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Nº 5759
Cidades

Frevos e carnavais embalam amores de longa dura��o

LELO MACENA Repórter Nem só de amores passageiros, com prazo de validade de quatro dias, vive o carnaval. A festa pagã, conhecida tradicionalmente por embalar aventuras amorosas que não duram além de uma Quarta-feira de Cinzas, também é palco de v

Por | Edição do dia 26/02/2006 - Matéria atualizada em 26/02/2006 às 00h00

LELO MACENA Repórter Nem só de amores passageiros, com prazo de validade de quatro dias, vive o carnaval. A festa pagã, conhecida tradicionalmente por embalar aventuras amorosas que não duram além de uma Quarta-feira de Cinzas, também é palco de verdadeiras histórias de amor, nascidas ao som de frevo e folia, e que se renovam a cada reinado de momo. Neste domingo, a Gazeta narra a saga de dois casais unidos pela alegria de viver intensamente os momentos da maior festa popular do Brasil. Enquanto nos dias atuais jovens desfazem relacionamentos e namorados “dão um tempo” para poder aproveitar melhor os momentos de farra, existem casamentos que se fortalecem e encontram sua razão de ser justamente nos dias de carnaval. Frevo e romance Maria de Pompéia Moura, 62, tinha só 14 anos quando conheceu Manoel Tenório de Moura. Ainda uma adolescente, “dona” Pompéia conta que percebeu de imediato o interesse do futuro marido. “Ele não parava de olhar pra mim. Ficava piscando o olho e acenando com a cabeça”, conta. O encontro ocorreu no auditório da antiga Rádio Difusora, às vésperas do carnaval, no início dos anos 60. Ele estava com 39 anos e já era conhecido pela sua militância no frevo alagoano. Ela, recém-chegada de São Miguel dos Campos, era uma inocente estudante que vivia em regime de semi-internato em escola local. “Quando eu vi aquela morena bonita, alta, não pensei em outra coisa, queria casar com ela de qualquer jeito”, lembra hoje, aos 84 anos, Manoel Tenório, o Maestro Manezinho, como é conhecido o fundador do tradicional bloco Sai da Frente, há mais de setenta anos desfilando nos carnavais de Alagoas. A manhã da Quarta-feira de Cinzas daquele carnaval foi crucial para o romance dos dois. Sujo de talco e ainda carregando as marcas dos quatro dias de folia, embalados por Mamãe eu quero e Você pensa que cachaça é água, Manezinho não hesitou ao encontrar a jovem Pompéia na rua e lhe propor o casamento. O pedido foi logo aceito pela família, que tratou de cuidar do matrimônio e em menos de seis meses o casal estava unido para sempre. A partir daquele momento, o carnaval seria para os dois o principal motivo de suas vidas. Manezinho já era o líder do Bloco Sai da Frente, o qual fundou ainda criança, com nove anos de idade. O bloco passaria a fazer parte da vida de “dona” Pompéia definitivamente. Ela virou a porta-estandarte e ficou responsável por confeccionar as dezenas de fantasias dos componentes, além de tocar surdo e tuba. De lá até aqui já são 46 carnavais de muito trabalho e companheirismo. Durante todos esses anos o Sai da Frente nunca deixou de desfilar. Parto na quarta de cinzas Da união do casal nasceram seis filhos. O segundo rebento, uma menina, veio ao mundo em plena Quarta-feira de Cinzas, depois de “dona” Pompéia “brincar” e tocar durante os quatro dias em percursos que eram feitos da Rua do Comércio até o antigo clube 29 de Julho, de Bebedouro. “Eu comecei a sentir as contrações e fui pra casa. Entrei no quarto e dei a luz uma menina, sozinha. Ela nasceu com mais de cinco quilos”, conta ela. Enquanto isso, “seu” Manezinho corria feito um louco em busca de uma parteira. “Ele até perdeu os sapatos”, conta a filha Verônica Tenório de Moura, hoje com 42 anos. Ela diz que o único trabalho que a atrasada parteira teve foi o de “amarrar” seu cordão umbilical. O