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Nº 5759
Cidades

Reta final do Plano Diretor preocupa constru��o civil

CARLA SERQUEIRA Repórter A intenção é mudar completamente a paisagem. Os coqueirais vão ceder espaço para prédios de até 20 andares, a rodovia será ampliada, e as favelas - que proliferam há anos, ganharão status de Zonas Especiais de Interesse So

Por | Edição do dia 22/01/2006 - Matéria atualizada em 22/01/2006 às 00h00

CARLA SERQUEIRA Repórter A intenção é mudar completamente a paisagem. Os coqueirais vão ceder espaço para prédios de até 20 andares, a rodovia será ampliada, e as favelas - que proliferam há anos, ganharão status de Zonas Especiais de Interesse Social. Este é o futuro breve do litoral norte de Maceió, “desenhado” nas audiências públicas do Plano Diretor, caso a Câmara de Vereadores desista das modificações que fez no documento. Depende exclusivamente dos 21 parlamentares a redação final da lei. Na última sessão de 2005, eles aprovaram o Plano, mas mudaram 6 itens: todos relacionados às próximas construções no litoral maceioense. Os vereadores reduziram significativamente os coeficientes de aproveitamento, número que define o volume de construção de acordo com o tamanho da área a ser edificada. Por exemplo: se o terreno tem mil metros quadrados e o coeficiente para a região é 2, a edificação deverá ter, no máximo, 2 mil metros quadrados de construção. O cálculo é simplesmente a multiplicação do tamanho da área pelo coeficiente estabelecido no bairro. No caso do litoral norte de Maceió, o coeficiente em vigor é de apenas 0,5. A proposta encaminhada nas audiências públicas é de ampliar para 4. Os vereadores querem apenas 1,5. As mudanças não agradaram às empresas de construção civil. O presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Felipe Cavalcante, considerou “infundada” a proposta da câmara. “Se não puder construir em canto nenhum da orla, onde vamos construir? As pessoas querem morar ao lado do Riacho Salgadinho?” Para ele, se os vereadores não repensarem as mudanças que fizeram no Plano Diretor, Maceió ficará no prejuízo. “Com a proposta da Câmara, não vale a pena construir. Poderíamos gerar cerca de 5 mil empregos, mas se os vetos forem derrubados, não teremos a oferta”. Quando o Plano Diretor chegou às mãos do prefeito Cícero Almeida, ele vetou todas as mudanças feitas pelos vereadores alegando que empreendimentos milionários - um de 10 e outro de 8 milhões de euros, e um terceiro de 70 milhões de reais - seriam inviabilizados. A atitude foi apoiada “com entusiasmo” pelas construtoras. Há cerca de uma semana, o documento retornou para a Câmara. Agora cabe apenas aos vereadores, como legítimos representantes do povo, decidir se aprovam ou não os vetos. Se forem aprovados, prédios de até 20 andares estarão liberados; se não forem, apenas edifícios de até 4 andares poderão ser construídos. A data para a sessão decisiva ainda não está marcada. ### Código é criado sem audiência pública Aprovado o Plano Diretor, a discussão se dará em torno do novo Código de Edificações e Urbanismo. A elaboração do documento não contou com audiências públicas, apesar do Estatuto das Cidades garantir este direito à sociedade. Segundo o procurador do município, David Ferreira da Guia, 90% do código já está pronto. A aprovação seguirá o mesmo trâmite que o Plano Diretor. A pressa tem explicação: sem o código, as construtoras não poderiam dar início aos seus projetos. Todos os detalhes de como devem ser as futuras edificações no Litoral Norte estarão no documento. “A discussão é muito técnica, não interessaria à sociedade”, argumentou David. Mas para a arquiteta Nichole Dellabianca, o argumento não convence. “Eu sou da área e gostaria de ter participado da criação do código. Há muitos técnicos que não trabalham na prefeitura e que também poderiam ter colaborado”, diz ela, que é moradora de Riacho Doce. Desde 2004, chegam pedidos de alvará na prefeitura para construção de edifícios de até 30 andares no Litoral Norte. Graças a uma determinação do Ministério Público Estadual, nenhum alvará será liberado antes que o Plano Diretor vire lei. É no novo Código de Edificações e Urbanismo que está a definição do limite máximo de 20 andares para prédios no Litoral Norte. “Fizemos muitos estudos, recuamos em alguns pontos e acredito que será votado um projeto de consenso”, disse o presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi), Felipe Cavalcante. Na Ponta Verde, os prédios não podem ultrapassar os seis andares na primeira quadra à beira-mar, por causa