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Nº 5759
Cidades

Esta��o ecol�gica sofre com degrada��o

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Por | Edição do dia 12/03/2006 - Matéria atualizada em 12/03/2006 às 00h00

CARLA SERQUEIRA Repórter Murici - O dia estava quente. Passava das nove horas da manhã quando uma cortina de fumaça podia ser vista ao longe. Vinha das imediações da Reserva Ecológica de Murici, uma das mais importantes do planeta. As chamas foram provocadas por um agricultor, ex-sem-terra, que pretendia limpar o terreno de seu lote para o plantio de milho. Por acaso, fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) passavam no momento pela região e após duas horas de trabalho conseguiram cessar as labaredas. Não houve grandes estragos, mas a situação comprovou a vulnerabilidade da unidade de conservação. O agricultor José Cícero dos Santos, 26 anos, foi autuado e recebeu uma multa de R$ 1 mil. “Além de escolher a hora indevida [por volta das 8h, quando a temperatura está alta e os ventos constantes], não pediu autorização ao Ibama para realizar a queimada”, disse o chefe da Reserva Ecológica de Murici, Jailton Fernandes, ao afirmar que na própria comunidade existem três brigadistas preparados para orientar sobre o processo. “Se ele não tiver condições de pagar a quantia estipulada na multa, vai ser obrigado a prestar serviços à comunidade”, afirmou. Na propriedade de José Cícero, a equipe do Ibama encontrou ainda três pássaros vivendo em cativeiro. “Nenhuma espécie de ave nativa da Mata Atlântica pode ser engaiolada sem licença ambiental”, frisou Jailton. “Como ele não se negou a entregar os pássaros, advertimos verbalmente apenas”, informou. Criada em 2001, a Estação Ecológica de Murici não possui sequer plano de manejo. A reserva é uma das mais importantes do planeta, abriga 14 espécies de aves em extinção, das quais pelo menos quatro só podem ser vistas em suas matas. Por lei, não poderia ser habitada, mas o Ibama reconhece ainda haver 65 propriedades instaladas dentro de seus limites, inclusive com criações de gado. O órgão informou que não existe uma previsão para as desapropriações. Além disso, em seu entorno, três assentamentos de sem-terra foram implantados pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra). O mais antigo é também o mais populoso. Com 84 famílias, o assentamento Pacas existe há sete anos e os moradores já sentem a diminuição da oferta de água em suas nascentes. Ao todo, calcula-se que duas mil pessoas vivem dentro e nas imediações da reserva, o que aumenta a extração ilegal de madeira, a caça e as queimadas. Estima-se que 10% das aves ameaçadas de extinção em todo hemisfério sul do planeta estão na Estação Ecológica de Murici que abrange 6 mil hectares de Mata Atlântica. Sua biodiversidade é uma das maiores do mundo. Apenas dois fiscais do Ibama trabalham na região. A captura de pássaros é uma realidade conhecida por todos. O mutum-de-alagoas, espécie antes encontrada apenas em Murici, já foi extinto da natureza e, hoje, exemplares da ave são criados em cativeiros licenciados por órgãos ambientais, um deles está em Belo Horizonte, Minas Gerais. A Gazeta, numa rápida passagem pela cidade de Murici, seguindo informações de moradores, encontrou uma criação clandestina de pássaros na periferia. “Fazemos rondas, mas não é fácil flagrar”, diz o Ibama. ### Pacto tenta preservar área de proteção Murici - Com o objetivo de promover melhores condições de vida para as populações que vivem em torno de reservas florestais ao longo do litoral nordestino, em setembro do ano passado foi criada a Associação para a Proteção da Mata Atlântica do Nordeste (Amane), com sede no Recife. Oito entidades dividem a iniciativa, entre elas a Birdlife Internacional, direcionada, principalmente, à proteção de aves ameaçadas de extinção. Projetos pilotos estão sendo implantados, inicialmente, entre os estados de Alagoas e Pernambuco, numa área que soma 16.700 quilômetros quadrados. Mas a idéia é atingir todo o Nordeste. “Acreditamos que se as pessoas contam com qualidade de vida, o meio ambiente é poupado de agressões”, diz Dorinha Melo, diretora-executiva da Amane. Ela afirma que a partir da década de 80 do século passado em torno de 50% da vegetação exclusiva de mata atlântica já foi desmatada. “O ritmo é assustador. Funciona como uma bomba-relógio. Se as comunidades que vivem nas imediações da mata não forem educadas, muitas espécies de animais e plantas podem desaparecer”. Em Alagoas, os trabalhos já começaram. No assentamento Pacas, em Murici, ao lado da estação ecológica do município, diversas oficinas estão sendo realizadas na tentativa de harmonizar a relação entre os moradores e o meio ambiente. “Muitos são analfabetos, a maioria das mulheres está em idade fértil e a tendência é o número de pessoas crescer rapidamente. Estima-se que nas imediações e dentro da reserva vivam hoje duas mil pessoas”, afirmou Dorinha. Além de Pacas, mais dois assentamentos estão próximos à Estação Ecológica de Murici. A região também abriga vários acampamentos de sem-terra que, geralmente, extraem madeira da mata atlântica para construir barracas. “Não tem sentido