serviço, segundo ela, foi feito com um barbante de padaria. Outra história curiosa contada por “dona” Pompéia diz respeito a um enterro que acabou em frevo dentro do cemitério. A orquestra do Sai da Frente foi convidada para tocar durante o sepultamento de um folião. Antes de morrer ele confessara a familiares que não queria tristeza nem choro quando morresse. “Nós chegamos ao cemitério e já fomos tocando Vassourinha. Ninguém ficou parado, foi o maior frevo ao redor do caixão. Todo mundo pulando”, se diverte “dona” Pompéia, ao lembrar do fato. Gerente da folia Atualmente, “seu” Manezinho é o presidente da Liga dos Blocos de Frevo de Maceió e “dona” Pompéia, sua fiel escudeira. Os dois, juntos, administram cerca de uma centena de músicos de sopro de Maceió e de cidades vizinhas. Durante o carnaval, o trabalho é intenso. “Nós não temos tempo nem de dormir”, diz dona Pompéia. Além de ter de dar conta de dezenas de fantasias, ela ainda tem que fazer panelões de comida para saciar a fome das várias orquestras de frevo que fazem de sua casa uma espécie de ponto de apoio durante as comemorações do carnaval. “Tudo isso, nós fazemos com muito amor. O carnaval é a nossa razão de viver, é o que nos mantém unidos”, diz “dona” Pompéia. ### Marchinhas ajudam a reatar namoro O casal é sempre destaque durante as prévias carnavalescas de Maceió e nos vários eventos para os quais são convidados. A alegria, espontaneidade e paixão que demonstram fazem de Nilda Rosa Leão e Sandoval de Arroxelas Nobre um casal especial. O amor entre os dois floresceu ainda na juventude, quando eram estudantes universitários. Embora ambos namorassem, havia uma atração entre eles. “Rolava uma paquera entre a gente”, lembra Nilda Rosa. Amigos de faculdade, entre caronas e conversas, os dois decidiram namorar e em novembro de 1972 já formavam um belo casal. Mas a chegada do carnaval, no mês das férias do ano seguinte, reservava uma surpresa para os dois. Uma turma inseparável de amigos mineiros foi o motivo para que Nilda Rosa resolvesse passar as férias em Belo Horizonte. Enquanto Sandoval partiria para Buenos Aires. Mesmo namorando, os dois decidiram por caminhos distintos naquele mês. Nilda Rosa ainda estava em Belo Horizonte, quando um telefonema da mãe lhe entristeceu. “Mamãe me ligou e disse que Sandoval havia arrumado uma namorada em Buenos Aires”, lembra Nilda. “Fiquei muito chateada, mas mesmo assim resolvi aproveitar o resto de minhas férias. De Belo Horizonte, Nilda seguiu com os amigos para o carnaval de Salvador, mas só ficaria por lá até o Sábado de Zé Pereira. Voltou para Maceió e já havia dado por encerrada a relação com Sandoval. Na cidade, a folia corria solta e o domingo de carnaval prometia. Reconciliação Já era manhã alta quando Nilda Rosa foi despertada ao som de serenata. “Errei, quero uma chance pra recomeçar/ dizem que pau que nasce torto morre torto/ Eu não sou pau/, posso me regenerar”. A música Fraqueza, de Antônio Carlos e Jocafi, foi escolhida por Sandoval de Arroxelas para buscar a reconciliação com Nilda Rosa. Ele havia chegado da Argentina disposto a reconquistar seu amor e a seu lado brincar os últimos dias de carnaval. Era época dos tradicionais carnavais do Clube Fênix Alagoana e o domingo era o dia reservado para as tão esperadas matinées. Os dois marcaram de se encontrar lá. Os frevos, as marchinhas e a alegria do carnaval formaram os ingredientes perfeitos para a reaproximação. Depois de muita conversa, o namoro foi reatado e o casamento marcado para o mesmo ano. Desde então, já são 27 carnavais de muito amor e cumplicidade vividos intensamente entre os dois apaixonados. É como se a festa de momo, além de ser um momento de descontração e de descanso das atribulações do trabalho diário, servisse também para renovar