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Nº 5839
Cidades

Cole��o de ru�nas revela a trajet�ria de vida de Alagoas

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Por | Edição do dia 11/12/2005 - Matéria atualizada em 11/12/2005 às 00h00

FÁTIMA ALMEIDA Repórter Chaminés que se destacam como imensas torres no meio do mato, onde um dia o barro virava cerâmica; fachadas de antigas fábricas de tecelagem que movimentaram a economia do setor têxtil de Alagoas no século passado; ruínas, de usinas, igrejas, hospitais, que contam a história da evolução social e econômica de Alagoas, desde a época da colonização, cedem aos efeitos do tempo e do abandono. O setor sucroalcooleiro evoluiu e se mantém no pico da produção no Estado, mas alguns parques não resistiram e também se tornaram ruínas cuja história é contada de pai para filho, a exemplo da Usina Brasileira, em Atalaia, a primeira instalada em Alagoas, onde a Gazeta conferiu, inclusive, uma velha maria-fumaça perdida na paisagem. Em Marechal Deodoro, as ruínas da Igreja do Carmo dos Homens Pardos guarda os segredos da segregação racial que tinha suas nuances também na religião e na arquitetura dos séculos 18 e 19. O estado do templo religioso é deplorável, praticamente irrecuperável, na avaliação de alguns arquitetos. Mas para muitos, mesmo as ruínas podem passar por um processo de consolidação, para evitar que continuem sendo destruídas, sendo transformadas num marco revitalizado da história. Nesse contexto pode se enquadrar o leprosário, na Praia do Francês. Referência para os surfistas, por localizar o pico das ondas, o leprosário tem menos registros nos relatos históricos do que sua imponência merece. Como sugere o nome, o leprosário teria sido construído no século 19 (conforme sugere o frontão triangular), com o objetivo de isolar as pessoas contaminadas com lepra e conter a disseminação da doença. Mas há quem diga que o leprosário, com suas grossas paredes, ainda percebidas nas ruínas que resistem ao tempo, era uma espécie de hospital geral, por onde passavam os homens que chegavam de outros continentes, pelo mar. Ali eles ficavam por alguns dias, em observação, antes de qualquer contato com o continente, para evitar a proliferação de doenças. Há, ainda, a hipótese de que o leprosário teria sido construído pelos franceses como estratégia para afastar a concorrência no contrabando do pau-brasil. A notícia de que havia leprosos no local afugentava possíveis invasores. Com várias nuances, o leprosário é, na realidade, um pedaço da história da colonização brasileira, situado na mesma época de igrejas e casarios. ### Companhias têxteis viveram o apogeu De frente para o velho prédio da Companhia Fiação e Tecido Norte Alagoas (a Fábrica de Saúde) no litoral norte de Maceió, o ex-operário José Firmino Duarte, 78 anos, abre suas memórias e conta histórias dos famosos bailes de carnaval que movimentavam o povoado; das festas religiosas com quermesse, chegança, pastoril e baianas; dos desfiles escolares; e das partidas de futebol que lhe deram o apelido de “Dengoso”. “O CSA, o CRB, o Ferroviário, vinha tudo jogar aqui”, diz, orgulhoso. “Isso aqui era muito movimentado. Tinha mais de 400 funcionários. No Natal e no carnaval vinha muita gente de fora. Tinha muita festa e trabalho para todos; escola para os filhos dos operários, tudo movimentado pela fábrica”, continua ele, mostrando os espaços quase vazios e parcialmente tomados pelo mato, ao redor da antiga fábrica. Enquanto rebusca as lembranças, Firmino, que mesmo aposentado continua como guardião das ruínas da tecelagem, tira a poeira de velhas fotografias, como se precisasse delas para confirmar o que diz. O campo de pouso, a quadra de basquete e o campo de futebol no ambiente da tecelagem; o Grupo