SERVIÇO GEOLÓGICO
Mais de 76 mil alagoanos vivem em áreas de risco
Maceió concentra 76% das favelas do Estado; chuvas da última semana acendem alerta para medidas emergenciais


O fim da noite de segunda-feira, 19 de maio de 2025, jamais será esquecido por uma família que morava no Vale do Reginaldo, em Maceió. “Ouvi o primeiro estrondo, acordei e corri para chamar a minha mulher. Quando foi no segundo, pegamos as crianças e corremos. Aí desabou. Foi tudo de uma vez”, relatou o vendedor Diego da Silva Sampaio, 37 anos, casado e pai de cinco filhos. O imóvel onde morava com a família, alugado por R$ 200 mensais, desmoronou completamente. Sem ferimentos, mas traumatizados, eles foram acolhidos por vizinhos e ainda não sabem como recomeçar.
Histórias como a de Diego ilustram o drama de pelo menos 76,9 mil pessoas que vivem em 207 áreas de risco em Alagoas, segundo levantamento do Serviço Geológico do Brasil (SGB). Dessas, 55 são classificadas como de risco muito alto, justamente onde mais de 32 mil domicílios estão localizados.
Dados mais recentes do IBGE, apresentados pelo urbanista e professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Dilson Ferreira, revelam que Maceió abriga 192 favelas e comunidades urbanas, o que representa mais de 76% das 251 identificadas em todo o estado. Muitas dessas áreas estão localizadas em encostas, margens de lagoas, grotas e planícies de inundação — terrenos ambientalmente frágeis e geotecnicamente instáveis.
Os dados mostram que Maceió também figura entre as 10 capitais brasileiras com maior número de pessoas vivendo em favelas, muitas delas em regiões de risco permanente, de acordo com o professor.
Além da capital, os municípios com maior número de áreas de risco são Paripueira (31); Santana do Mundaú (16); Coruripe (15); Maragogi (12), com registros de deslizamentos de barreiras, alagamentos, desabamentos e inundações recorrentes.
FALTA PLANEJAMENTO
Para Dilson Ferreira, a ocupação de áreas de risco em Maceió e Região Metropolitana é resultado direto da ausência de políticas públicas estruturantes. “Não há ordenamento territorial, nem política habitacional sólida. Nosso último Plano Diretor é de 2005 e não é cumprido nem pelo próprio poder público”, afirmou.
O urbanista aponta que a expansão urbana das últimas décadas ocorreu de forma desordenada, impulsionada por fatores como êxodo rural, crescimento da construção civil e turismo. O adensamento precário empurrou milhares de pessoas para locais sem segurança, estrutura ou controle técnico. “É uma urbanização à revelia da legislação, com loteamentos irregulares, autoconstruções em áreas de preservação permanente e falta de drenagem pluvial adequada”, diz.
Além disso, a especulação imobiliária encarece o solo urbanizado, o que acaba por expulsar a população de baixa renda para áreas ambientalmente vulneráveis.
Ferreira também lamenta a inexistência de uma política sistêmica de redução de riscos, que articule planejamento urbano, defesa civil, órgãos ambientais e políticas habitacionais. “Faltam Planos Municipais de Redução de Riscos atualizados e integrados aos Planos Diretores. As ações que existem são pontuais e só ocorrem após tragédias”.
PODER PÚBLICO
Em nota, a Defesa Civil de Maceió informou que a atualização do Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), cuja última versão é de 2007, deve começar apenas em junho de 2026, com conclusão prevista para dois anos depois. A atualização contará com apoio do Serviço Geológico do Brasil, por meio da Secretaria Nacional de Periferias, do Ministério das Cidades.
Já a Defesa Civil Estadual destacou que a responsabilidade pelo mapeamento das áreas de risco é municipal, conforme a Lei nº 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil.
CHUVAS RECENTES
A última semana foi marcada por mais uma onda de chuvas intensas em Alagoas, que se estendeu por seis dias e afetou 2.972 pessoas em 16 municípios, segundo balanço da Defesa Civil estadual. Não houve registro de óbitos, mas rodovias foram interditadas, casas inundadas e centenas de famílias expulsas pelas águas de rios transbordados.
O governo do Estado decretou situação de emergência em seis municípios: São Luís do Quitunde, São Miguel dos Milagres, Passo do Camaragibe, Marechal Deodoro, Rio Largo e Coqueiro Seco. Barreiras deslizaram, árvores caíram e a infraestrutura urbana revelou mais uma vez sua fragilidade diante da força da natureza.