o amor entre esses casais de foliões apaixonados. |LM ### Apaixonados por folia resgatam tradição A tradição carnavalesca de Nilda Rosa foi herdada de sua família. Natural de Quebrangulo, cidade localizada na zona da mata alagoana, distante 160 quilômetros de Maceió. Nilda e Sandoval foram os responsáveis pelo resgate do tradicional Bloco das Moreninhas, que já em 1930 desfilava pelas ruas do município de Quebrangulo. “Eu nasci no meio do carnaval. Meu pai era artista e fundador do Bloco dos Treze, também da cidade”, conta Nilda. Todos os anos, ela mesma confecciona quatro fantasias, que usa para cada dia de carnaval. São dezenas delas guardadas. “Às vezes reciclo e repito algumas que usei nos anos anteriores”, conta. Saber renunciar Nilda Rosa faz questão de ressaltar o relacionamento tranqüilo e equilibrado com o marido e os dois filhos do casal, Rafaela, 23, e Tiago, 19. Ela é dentista e Sandoval é médico ortopedista. “Temos um dia-a-dia muito corrido. Às vezes, nem temos tempo um para o outro. Numa relação de amor nem tudo são flores, é preciso também saber renunciar”, diz. “Mas no carnaval sempre buscamos estar juntos, não abrimos mão disso”, completa. |LM Fotos Ricardo Lêdo Em Maceió, mais de 70 grupos organizados ajudam a preservar uma tradição folclórica secular; trabalho é árduo o ano inteiro | TRADIÇÃO CULTURAL| Bumba-meu-boi resgata festa popular A cada ano cresce o interesse das comunidades da periferia em participar do concurso de bumba-meu-boi promovido pela Prefeitura de Maceió. Realizado como um dos eventos das prévias carnavalescas na capital, o concurso é também um meio eficiente de o poder público contribuir com o resgate das tradições culturais ainda vivas no Estado. O interesse popular, que chega às raias da loucura durante as apresentações dos grupos concorrentes, demonstra como esse folguedo tem crescido e mobilizado a periferia. Uma tradição do século XVIII, o bumba-meu-boi se consolida a cada ano como uma das grandes atrações do reinado de momo na capital de Alagoas. Mas seus praticantes rejeitam a expressão “boi de carnaval”, utilizada por estudiosos da cultura popular. Embora concordem que é nesse período que eles mais se apresentam e que mais se fala sobre a tradição, dirigentes da Liga dos Grupos de Bumba-Meu-Boi de Maceió ressaltam o trabalho que realizam em vários períodos do ano, especialmente em agosto, mês do folclore. Limitação “Trabalhamos o ano inteiro para mostrar a importância desse folguedo. Nossa atividade não é carnavalesca”, diz o presidente da Liga, José Carlos Santos, o conhecido Zé do Boi. Entusiasta dessa tradição folclórica, ele não mede esforços para divulgá-la. Em sua avaliação, a denominação boi de carnaval é limitada à capital, sendo desconhecida em outras cidades e fora do Estado. Ao contrário da terminologia bumba-meu-boi, uma expressão amplamente conhecida, principalmente na região norte do País. Zé do Boi lembra a festa do boi-bumbá, outra denominação desse folguedo, em Parintins, no Amazonas, que atrai milhares de turistas, inclusive do exterior. Atrair e conquistar o público é um dos objetivos das lideranças comunitárias que têm o boi como atividade de lazer. Segundo Zé do Boi, em Maceió existem mais de 70 grupos organizados e filiados à Liga. Cada um paga R$ 5,00 todos os meses para manter a entidade que os representa. Os recursos são insuficientes para grandes investimentos, mas servem para manter viva uma tradição secular. Rivalidade na arena Além da divulgação e consolidação do trabalho, a Liga incentiva a disputa entre os grupos, estimulando-os a participar do concurso anual promovido pelo poder público. Esse, aliás, é o principal momento das torcidas. “É como uma disputa entre as torcidas do CRB e do CSA”, afirma Zé do Boi, fazendo comparação entre