ABANDONO
Cracolândias se expandem em Maceió e atingem até regiões nobres; MP cobra mais ações da Prefeitura
Estimativa de entidade aponta cerca de 5 mil pessoas em situação de rua na capital, incluindo dependentes químicos


Em Maceió, pontos de uso intensivo de crack se espalham por toda a cidade — da periferia à orla turística. Debaixo do viaduto da Polícia Rodoviária Federal, no Mercado da Produção, na feira do Benedito Bentes, entre a Levada e o Bom Parto, na Praça Sinimbu, na Praia da Avenida e até na Pajuçara, nas imediações do Posto Jangadeiros, moradores de rua e dependentes químicos ocupam espaços públicos de forma crescente. A capital alagoana assiste à expansão silenciosa das “cracolândias”, fenômeno que já desafia grandes centros urbanos do país e que agora se consolida também em áreas centrais e nobres da cidade.
Com apenas um CAPS Álcool e Drogas para atender toda a capital e um serviço de abordagem social reduzido, Maceió enfrenta uma crise urbana marcada pela vulnerabilidade social, pela ausência de políticas públicas estruturadas e pela ocupação desordenada de espaços públicos por pessoas em situação de rua. Ministério Público cobra ampliação urgente da rede de atendimento e ações concretas da Prefeitura, enquanto comerciantes e moradores relatam impactos na segurança, no turismo e na vida cotidiana.
Expansão urbana das cracolândias
As chamadas “cracolândias” deixaram de ser realidade apenas de grandes capitais brasileiras. Em Maceió, já são pelo menos sete pontos críticos identificados com uso contínuo de drogas: viaduto da Polícia Rodoviária Federal (BRs 104 e 316), Mercado da Produção, feira livre do Benedito Bentes, Pajuçara (nas imediações do Posto Jangadeiros), trecho entre Levada e Bom Parto (próximo à panificação Flores), Praia da Avenida (próximo ao Memorial) e Praça Sinimbu, no Centro.
Além desses locais, há registros de presença de usuários de crack e pessoas em situação de rua em outras regiões da capital, como Jacintinho, Feitosa e partes da orla de Jatiúca e Ponta Verde. Nos bairros considerados nobres, como Pajuçara e Ponta Verde, comerciantes relatam abordagens frequentes nas ruas e até tentativas de entrada em bares, restaurantes e hotéis.
Impactos no turismo e no comércio
O empresário Marcus Batalha, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes de Alagoas (Abrasel/AL), afirma que a movimentação de pessoas em vulnerabilidade tem afetado o fluxo de consumidores. “Avaliamos com preocupação, já que essa movimentação afasta a população e os consumidores locais nas regiões afetadas, implicando, sem dúvidas, no movimento dos estabelecimentos”, pontua.
Marcelo Marques, presidente do Sindicato Empresarial de Hospedagem e Alimentação de Alagoas (Sindhal/AL), relata que visitantes se assustam com a presença crescente de pessoas em situação de rua e com dependência química. “Esse assédio tem se tornado bastante frequente, principalmente nas ruas atrás da orla da Pajuçara e Ponta Verde. Às vezes, há intromissão na entrada dos estabelecimentos, incluindo bares, restaurantes e hotéis”, destaca.
Estimativa de mais de 5 mil pessoas nas ruas
Segundo o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR), Maceió tem mais de 5 mil pessoas vivendo nas ruas. A coordenadora do movimento, Rafaelly Machado, explica que os bairros com maior concentração são Centro, Farol, Pajuçara, Ponta Verde, Jatiúca e Benedito Bentes.
“O maior número está no Centro, mas a situação também é alarmante nas imediações do viaduto da federal e no Benedito Bentes. Os equipamentos ofertados não comportam a quantidade de pessoas”, afirma.
Ela acrescenta que a pandemia agravou o problema e que ainda não há um censo oficial ou diagnóstico atualizado sobre a população em situação de rua. “Misturam-se perfis distintos: dependentes químicos, pessoas com transtornos mentais e quem realmente não tem moradia. Sem diagnóstico, não há como planejar uma resposta eficaz”, pontua.
Ministério Público cobra ações
Em resposta à Gazeta, o Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL) informou que vem discutindo com o Município de Maceió a ampliação da rede de atenção psicossocial. Atualmente, há apenas um CAPS AD em funcionamento, quando o ideal seriam ao menos cinco.
A promotora Alexandra Beurlen, da 61ª Promotoria da Capital, destaca ainda a falta de leitos regulares para saúde mental nos hospitais da cidade e informa que o MPAL, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) ingressaram com uma Ação Civil Pública para obrigar o Município a cumprir a determinação da ADPF 976, do Supremo Tribunal Federal, que exige diagnóstico da população em situação de rua. Uma audiência de conciliação está marcada para o dia 28 de abril.
Há ainda procedimentos administrativos em andamento para discutir o cadastro habitacional do município, o serviço de abordagem social e a oferta de vagas em acolhimento.
Ocorrências recentes e insegurança
Em abril, dois casos reforçaram o alerta. Um homem em situação de rua foi preso após tentar agredir uma atleta na Praia da Avenida com um paralelepípedo. Poucos dias depois, uma loja na Ponta Verde foi arrombada e furtada por um casal que, segundo a polícia, também vivia nas ruas.
O vereador e delegado Thiago Prado (PP) afirma que o cenário se repete em outras áreas da cidade. Ele aponta que a “cracolândia” da favela da federal, antes restrita a um barraco, agora conta com cerca de 12 estruturas sob o viaduto.
“Isso não é só problema de segurança. É preciso legislação que permita a retirada desses espaços usados exclusivamente para consumo de drogas. E, principalmente, ampliar a rede de tratamento para dependentes químicos”, afirma. Ele também cita pontos críticos na Brejal, Levada, Benedito Bentes, Feitosa, além de Pajuçara e Ponta Verde.
Ações de busca ativa
A Secretaria de Estado de Prevenção à Violência (Seprev) realiza ações de busca ativa em diferentes bairros de Maceió. Em 2024, 492 pessoas foram acolhidas e encaminhadas para comunidades terapêuticas credenciadas pelo Estado, localizadas em Rio Largo, Marechal Deodoro e outros municípios.
As abordagens têm ocorrido em locais como Levada, Centro, Praça Deodoro e Benedito Bentes. Em fevereiro e março, mais de 100 pessoas foram ouvidas pelas equipes. Parte delas aceitou o acolhimento imediato, e outras demonstraram interesse em ser encaminhadas posteriormente.
Prefeitura não respondeu
A reportagem da Gazeta entrou em contato com a assessoria da Prefeitura de Maceió para obter informações sobre as medidas adotadas em relação à população em situação de rua e dependência química, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.