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IMERSÃO

Legendários realiza 1ª edição em Alagoas com 250 homens na Caatinga

Grupo interdenominacional tem ganhado adeptos no Brasil; doutor analisa causas desse fenômeno

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Primeira pista do estado reuniu
250 participantes em quatro dias
Primeira pista do estado reuniu 250 participantes em quatro dias | Foto: — Foto: Arquivo Pessoal

Quatro dias imersos em meio à natureza. O objetivo: reconectar-se com Deus e encontrar a melhor versão de si mesmo. Na imersão, homens buscam resgatar o que consideram sua essência: a figura do provedor e protetor do lar. A família, aliás, é o tema central. É dessa forma que os Legendários se descrevem: um movimento que nasceu na Guatemala e se espalhou pelo mundo, chegando ao Brasil em 2017.

Em Alagoas, o primeiro grupo foi formado entre os dias 1º e 4 de maio deste ano. Participaram 250 homens, acompanhados por outros 180 que prestaram assistência ao longo do percurso. A semente dos Legendários no estado foi plantada por 25 arapiraquenses que passaram pela chamada “pista” em Anápolis (GO) — nome dado ao grupo que percorre um trajeto mapeado previamente. Ao retornar, decidiram fundar sua própria pista.

Foi nesse contexto que surgiu a participação do pastor Alex Correia, de 45 anos. Carioca, ele morou em Goiás, onde conheceu o movimento há dois anos e se formou na pista de Camboriú (SC). Em outubro do ano passado, mudou-se para Arapiraca com o objetivo de abrir uma igreja e acabou liderando a organização da primeira pista alagoana.

Localizada na Caatinga, a pista tem o trajeto mantido em segredo. “A partir do momento em que você diz o lugar, acaba perdendo o efeito de surpresa”, afirma o pastor Alex, com ar de mistério.

A jornada exige preparo físico. A travessia até a montanha — ponto comum de chegada nos rituais — é feita em subidas íngremes, exigindo esforço e resistência. Segundo o pastor, o movimento é interdenominacional e aberto também a homens sem vínculo com religiões.

Para os Legendários, a rotina contemporânea desconectou os homens de sua “configuração de fábrica”. “Muita gente pergunta: por que não existe [a imersão] para mulheres? Porque entendemos que o homem tem um papel específico na sociedade, e deixamos de cumpri-lo. Certas responsabilidades são nossas. O homem é o provedor, o protetor. Não posso levar a mulher para a montanha porque ela não foi feita para isso. Quem tem perdido sua identidade é o homem. O homem tem sido omisso”, defende o pastor.

A idade mínima para participar varia de acordo com a localidade. Em Arapiraca, homens a partir de 16 anos podem participar, desde que acompanhados pelos pais; sozinhos, a partir dos 18. A idade máxima aceita pode variar entre 60 e 70 anos, dependendo das condições físicas do participante.

Embora a imersão dure quatro dias, o processo de preparação começa com pelo menos 30 dias de antecedência. As mulheres, chamadas de “Esposas dos Legendários”, também participam da organização. Segundo Alex, os homens que desejam auxiliar na coordenação das pistas só podem fazê-lo se suas esposas confirmarem, previamente, que eles têm mantido uma conduta respeitosa no ambiente familiar.

O jornalista e empresário Júnior de Melo, de 43 anos, foi um dos participantes da primeira edição em Alagoas. Distante da religiosidade institucional, sempre acreditou que sua fé era íntima. “Sempre tive a certeza de que Jesus conhece meu coração e que eu poderia viver assim”, diz. Mas foi movido pela curiosidade e por seu gosto por desafios que decidiu seguir até a Caatinga.

“Foi algo sobrenatural. Emocionante e marcante. Eu tinha muitas dúvidas e preconceitos. Tudo foi quebrado na montanha. Após 43 anos de vida, nunca havia passado por algo desse tamanho. Aceitei Jesus em minha vida. Tive a certeza de que caminhar com Ele proporcionará uma vida melhor para todos ao meu redor. Ver a transformação de outros homens foi o que mais me marcou”, compartilha.

Resposta para a crise da masculinidade

De acordo com o doutor em Ciências da Religião Hugo Brandão, professor do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), o movimento Legendários surgiu como resposta ao que se entende como uma crise da masculinidade contemporânea. Segundo ele, muitos homens estariam desconectados de sua essência espiritual, emocional e familiar, vivenciando uma masculinidade fragilizada, influenciada por padrões modernos considerados distorcidos e/ou subversivos.

Brandão ressalta que, desde o seu surgimento — e apesar do crescimento e notoriedade alcançados no Brasil e em diversos países — o grupo enfrenta críticas por ser considerado elitista, por sua visão tradicionalista dos papéis de gênero e pela ausência de inclusão feminina.

“Nossas pesquisas sugerem que seu surgimento busca responder e atender às demandas de um segmento masculino cisgênero que se vê desorientado diante dos processos de mudança social, cultural e simbólica em torno da masculinidade, da família e da religiosidade.” O professor acrescenta que as investigações acadêmicas têm identificado o Legendários como uma tentativa de ressacralização do masculino em um tempo marcado pela crítica feminista e pela pluralização das identidades — sobretudo as de gênero.

Segundo ele, trata-se de uma vivência religiosa fortemente estruturada em códigos morais e doutrinários do cristianismo conservador, articulando um retorno às origens com uma promessa de transformação interior — uma forma de ritualização e reafirmação de um modelo tradicional de masculinidade em crise.

“Categoricamente, defendo que, para compreendermos esse fenômeno religioso, o Legendários, devemos perceber que não se trata apenas de uma resposta espiritual individualizada, mas também de uma resposta social e cultural a uma série de tensões estruturais contemporâneas. A saber: crise de identidade, reconfiguração da família, mudanças no campo religioso e uma busca intensa por pertencimento e sentido num mundo fragmentado. O que proponho em meus estudos — tal como minhas pesquisas têm apontado — é que o Legendários é um movimento religioso que visa oferecer uma espécie de ‘contranarrativa conservadora e religiosa’ em oposição às transformações socioculturais, simbólicas e religiosas do mundo contemporâneo em sua condição pós-moderna”, conclui Brandão.

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