torcedores dos principais times de Alagoas e os fãs do bumba-meu-boi. Essa torcida é fiel a ponto de não aceitar críticas ou ofensas. “Uma ofensa que pode chegar a uma briga, quando chamam o boi de vaca”, revela o presidente da Liga. Mas ele ressalta que o embate ocorre apenas na arena, com a garantia de respeito entre todos depois que a disputa se encerra. Só que antes desse saudável duelo de que fala o presidente da Liga, existia uma rivalidade entre os grupos que beirava a violência. “Eles disputavam território, e um grupo não entrava no bairro do outro. Quando isso ocorria geralmente acabava em briga”, diz o cientista social André Gustavo Ribeiro Borges, cuja tese de conclusão do curso de Ciências Sociais, na Universidade Federal de Alagoas (Ufal), teve o boi como tema. BL ### Bumba-meu-boi é uma cultura que passa entre gerações No trabalho, o cientista social André Gustavo usou intensamente sua própria memória, já que desde os três anos reside no bairro do Poço, onde o bumba-meu-boi é uma atividade tradicional. “Usei também a memória dos demais moradores, relembrando fatos que mostram diferenças entre o bumba-meu-boi e o boi de carnaval”, acrescenta André Gustavo. Ele diz que o boi de carnaval, como é praticado em Alagoas, lembra as festas espanholas em que o boi ou touro é solto nas ruas e sai em perseguição a moradores e turistas. No boi de carnaval, o boi é controlado pelo vaqueiro, que o faz dançar ou exibir-se para a platéia. Nessa expressão popular o que se vê é a evolução do boi e do vaqueiro ao som ritmado da bateria. “Já no bumba-meu-boi temos uma história, um enredo a ser contado. Dele participam diversos personagens”, diz André Gustavo, estabelecendo diferenças entre as duas manifestações. Intervenção Ele diz que o boi é um ícone, um símbolo de cada grupo, ou galera, que reage se for desrespeitada. Mas hoje os casos de violência são esporádicos. Importante mesmo para os grupos é a disputa pelo título de campeão do carnaval. O cientista social André Gustavo analisa o concurso promovido pelo poder público como intervenção do Estado na cultura popular. “Uma intervenção saudável, que permite às comunidades desenvolver a tradição de modo organizado”, declara, sugerindo que os praticantes estudem a história do folguedo para realizá-lo com as mesmas características de quando surgiu.|BL ### Pesquisadores defendem investimentos O professor e folclorista José Maria Tenório, da Ufal, foi o primeiro a utilizar a expressão boi de carnaval, depois de estudar a manifestação e os primeiros concursos realizados em Maceió. Independentemente da avaliação acadêmica ou da percepção dos praticantes, o boi de carnaval ou bumba-meu-boi enfrenta problemas como os demais grupos de folguedos alagoanos. Essas deficiências foram apontadas pelo professor e pesquisador Ranilson França, presidente da Comissão Alagoana de Folclore e da Associação dos Folguedos Populares de Alagoas, em entrevista à Gazeta, no ano passado. Alternativas Ele apontou providências que podem contribuir para a preservação dos grupos. Uma sede, onde possam ensaiar e se organizar. Um calendário de apresentações e ajuda de custo para compra de material foram algumas das medidas que, na avaliação de Ranilson França, podem contribuir para a preservação dos folguedos alagoanos. “Receber ajuda e ter um número de apresentações certas seria muito bom”, afirma Joel Ferreira de Oliveira, responsável pelo Boi Falcão, do bairro do Reginaldo. Entusiasta desse folguedo, ele diz que desde os nove anos participa do grupo, uma alegria que nunca vai deixar de lado. O campeão do carnaval 2006 na categoria adulto é o Boi Cobra Negra, da Jatiúca. Na categoria Mirim, o vencedor foi o Boi Nelore, da Ponta da Terra|BL

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