do farol, que orienta os navios a caminho da costa maceioense. “Como o cone do farol só abrange uma parte de Cruz das Almas, não há impedimentos para a construção de prédios altos no resto do litoral”, disse o procurador. Consta também no projeto do novo Código de Edificações que a distância de um edifício para o outro tem que ser de 20 metros. Hoje, este limite é de apenas 5 metros. “Teremos prédios altos, mas com grandes áreas verdes ao redor”, explicou Felipe Cavalcante, garantindo que não haverá problemas de ventilação. “Quando os prédios são baixos e largos - como ocorre na Ponta Verde, a ventilação é prejudicada. Mas quando eles são altos e estreitos, não existe ameaça. O vento circula pelos lados e não por cima dos prédios”, diz ele. Tanto o Plano Diretor como o novo Código de Edificações e Urbanismo estabelecem que será de responsabilidade dos empreendedores o tratamento e destino final dos esgotos. “Cada empreendimento terá que apresentar uma solução individual”, afirmou o presidente da Ademi, Felipe Cavalcante, ao explicar que as obras de saneamento serão feitas por meio de parcerias público-privadas. No entanto, o diretor de Operações da Casal, Antônio Fernando Santana, já alertou sobre os riscos de instalar soluções individuais para o esgotamento sanitário na região do Litoral Norte. “É complicado ter um controle efetivo. Já tivemos experiências que não deram certo na capital. O mais seguro seria instalar um outro emissário submarino, principalmente no Litoral Norte que é uma área com muitas nascentes de água”, disse ele. CS ### Favelas proliferam nos morros do litoral Grande parte dos moradores do Litoral Norte pouco sabe sobre o que está por vir com a aprovação do Plano Diretor de Maceió. A região, a mais cobiçada pelo setor da construção civil, é também habitada por centenas de famílias pobres, em situação de miséria. Nos “grotões”, elas tentam sobreviver sem água, esgotamento sanitário e transporte. José Edmilson da Silva, 24, vive há 2 anos com duas filhas e a esposa numa área invadida no bairro de Jacarecica. Ao redor de sua casa já foram erguidas mais de 30. Ele e todos os outros migraram da chamada favela do Lixão. “O terreno pertence à prefeitura. A gente veio para cá porque na favela do Lixão não cabe mais ninguém”, disse ele, que é catador de lixo. “E a favela está descendo. Pode olhar, as casas já estão chegando perto da pista”. Vizinho de Edmilson, José Roberto Francisco, 43, pescador e também catador de lixo, reclama da falta de acesso à praia. “Para a gente chegar no mar, tem que andar na base de uns 20 a 30 minutos”, conta o desempregado, à beira da AL-101 Norte. “A gente está aqui porque é o jeito. Essas mansões [diz, se referindo às casas construídas ao lado da Vila Emater] invadiram o terreno da prefeitura e a gente resolveu invadir também”. Eles afirmam que já ouviram falar da intenção das construtoras. “Que o progresso venha, mas que a gente cresça com ele também”. A situação de Edmilson e José Roberto se confunde com a de milhares de outras pessoas que enfrentam o mesmo problema da falta de assistência social. Mais adiante, no lugar chamado “Poeirão”, em Guaxuma, barracos de papelão não param de ser levantados. “Aqui todo dia chega gente”, conta a desempregada Silvânia Ferreira, 28 anos, natural de Rio Largo. “Água só tem por 2 horas. Vem de um poço artesiano para todo mundo”. No lugar onde Silvânia mora não tem transporte. “Ando mais de 40 minutos para pegar um ônibus na pista”. Ela diz que já caminhou quase duas horas para chegar até o conjunto Benedito Bentes, através de estradas vicinais. “A maioria das casas não tem banheiro. O jeito é ir ali no mato. Lixo tem gente que queima e tem gente que joga dentro da grota”, afirma, dizendo que as crianças vivem doentes. Eronildes dos Santos tem 46 anos e é deficiente físico. “Aqui a poeira é grande. Quando não é ela, é a lama. É comum o povo ter crise de garganta. O pouco dinheiro que ganha tem que gastar com remédio todo mês”. Ele disse que no inverno não tem carro que chegue perto de sua casa. O “Poeirão”, que na verdade é o conjunto Elias Ponte Bomfim, existe há mais de 20 anos. “Nunca recebemos ajuda do poder público, só promessa”, revela Santos. No lugar chamado Vale Verde, perto do Poeirão, mora há 7 anos Maria do Carmo, 64 anos. Ela migrou da Grota do Andraújo, nos limites de Guaxuma. Ao lado de sua casa, uma estrada de barro foi aberta. “Dizem que vão construir umas casas aí para trás. Eu mesma já ‘tô’ querendo ir para outro lugar”. CS

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