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Nº 5759
Cidades

Servi�o para pobre � utilizado por ricos

| REGINA CARVALHO Repórter Um serviço de saúde que deveria atender usuários de baixa renda beneficia pessoas de classes média e alta em Alagoas. O programa Tratamento Fora de Domicílio (TFD), destinado exclusivamente a usuários do Sistema Único de Saúde

Por | Edição do dia 26/03/2006 - Matéria atualizada em 26/03/2006 às 00h00

| REGINA CARVALHO Repórter Um serviço de saúde que deveria atender usuários de baixa renda beneficia pessoas de classes média e alta em Alagoas. O programa Tratamento Fora de Domicílio (TFD), destinado exclusivamente a usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), é procurado, quase que em sua maioria, por pessoas não carentes. Cerca de 80% dos portadores de doenças graves que necessitam de tratamento médico fora do Estado, já que Alagoas não dispõe de condições técnicas para oferecer o serviço, e recorrem ao programa, possuem renda considerada média. “Atendemos todo tipo pessoa, de classes sociais distintas. Entretanto, quem mais nos procura são pessoas que têm acesso à informação. Já recebi aqui de filho de juiz a pessoas do alto escalão da polícia”, diz a assistente social Lourinete Freire, coordenadora do programa em Alagoas. “Mas qualquer cidadão tem direito ao programa, mantido pelo Sistema Único de Saúde”, reforça a coordenadora. A pouca procura pelo serviço por parte de pessoas carentes, segundo a coordenação do TFD, é reflexo da falta de informação de que esse serviço existe e pode ser procurado por qualquer um que precise de tratamento não disponível no seu município de origem. O TFD é um programa que visa ao tratamento fora do Estado com serviços prestados pelo SUS e é mantido com verbas do Ministério da Saúde (MS) e contrapartida do governo do Estado. De acordo com a coordenadora, o médico que conhece o quadro clínico do paciente faz encaminhamento com solicitação para que o tratamento seja feito fora do seu domicílio. “Essa solicitação é avaliada por uma junta médica - composta de três médicos - que analisa se o paciente tem direito ou não a esse encaminhamento para outro Estado”, explica Lourinete Freire. “Se não fosse esse programa eu teria morrido. Não tenho condições nem de pagar a passagem para fazer o tratamento”. A declaração é do aposentado por invalidez Nelson Ferreira da Silva, 65 anos. Com câncer de pele, ele já passou por 18 cirurgias. Quinze delas depois que foi encaminhado para o TFD por um médico da Santa Casa de Misericórdia de Maceió. NA PONTA DO LÁPIS Como o aposentado, mais de 3 mil pacientes já foram cadastrados e estão usufruindo do programa, que existe há sete anos e, mesmo com esse tempo, ainda é desconhecido, segundo avaliação da coordenadora. “Percebemos que o serviço ainda é pouco conhecido pela sociedade”, reaconhece Lourinete Freire. A média de atendimento do TFD em Alagoas é de 100 a 200 casos por mês. Em fevereiro deste ano, por exemplo, 191 pessoas foram atendidas e em janeiro, quase 130. No ano passado, 1.572 pacientes usufruíram do programa. Além do acompanhamento médico, o Tratamento Fora de Domicílio oferece passagens de ida e volta para paciente e um acompanhante até o local onde será realizado o tratamento. Apenas um destino não tem passagem aérea, o de Recife (PE). A ajuda de custo é de R$ 30 por dia, valor estipulado pelo Ministério da Saúde. O contato com outros estados é feito pela coordenação do programa. “Algumas vezes é feita uma ponte entre o TFD dos estados ou com os hospitais. Outras vezes, o agendamento é feito por telefone ou então por meio da Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade”, diz Lourinete Freire, que assumiu o programa logo após ele ter sido implantado. O TFD atende a maioria dos municípios alagoanos e a capital. Processo lento Alguns tratamentos são mais demorados. No transplante de médula óssea, por exemplo, o paciente passa por volta de 100 dias em outros estados. Os tratamentos mais procurados são o de transplante hepático (fígado); cardiopatia congênita; implante coclear (ouvido) e oftalmológico. Todos são feitos pelo SUS. O aposentado Nelson Ferreira da Silva é morador do Benedito Bentes e faz o tratamento de câncer de pele há oito anos no Hospital das Clínicas em São Paulo. Ele pode ser considerado uma exceção. Chegou a fazer quimioterapia por um ano em Maceió, mas não solucionou seu problema. Os médicos o aconselharam a ir para um Estado que dispusesse de recursos técnicos avançados. “Me aconselharam a ir para São Paulo porque aqui não podiam