Quando eu digo que o pão é de inhame, a primeira pergunta que escuto é ?E presta??, mas depois que provam, todos elogiam?, diz ela, que faz também massa de pizza, pastéis, bolos, croissants e até sanduíche de inhame. ?É mais nutritivo que a batata inglesa e muito mais econômico?, ensina. No inhame estão todas as vitaminas do complexo B, além de tiamina (vitamina B1), riboflavina (vitamina B2), niacina (vitamina B5), ácido ascórbico (vitamina C) e teores de vitamina A. Por suas qualidades nutritivas e pelo efeito estimulador do apetite, o inhame é muito indicado nas dietas de recém-nascidos e pessoas idosas. A sua composição apresenta também o menor valor calórico (70,2 calorias em 100 gramas) em comparação à mandioca (119) e à batata inglesa (78,5). Estas informações estão impressas no livro Receitas à Base de Inhame - Saúde e Fertilidade na sua Mesa, organizado pela engenheira agrônoma Liduína Alencar, com receitas criadas pela nutricionista Edna Rodrigues Guimarães. Até sucos e bebidas alcóolicas é possível fazer de inhame. ?Quando descobri o valor nutricional do inhame, fiquei impressionada?, disse Márcia. ?Hoje, lá em casa, comemos muito mais inhame que antes?, revela. O livro é comercializado na panificação Senhor do Bonfim, em Viçosa, e pode ser encontrado também no Sebrae. No dia 15 de outubro, todas as delícias que Márcia e sua equipe preparam à base de inhame serão ofertadas no 1º Festival do Inhame do Vale da Paraíba, em Viçosa. A intenção da festa é apresentar o potencial da região e atrair oportunidades de negócios.|CS