Governo e Justi�a abandonam projeto
O único banco de material genético do Brasil para localizar pessoas desaparecidas funciona em Alagoas, numa iniciativa pioneira que é referência internacional. Mas o que deveria ser motivo de orgulho se transforma em vergonha e exemplo de descaso com quem
Por | Edição do dia 21/09/2008 - Matéria atualizada em 21/09/2008 às 00h00
O único banco de material genético do Brasil para localizar pessoas desaparecidas funciona em Alagoas, numa iniciativa pioneira que é referência internacional. Mas o que deveria ser motivo de orgulho se transforma em vergonha e exemplo de descaso com quem vive o drama de procurar um parente que pode estar vivo ou morto. Isso porque o Laboratório de DNA Forense da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), criado há onze anos, só recebeu até hoje o cadastro de dois desaparecidos no Estado. O Banco de Dados de DNA de Pessoas Desaparecidas (BDPD) foi implantado em dezembro de 2007, mas o laboratório sempre esteve de portas abertas para a coleta e cadastro de material genético. Apesar disso, as informações que chegam a delegacias de polícia, fóruns e cartórios de todas as comarcas da Justiça, Instituto Médico Legal (IML), Instituto de Criminalística (IC), conselhos tutelares, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Polícia Militar (PM), prefeituras, ONGs, unidades de saúde, escolas e Ministério Público nunca foram repassadas para o banco. ### Banco de DNA pode ganhar o Brasil O trabalho lançado pelo Laboratório de DNA Forense da Ufal em Alagoas há uma década deve ser implantado em todo território nacional antes mesmo de emplacar aqui no Estado. Enquanto espera por vontade política e pela burocracia, um projeto de ampliação do BDPD está em fase final de avaliação na Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) do Ministério da Justiça (MJ). ### Procura por desaparecidos é aleatória A procura por pessoas desaparecidas em Alagoas e no País é feita de forma aleatória e os parentes também ficam perdidos, sem ajuda dos poderes constituídos. Também é missão quase impossível saber quantas pessoas estão desaparecidas no Brasil. A mais extensa pesquisa sobre o assunto foi realizada em 1999 pela ONG Movimento Nacional de Direitos Humanos com o apoio do MJ e já apontava um número impressionante para a época: cerca de 200 mil pessoas somem por ano no País. E os dados são sub-notificados, assim como o levantamento mais recente do MJ que registra apenas 40 mil novos desaparecimentos por ano. Por este cadastro, em Alagoas só existiria uma pessoa desaparecida. ### Família convive com a dor e a esperança A notícia da morte de uma pessoa querida chega com impacto e provoca dor. Quando há violência, o trauma é brutal. Já os casos de desaparecimento são bem diferentes, não surgem nem como uma notícia. É uma desconfiança que vai se consolidando com o passar das horas. Os ponteiros do relógio viram instrumento de tortura e o sofrimento não é absoluto como num velório. Durante dias ou anos, a agonia da espera pode ter um final feliz ou triste. Mas na maioria das vezes nunca tem um fim. Este drama que atinge um número até hoje incontável de brasileiros começou a fazer parte da vida da advogada Marlene Gomes da Silva no dia 30 de maio de 2006, quando esteve com o pai, o policial aposentado João Inácio da Silva pela última vez. ### Polícia registra 97 desaparecimentos Enquanto o laboratório de DNA só recebeu dois casos em mais de dez anos, o Sistema de Informação da Polícia Civil (Sispol) já registrou 97 ocorrências de desaparecimento só até o mês de agosto deste ano. Em 2007, o sistema que reúne as informações de todas as delegacias de Alagoas contabiliza mais 115 pessoas sumidas. Em menos de dois anos, foram 212 casos, sendo 135 em Maceió, 10 nos municípios metropolitanos e 67 no interior que poderiam ser incluídos no banco de dados da Ufal. A diretora de Estatística e Informática da Polícia Civil, delegada Lucy Mônica, garantiu que pode encaminhar todos esses dados atualizados mensalmente para o banco de DNA de pessoas desaparecidas sem problema nenhum. É muito fácil, está tudo no nosso sistema, que foi reestruturado, e não tem como errar, informa Lucy Mônica. ### Burocracia emperra cooperação A mais recente tentativa de parceria entre Estado e o Laboratório de DNA Forense foi encaminhada este ano pela Secretaria de Defesa Social (SDS), recusada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE) no último mês de abril e devolvida para reelaboração pelo Centro de Perícias Forenses (CPFor) do Estado. Foi criado um grupo de trabalho para estudar um termo de cooperação técnica, que também inclui treinamentos, atividades de pesquisa e utilização do laboratório por peritos do Estado, informa a diretora do CPFor, Ana Márcia Nunes. ### IML: 381 corpos não identificados O Instituto Médico Legal de Maceió criou um cadastro digital em outubro de 2006 que reúne informações de todos os corpos sem identificação recolhidos pelos legistas. Batizado como book digital, o sistema contém fotos de tudo que possa ajudar as pessoas a identificar parentes desaparecidos. Quase dois anos após a implantação, o arquivo no computador já tem 381 casos registrados. Segundo o odontolegista, João Alfredo Guimarães, quase 70% dos cadáveres catalogados no book já foram reconhecidos. Só este ano, o arquivo registrou 121 novos casos, cujos corpos ou ossadas são enterrados como indigentes no Cemitério Divina Pastora, em Rio Novo. A maioria é encontrada em locais de desova e cemitérios clandestinos. ### Não depende só da boa vontade Desde quando era superintendente da Polícia Federal em Alagoas, o secretário de Defesa Social, Paulo Rubim, já reconhecia a importância do banco de dados de DNA para localizar desaparecidos. Apesar de ser um dos defensores da cooperação técnica, Rubim afirma que nada pode ser feito, no momento, por causa da natureza jurídica do laboratório da Ufal. ### Sumiço de Pedro Hamón completa 1 ano O primeiro caso de desaparecimento registrado no banco de DNA completa exatamente um ano neste sábado. O estudante Pedro Hamón Nobre Acioli, de 18 anos, saiu de bicicleta da casa da avó às 19h40 do dia 20 de setembro de 2007 para um encontro marcado com uma paquera em frente ao grupo escolar da Barra Nova, no município de Marechal Deodoro. O rapaz nunca mais apareceu e o inquérito policial trabalha com a tese de crime passional por causa de um triângulo amoroso. A moça do encontro marcado, Líbia de França, de 18 anos, tinha um namorado, Reginaldo Márcio da Silva, de 37 anos, que chegou a ser preso, mas foi liberado depois porque o corpo de Pedro Hamón nunca foi encontrado. Tive que cumprir a lei, lamentou na época o delegado Mário Jorge Barros. ///