SAÚDE
Além das estatísticas: o peso dos transtornos no ambiente de Trabalho
Terapias recorrentes, crises, medo e até culpa são algumas situações enfrentadas por quem se afastou


Aquém dos dados, a vida levada pelos trabalhadores de Alagoas afastados por algum transtorno mental revela uma realidade invisível. Terapias recorrentes, crises, medo e até culpa são algumas situações e sentimentos que perseguem os funcionários, mesmo após o afastamento, tornando a retomada da rotina profissional um desafio.
“O momento em que eu precisei me afastar do trabalho por questão de saúde mental foi justamente o que eu me vi tendo vários efeitos negativos, tanto mentais e emocionais quanto físicos”, diz Maíra Lopes (pseudônimo).
Maíra trabalhava como atendente de telemarketing em uma empresa e se via constantemente pressionada. De tolerar as críticas dos clientes até a pressão pelo batimento de metas dos superiores, os motivos que a levaram a tomar a decisão de se afastar para cuidar de si foram múltiplos, até mesmo uma doença desenvolvida a partir da ansiedade e do estresse.
“Eu cheguei ao ponto de ficar tão mal, que tive uma espécie de alergia, uma dermatite emocional relacionada ao estresse, que não sarava por nada, até eu me afastar do ambiente no qual eu estava inserida, que, no caso, era meu trabalho.”
A falta de suporte adequado somado, o velho jargão empresarial “o cliente tem sempre razão” e a pressão pelas metas foram motivos decisivos para o afastamento de Maíra. Acuada e sentindo ter sido deixada de lado pela empresa a qual representava, a atendente percebeu sua vida virando de cabeça para baixo. Ela relata, inclusive, que teve pensamentos autodestrutivos
“Eu trocava o dia pela noite, chegava a dormir às 4 da manhã e às 6 horas o celular despertava para trabalhar. Minha alimentação ficou horrível e o principal foi alguns sintomas de ansiedade que eu comecei a sentir. E um dia eu me deparei torcendo para que a moto em que eu estava indo para o trabalho caísse, pra eu ter uma desculpa pra faltar”, relatou.
Um obstáculo para quem cogita solicitar o benefício de afastamento por transtorno mental adquirido no ambiente de trabalho é a perícia do INSS. O processo pode levar tempo e, até, negado, como no caso de Maíra. Apesar disso, o número de beneficiários femininos ultrapassa o de masculinos, atingindo 61%.
Ainda assim, os que garantem seu auxílio, o fazem a muito custo. Cristina Gomes foi uma delas. Reincidente em afastamento, ela conta que mesmo sentindo que diversos aspectos em si estavam diferentes, permaneceu seguindo em frente, ignorando os problemas, até a situação se tornar insuportável.
“No primeiro [afastamento] eu não achei que estava tão grave e fui levando, mas quando as crises se tornaram fortes e recorrentes e, quando comecei a tentar aliviar os sintomas com agressões físicas, percebi que tinha chegado a um ponto que não podia mais ficar sem ajuda”, conta Cristina.
Com vínculo em uma empresa de telemarketing desde 2017, ela conta que uma das coisas que mais a afetou foi o despreparo dos superiores, aliado às cobranças em demasia. Após ter se afastado pela primeira vez por sobrecarga mental, voltou a trabalhar, o que agravou o seu estado.
“No dia que me afastei pela segunda vez tive muitas crises de ansiedade durante a jornada de trabalho. No meu último dia de atendimento, tive uma crise muito forte e acabei indo para UPA. Não finalizei o dia completo do trabalho e no outro dia eu me afastei”, disse.
O adoecimento mental no ambiente de trabalho não acontece de forma repentina. Antes da última medida ser tomada, é comum que o trabalhador tente se adaptar à rotina, aos superiores e à pressão.
Suzana Ferreira, que também passou por afastamento, diz que demorou para pedir ajuda. “A experiência é péssima e até você chegar ao passo de pedir socorro, muita coisa acontece e vários ‘por pouco’ vêm à tona”, diz.
Em determinado momento, ela percebeu que sua condição estava se agravando. “Uma das vezes foi quando senti que não tinha mais controle sobre minhas emoções e ações e passei a sentir, além das crises de pânico, uma vontade absurda de resolver as coisas com violência”, relata.