INVESTIGAÇÃO
Imóveis do tráfico: operação desvenda esquema criminoso
Dracco mira cerca de 20 imóveis da capital sob suspeita de terem sido usados para lavagem de dinheiro do tráfico


Era final de tarde de uma quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025, quando as forças de Segurança Pública de Alagoas apreenderam 210 quilos de drogas, entre crack, maconha e cocaína em Maceió. Além disso, sete armas de fogo foram recuperadas, incluindo duas submetralhadoras e centenas de munições.
A operação foi no bairro do Prado. Todo o entorpecente e o armamento estavam escondidos em um veículo. Entretanto, outro material chamou a atenção dos investigadores: diversos contratos de compra e venda de propriedades que estavam no interior do automóvel.
O carro estava abandonado em um estacionamento privado e ligado a atividades criminosas. Após uma denúncia, equipe da Inteligência Integrada da SSP, em parceria com a Diretoria de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado (Dracco), ROTAM e Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL), montou uma vigilância no local.
Um casal em uma motocicleta chegou ao local e foi abordado pelos policiais. Com o homem, a polícia encontrou uma arma, dinheiro em espécie, uma pequena quantidade de maconha e chaves de dois carros: o veículo que a Polícia Civil procurava e um HB20, onde estavam os materiais.
Os ilícitos estavam distribuídos em vários compartimentos dos dois veículos. A partir dessas apreensões, a Dracco assumiu a tarefa de apurar se as propriedades mencionadas nos contratos estavam sendo usadas pelo tráfico para lavar dinheiro. Há suspeitas de que os imóveis tenham sido adquiridos por meio de branqueamento de capitais do tráfico.
De acordo com o delegado da Dracco, Igor Diego Vilela, 19 imóveis alvos da investigação, todos localizados na capital, sendo 16 relacionados a contratos de promessa de compra e venda e mais três escrituras.
Segundo o setor de Inteligência Integrada da Segurança Pública de Alagoas, todos os documentos estão sendo “detalhadamente examinados pelos investigadores”. O chefe de Inteligência da pasta, delegado Gustavo Henrique, afirma que, a princípio, não há indícios de uso dos imóveis como ponto de tráfico. No entanto, há evidências de que são utilizados como mecanismo para ocultação de recursos ilícitos.
“Especialmente pelo fato de todos os contratos de compra e venda terem sido encontrados escondidos em veículos, e também pela inexistência, a priori, de renda lícita dos titulares suficiente para a aquisição de propriedades. Para se ter uma ideia, uma das investigadas, em depoimento, alegou sobreviver do Bolsa Família”, explicou o delegado.
A autoridade policial afirma que os beneficiários e os nomes que constam como proprietários desses imóveis já foram identificados, mas detalhes não podem ser divulgados para não comprometer as apurações, que ainda estão em andamento.
Como ocorre em todos os esquemas de branqueamento de capitais, a compra e venda de imóveis serve para disfarçar a origem ilícita dos recursos obtidos com o tráfico de drogas e outros crimes, fazendo com que pareçam legais.
Gustavo Henrique explica que o mercado imobiliário é um meio tradicional para essa prática por alguns motivos: possibilidade de pagamento em dinheiro, o que dificulta a rastreabilidade pelos órgãos de fiscalização; valorização dos imóveis ao longo do tempo; uso de intermediários, conhecidos como “laranjas”; e a possibilidade de adquirir ou vender propriedades com valores muito acima (supervalorização) ou muito abaixo (subvalorização) do mercado, o que permite a transferência de grandes quantias de forma disfarçada.
O esquema do tráfico pode lavar o dinheiro por meio de revenda, troca, aluguel ou mesmo para montar estabelecimentos comerciais. “Muitas dessas propriedades não são registradas nos órgãos públicos competentes, exatamente para dificultar o rastreio das transações e, consequentemente, das investigações. É muito comum a compra e venda de imóveis apenas por meio de contratos de gaveta, sem qualquer tipo de registro público”, pontuou o delegado.
A SSP investiga a possível participação de terceiros, como corretores de imóveis, empresas de fachada ou laranjas. “Na lavagem de capitais, não é comum utilizar apenas um mecanismo, mas sim combinar vários, tudo com a finalidade de criar esquemas complexos, tornando o mais difícil possível a identificação da origem ilícita do dinheiro”, explicou o chefe da inteligência.
Segundo a autoridade policial, todos os tipos de propriedades estão envolvidas nas transações: casas, apartamentos, terrenos, imóveis comerciais, chácaras e fazendas, em áreas rurais, urbanas, nobres e periféricas. Aquelas localizadas nas periferias, ele explica, são as preferidas do crime pela facilidade na aquisição, apenas com contratos de compra e venda.
Sobre os imóveis alvos da investigação, o delegado da Dracco, Igor Diego, restringiu-se a informar apenas que eles estão localizados em Maceió. A informação sobre quais bairros eles estão situados não foi divulgada para não atrapalhar as apurações. Os valores dessas propriedades, segundo a autoridade policial, ainda estão sendo levantados pelas diligências.
Entenda
A operação conjunta das forças de segurança de Alagoas resultou na apreensão de mais de 210 quilos de drogas, 1.389 munições e sete armas de fogo, incluindo um fuzil calibre 556.
A ação foi coordenada pela Chefia Geral de Inteligência Integrada da SSP/AL, em conjunto com a Diretoria de Repressão à Corrupção e ao Crime Organizado da Polícia Civil (Dracco), o Batalhão de Rotam da PM e o Núcleo de Gestão da Informação do Ministério Público de Alagoas.
A operação foi um desdobramento da Operação Hades, deflagrada em fevereiro de 2024, que desmantelou uma facção criminosa atuante nos bairros Vergel do Lago e Levada, com ramificações em outros estados.
Segundo o delegado Gustavo Henrique, é possível que, pelo menos, as drogas e o armamento apreendidos em fevereiro pertençam a um traficante de Alagoas, que está foragido e escondido no Estado do Rio de Janeiro. Ele possui seis mandados de prisão em aberto expedidos pela Justiça Alagoana. Os crimes atribuídos incluem homicídio, tráfico de drogas, associação para o tráfico e organização criminosa.