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Nº 5905
Cidades

Um assassinato que reacendeu a hist�ria

Trinta homens fortemente armados se posicionavam na entrada e arredores do pronto-socorro de Maceió, enquanto outros dois entravam na unidade de saúde. Vestidos de branco, como se fossem médicos, os homens não tiveram dificuldade de chegar ao alvo, o agri

Por | Edição do dia 26/10/2008 - Matéria atualizada em 26/10/2008 às 00h00

Trinta homens fortemente armados se posicionavam na entrada e arredores do pronto-socorro de Maceió, enquanto outros dois entravam na unidade de saúde. Vestidos de branco, como se fossem médicos, os homens não tiveram dificuldade de chegar ao alvo, o agricultor Josenilton Ferreira da Silva, que foi assassinado a golpes de faca. O episódio se passou em 1991 e foi o estopim para um crime que volta à tona após 17 anos: a execução do delegado Ricardo Lessa e de seu motorista Antenor Carlota da Silva, 61. Lessa foi morto porque jurou esclarecer a invasão ao hospital e botar na cadeia os criminosos, um grupo de militares chefiado pelo temido ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante. No grupo, o ex-cabo Everaldo Pereira dos Santos – o “Amarelo” –, acusado de dar os golpes de faca que mataram o agricultor e os tiros que tiraram a vida do delegado. ### Invasão teria sido motivo de crime Ricardo José Lessa Santos tinha 45 anos e era diretor do Departamento de Polícia da Capital (Depoc) quando foi assassinado, no dia 9 de outubro de 1991. Polêmico, pelo jeito explosivo de ser, ele teve o próprio nome envolvido em episódios de violência no Estado. Tanto é que à época surgiram várias versões para sua execução. A mais forte e que foi sustentada pela polícia no inquérito que apurou o crime, foi a invasão do então pronto-socorro de Maceió pelo bando de Cavalcante, de quem, para alguns, Lessa era “amigo”, para outros, inimigo voraz. Assim teria se tornado, ao enfrentar Cavalcante após à invasão ao pronto-socorro. Tudo começou quando um “coronel” do município de Batalha contratou os serviços do cabo PM Nogueira para eliminar o agricultor Josenildo Pereira da Silva, que andava “falando muito” e “sabia demais”. O PM convocou um comparsa e seguiu para o Sertão para cumprir a ordem do coronel. ### Lessa ameaçou entregar grupo de Manoel Cavalcante Um dia antes de morrer, Lessa deu de cara com Cavalcante e disse: “Vou dizer que foi você quem mandou invadir o hospital de pronto-socorro e matar aquele homem. O governador está me cobrando e eu vou dizer”. Dois dias antes havia concedido entrevista à Gazeta, onde dizia que sabia quem eram os responsáveis pelas “desovas” em Alagoas. No outro dia, o da morte, 9 de outubro, às 10h15, Lessa foi a uma rádio da capital e detonou: “Disse que ia botar na cadeia 30 bandidos comandados por um oficial da Polícia Militar”, recorda Mário Pedro. Ricardo Lessa falou também que tinha conhecimento da contratação de pistoleiros para matá-lo, mas dizia não temer. A entrevista foi gravada e só ao foi ao ar às 13h do dia 9. Era o que o bando de Cavalcante precisava para eliminar Lessa. ### Polícias são mobilizadas no caso “Eu mesmo levei o material para São Paulo, onde fiquei 22 dias aguardando o resultado da perícia”, diz Ailton Villanova. A conclusão foi a seguinte: “Os elementos não permitem afastar a possibilidade dos pêlos encontrados pertencerem a um dos indiciados, embora não forneçam substrato para uma identificação mais precisa”. O laudo foi aprovado pela perícia de Alagoas e encaminhado à polícia alagoana para compor o inquérito. As polícias Civil e Militar foram mobilizadas no mesmo dia do crime para identificar e prender os matadores de Ricardo Lessa. O secretário de Segurança, Wilson Perpétuo, viajou a Brasília, onde esteve em contato com o delegado Romeu Tuma para pedir apoio à Polícia Federal e admitiu que os mandantes do assassinato foram os “chefes” do sindicato do crime organizado. ### Mário Pedro teve delegacia “sitiada” O delegado Mário Pedro lembra como se fosse hoje o dia em que foi chamado pelo então secretário de Segurança, Wilson Perpétuo. O secretário pretendia designar um delegado especial para apurar o assassinato de Ricardo Lessa, mas Mário Pedro não titubeou e disse: “O crime ocorreu em minha região. Vou apurar”. Ele era o titular do 7º Distrito Policial e diz que em momento algum temeu ao decidir investigar o caso e prender os criminosos. “Imediatamente comecei as diligências. No dia seguinte ao crime, Cavalcante foi para a imprensa para dizer que estavam culpando ele pelo crime”, relata Mário Pedro. Isso só aumentou as suspeitas do que a polícia já sabia: Cavalcante mandou matar Ricardo Lessa. ### Histórias oscilam entre a verdade e o folclórico São muitas as histórias contadas até hoje sobre o delegado Ricardo Lessa, considerado linha dura na polícia. Algumas, folclóricas; outras, nem tanto. Quem fala sobre ele prefere o anonimato. Há um caso, por exemplo, em que Ricardo Lessa teria batido em um juiz na porta da delegacia, simplesmente porque o magistrado o processou. O caso aconteceu em Arapiraca e passou em “brancas nuvens”. Ninguém se atreveu a denunciar o delegado. Pai de três filhos, Lessa não costumava mandar recado; ele mesmo fazia. Às vezes, quando o desafeto era da mesma área dele, pedia a alguém que eliminasse o inimigo. É o que contam os que viveram à época em que o coronelismo ainda imperava no Estado, a ponto de derrubar políticos ou colocar no poder aqueles que melhor servissem aos interesses dos grupos dominantes, inclusive na esfera da segurança pública. ### Everaldo costumava queimar as vítimas Frio e perverso, costuma queimar os cadáveres de suas vítimas. As informações estão contidas nos registros da polícia e se referem à cruel personalidade de Everaldo Pereira dos Santos, o homem que colocou Alagoas, mais uma vez, de forma negativa na mídia nacional e que só foi descoberto com o seqüestro da filha, a garota Eloá, assassinada pelo ex-namorado Lindemberg Fernandes Alves, em Santo André, na Grande São Paulo. Longe de Maceió, onde deixou muitos familiares e onde, segundo informações, costumava passear até antes de ser descoberto, Everaldo usava o nome de Aldo Pimentel – o sobrenome foi adotado da mulher, Ana Cristina, que saiu de Maceió, onde morava com ele no Vergel, quando a filha Eloá tinha apenas dois anos de idade. ### Gangue mexeu com autoridades Cercado por exemplares da Gazeta da década de 1990, o coronel reformado da Polícia Militar de Alagoas Ailton Pimentel dos Santos tenta justificar às autoridades do Estado o que para qualquer pessoa ameaçada é óbvio – precisa de proteção para não morrer. O coronel chora ao ler as notícias e falar sobre o episódio que marcou e mudou sua vida para sempre: a prisão da gangue fardada, o grupo de policiais militares que durante anos aterrorizou o Estado e do qual Everaldo Pereira faria parte. Do outro lado da cidade, no fórum da capital, o juiz que decretou a sentença dos líderes da organização criminosa, Hélder Loureiro, também tenta levar a vida que diz ter sido totalmente transformada desde o dia em que o processo contra o bando foi parar nas mãos dele. ///

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