Escolar Cônego Machado, inaugurado com a presença do então prefeito de Maceió Joaquim Leão; o povo no logradouro, em dia de festa... Num canto, encostado entre o entulho do que restou, o grande apito de ferro, que funcionava a vapor, e durante anos acordou os moradores da vila, às 5 horas da manhã, anunciando mais um dia de trabalho. “Era ouvido em Riacho Doce, Pescaria, Ipioca e Engenho Velho”, lembra Firmino. O apito silenciou para sempre em 1982, após mais de meio século de atividade. Firmino não lembra o dia com exatidão, mas lembra do desespero de todos quando foi anunciado o fechamento da fábrica. “Foi muito gente chorando. Ninguém agüentou”, diz ele, emocionado. A lembrança mexe com o coração safenado de outro ex-operário, José Pedro da Silva, 81 anos e, segundo ele, o primeiro paciente a colocar um marca-passo pelas mãos do cardiologista José Vanderley Neto. “O fechamento foi uma tristeza que eu nunca vou conseguir esquecer”, diz ele, sem conter as lágrimas. Era tratorista e, nos dias de festa, botava um barzinho. Trabalhou a vida inteira na fábrica e recebeu seu salário em tostões, réis, cruzeiro e real. “Falo com seu Alberto (Nogueira) todos os dias. Mas ele ficou muito desgostoso. Não gosta muito de vir aqui porque sofre muito”, diz José Firmino. Contexto histórico O auge das fábricas de tecido e o ciclo do algodão durou até os anos 50 e 60 do século 20, quando uma nova revolução na indústria lançava o fio de náilon em substituição ao algodão. Começava a era do poliéster. O operário da Fábrica de Saúde, José Firmino Duarte chefe da sala de expedição, por onde chegavam e saíam todos os pedidos para os estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Rio de Janeiro e para as lojas de Maceió, acompanhou a queda dos números. Viu serem desativados, um por um, os mais de 400 teares; acompanhou as tentativas de modernização; a dispensa de funcionários e o fechamento da fábrica. Em campos mais distantes, começava o ciclo da cana-de-açucar. Os engenhos davam lugar às usinas. FAL ### Belo cenário dos escombros esconde choro dos ex-donos As ruínas da Usina Brasileiro, em Atalaia, a primeira instalada em Alagoas, formam um cenário fascinante. No meio do mato, um prédio de seis andares, onde funcionava a destilaria, virou uma espécie de casa de boneca, onde as crianças do assentamento se aventuram em bricadeiras infantis. Ali, realidade e fantasia se misturam, compondo um roteiro perfeito, se não fossem as lágrimas de quem perdeu o que tinha. As histórias que as ruínas insistem em contar se confundem, em muitos relatos, com a própria vida, e fazem chorar ex-operários e antigos proprietários, embrenhados em boas lembranças, ou traumatizados pela falência. O ex-proprietário da Companhia de Fiação e Tecido Norte Alagoas (a Fábrica de Saúde), Alberto Nogueira, nem gosta de falar no assunto. “Dói muito; machuca feridas que não foram cicatrizadas. Ninguém se importou mais com isso”, diz ele, alfinetando o poder público. Paulo Brandão, ex-proprietário da Cerâmica Satuba, até tenta falar, mas cai no pranto quando lembra o dia em que teve de comunicar a 180 funcionários que não dava mais para continuar. “Não ficou ninguém. Todo mundo perdeu o emprego. Tem gente que até hoje está desempregada”, lamenta ele. Isso foi há quase 20 anos. Ele nunca vai esquecer do apito que anunciava o início e o final do expediente e muito menos o dia em que a energia da cerâmica foi cortada; para todos, o prenúncio do fim. “A cerâmica, que chegou a ter 250 funcionários, divididos em três turnos, e funcionava 24h por dia, a todo vapor, encerrou suas atividades com apenas 52”. Hoje é um amontoado de ruínas, cujo principal marco é a chaminé, que durante anos anunciou a produção farta. FAL

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