resolver meu problema. Em Maceió fiz três cirurgias e lá 15. Já perdi um olho e parte do nariz. É uma luta para continuar vivo”, confirmou o aposentado, que já trabalhou como motorista e auxiliar de escritório. No próximo dia 28, Nelson embarca novamente para São Paulo. Ele nem sabe quantas vezes teve de sair de Alagoas na tentativa de se curar. “Devo passar por uma nova cirurgia para não perder o outro olho”, prevê. A cada ida a São Paulo, que dura de 15 a 30 dias, o aposentado é acompanhado sempre pelo irmão. “Esse meu irmão é quem me ajuda. Vai sempre comigo. Ele é procurador do Estado e me ajuda até financeiramente. O tratamento é difícil, já que não tenho parentes em São Paulo”, lamenta. ### Os pobres estão morrendo, diz médica A médica cardiologista Maria Gorete Barbosa criticou o programa Tratamento Fora de Domicílio (TFD), por causa da burocracia para se conseguir encaminhamentos para outros estados. “Esse programa deixa a desejar. Consigo fazer mais encaminhamentos para cirurgias cardio-pediátricas porque conheço o pessoal de fora. Existe muita burocracia. Eles exigem muitos exames. Se for esperar pela secretaria [Executiva de Saúde] o paciente morre. Os pobres estão morrendo”, reforçou a médica. De acordo com Maria Gorete, quando a cirurgia tem de ser feita urgentemente, não dá para esperar até que o encaminhamento seja autorizado pelo TFD. “Eles [coordenação do programa] estão exigindo tudo. Quando é eletivo, que a cirurgia pode esperar, encaminho; se não, se for urgente, mando logo”, lembrou. A médica lembra dos relatos de pacientes no seu consultório. Muitos, segundo a cardiologista, não têm sequer dinheiro para pagar a passagem de ônibus. “Imagine se for para pagar por exames como eles pedem. E se for esperar que seja feito sem pagar, vai demorar muito tempo e não dá para esperar. Encaminho logo”, acrescentou. Ela reforça que não existe em Alagoas cirurgião cardiopediátrico que atenda pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Ultimamente, segundo a médica, ela encaminha com mais freqüência pacientes para o Hospital Português e o Instituto de Pediatria, no Recife (PE). “É muito difícil você ver uma pessoa doente precisando de cuidados; muito mais quando é uma criança. Se hoje, que não atendo mais pelo SUS, ainda faço muitos encaminhamentos, imagine como não era antes”, lamentou. O TFD oferece mais de vinte tipos de tratamento fora de Alagoas, com destinos para Recife, Brasília, Curitiba, Natal, Fortaleza, São Paulo, Bauru, Barretos, Campinas, Sorocaba, Salvador, Rio de Janeiro, São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Porto Alegre, Belo Horizonte, Goiânia, João Pessoa e Terezina. A coordenadora do programa, Lourinete Freire, lembra que o Hospital Oswaldo Cruz, do Recife, é um dos locais mais procurados para transplante de fígado. “De acordo com nossos registros, esse é um dos encaminhamentos mais procurados”, reforçou. Ela acrescenta que são raros os casos de pacientes de outros estados que procuram Alagoas para fazer tratamento especializados, por meio do TFD. “Faz muito tempo que recebemos aqui um paciente acompanhado por esse programa”, destaca. O TFD concede tratamento ao paciente portador de doenças não tratáveis no município de origem, que não dispõe de condições técnicas. O programa oferece consultas, tratamento ambulatorial, hospitalar e cirúrgico que esteja agendado. O programa oferece atendimento em otorrino, oftalmologia, medicina nuclear, oncologia, angeologia, endocrinologia, cirurgia plástica, reumatologia, infectologia, genética, cardiologia, hepatologia, ortopedia, neurologia, nefrologia, hematologia, urologia, gastroenterologia, pneumologia, fisiatria e imunologia. Criado por meio da portaria do governo federal, editada em 1999, o programa concede ao usuário do SUS o direito de requisitar nas prefeituras ou secretarias estaduais de saúde auxílio financeiro para tratamento de saúde. Esse auxílio inclui transporte (aéreo, terrestre ou fluvial), estada e ajuda de custo para alimentação nos tratamentos que precisam ser feitos em cidades distantes 50km do local de origem do paciente, desde que haja possibilidade de cura total ou parcial. Caso o impasse sobre a destinação do dinheiro não seja solucionado, o interessado pode procurar um promotor de Justiça no Fórum da sua comarca, que poderá instaurar inquérito civil para apurar responsabilidades. Em Maceió, o programa funciona na Rua Coronel Meira, 192, na Levada. Informações adicionais podem ser obtidas pelo telefone (82) 3315-6550. |RC

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