o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) assentar dezenas de famílias ao redor de uma reserva ambiental”, criticou Dorinha. “Solicitamos ao Incra de Brasília para acompanhar de perto os processos de assentamento em Alagoas”. A Gazeta entrou em contato com o Incra alagoano, e, segundo a assessoria do órgão, a escolha de áreas é feita com a participação dos sem-terra e embasada numa lincença ambiental emitida pelo Estado. CS ### Famílias relutam em manter harmonia com meio ambiente Murici - O assentamento Pacas, em Murici, completa sete anos no próximo mês e é o mais populoso da região. Oitenta e quatro famílias moram ao lado da reserva ecológica da cidade. “Antes tinha muita água, hoje já não tem tanta”, diz o presidente da associação dos moradores, Cícero Antônio da Silva, o “Bel”, de 32 anos. “Recebemos os lotes, mas não tivemos orientação técnica do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Nos emprestaram dinheiro e hoje nosso maior problema é a inadimplência”, reclama. De acordo com o técnico agrícola Fábio Pereira, muitos dos assentados eram moradores de fazendas ou trabalhavam no corte da cana. “Por isso, temos que ensinar como lidar com a terra desde o começo”, explicou ele, que é integrante da Associação para a Proteção da Mata Atlântica do Nordeste (Amane). “Nosso objetivo em Murici é tornar harmoniosa a relação dos assentados com o meio ambiente para que o hábitat dos pássaros seja preservado”, disse, ao lado da arquiteta Fátima Ximenes, que quer promover um zoneamento em um dos lotes para ensinar como o agricultor pode aproveitar ao máximo os recursos naturais da região, sem agredir a natureza. “A idéia é mostrar como planejar a exploração do lote, usando os recursos naturais disponíveis de forma sustentável”. No entanto, a adesão à idéia é pequena entre os assentados. A Gazeta acompanhou uma das reuniões entre a Amane e os moradores de Pacas e testemunhou o pouco interesse dos ex-sem-terra. Fátima perguntou quem gostaria de receber as orientações sobre planejamento da exploração do lote que serviria de modelo para os demais e ninguém se propôs. “Prefiro observar”, dizia a maioria. “Já esperávamos que fosse assim. Eles acham que vai ser um trabalho a mais. Mas quando verem que a produção vai aumentar no lote planejado, acredito que todos vão se engajar”, disse Ximenes, que pretende trabalhar ainda o artesanato com sementes da mata atlântica no assentamento. Bel, o presidente da associação dos moradores, afirma que cada agricultor deve cerca de R$ 9.500 ao banco. “Se não tiver retorno financeiro rápido, muitos não aceitam. Ninguém acredita mais em trabalho coletivo”, disse ele. A Gazeta tentou ouvir Ana Bela, asseguradora de Assistência Técnica e Social do Incra/AL, mas não recebeu retorno. CS ### Pocilga polui rio e aves são encarceradas Não é difícil encontrar em Murici pássaros engaiolados. Seguindo informações de moradores, a Gazeta flagrou em uma casa na periferia da cidade dezenas de gaiolas com exemplares de aves da mata atlântica e até de outros países. O dono dos animais, João Benício da Silva, 50 anos, se diz um apaixonado por pássaros, afirma que não vende, apenas troca, e garante que não captura as aves nas matas de Murici. “Compro em feiras”, diz. Entre as espécies de sua coleção, com mais de 20 pássaros, estão exemplares conhecidos popularmente como xexeu-de-bananeira, sofreu, pintassilgo, guriatã, sangue-de-boi, vivim, canário, rolinhas, estravagante, jesus-meu-deus, periquitos, papa-capim, sanhaçu azul e ainda dois tipos de pássaros australianos: periquito australiano e calopsita. João Benício diz que não trabalha porque é doente. “Minha doença nem eu sei nem doutor nenhum soube dizer qual era”, afirma ele, que garante até ter sido internado num hospício para tratar da misteriosa doença. “Não solto porque quero muito bem a meus pássaros e sei que na rua eles vão morrer, os meninos vão matar com peteca”, argumentou, ao afirmar que nunca teve problemas com o Ibama. João Benício se disse integrante da Associação de Criadores de Pássaros de Murici que, inclusive, tem sede própria no Centro da cidade (mas estava fechada quando a Gazeta esteve por lá). “Faço parte da associação. Pago três reais por mês. É proibido vender e caçar passarinho”, revelou, ao deixar escapar uma suposta combinação entre os associados. “Todo mundo aconselha que às 6h30, todas as gaiolas têm que voltar para dentro de casa, senão os homens [do Ibama] pegam”, revelou. De acordo com Jailton Fernandes, chefe da Reserva Ecológica de Murici e fiscal do Ibama, é difícil controlar a caça de pássaros. “Fazemos sempre rondas na cidade, entre 5h e 6h, quando encontramos gaiolas, recolhemos”, afirmou. Outro problema que cerca a Estação Ecológica de Murici, a mais importante de Alagoas, são as pocilgas. Só no assentamento Pacas existem dois currais de porcos próximos a duas nascentes de água, entre as cerca de 10 que abastecem a região. Uma delas é do agricultor Benedito Floriano da Silva, 66 anos, natural de Pernambuco. “Recebi reclamação e já vou mudar os porcos de lugar”, garantiu. “As fezes eu junto e aproveito como adubo, não deixo cair na água”, afirmou o assentado.|CS

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