RISCO
Cratera de 5 mil m² ameaça engolir rodovia e casas em Maceió
Voçoroca começou a ser registrada em 2002 e não para de crescer; trecho da BR-316 foi interditado


Voçoroca, palavra Tupi que significa “terra rasgada”. É assim que se chama a cratera de quase cinco mil metros quadrados e que não para de crescer na
BR-316, no bairro do Clima Bom, em Maceió. De um lado, a rodovia que liga a capital às cidades de Satuba e Pilar já está interditada para veículos pesados. Do outro, centenas de moradores que temem ser “engolidos” juntos com suas casas.
Adeildo Leôncio é agricultor e tem seis imóveis na região. “Pelo que a gente está vendo, a minha casa vai embora logo logo. A erosão está comendo tudo. Se nós perdermos a casa, quem vai indenizar? Quem vai fazer alguma coisa pela gente”, questiona. “Nessa chuva agora foi que ela [voçoroca] aumentou, e muito”, completa.
A situação ficou ainda mais alarmante após as chuvas das últimas semanas, mas não é nova. Estudo realizado por alunos de Geografia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), sob orientação do doutor em Geociência Bruno Ferreira, mostra que, em 2002, a área atingida era de 161 m². Em 2024, saltou para 4.987 m² — um aumento de quase 30 vezes.
Bruno Ferreira explica que as voçorocas são cicatrizes erosivas que surgem em áreas de relevo inclinado ou bordas de relevos planos. Ele cita que, nas últimas décadas, Maceió avançou para o topo dos tabuleiros costeiros, onde existia uma vegetação densa e que protegia as encostas dos processos erosivos, mas à medida que a ocupação foi avançando, a impermeabilização do solo, trazida pelas edificações e arruamentos, foi sendo direcionada para essas encostas.
“A combinação da canalização desses fluxos, associada a processos de desmatamento e cortes inadequados nas encostas, potencializaram a ação dos processos erosivos, os quais escavam o solo e se aprofundam, gerando as cicatrizes erosivas denominadas voçorocas”, resume.
Ferreira pontua que o agravamento da chamada “voçoroca do Clima Bom” se dá a partir de 2016, ano marcado pela incidência de fortes chuvas. “A BR-316 foi construída a partir de um corte na encosta de uma cabeceira de drenagem e possui uma série de galerias de escoamento das águas de chuva. No entanto, à medida que a voçoroca avançou na base da encosta, a desestabilizou, fazendo com que, durante os períodos de chuva, ela passasse a ter menos resistência ao fluxo intenso de caminhões e outros veículos pesados”, afirma.
O professor da Ufal conta que o solo da região é muito poroso e, durante longos períodos de chuva, fica bastante plástico, perdendo parte de sua estabilidade. “Essa configuração ambiental, associada ao intenso fluxo da rodovia, levou a deformações em sua superfície, formando ondulações e abrindo fissuras”, detalha.
Segundo o professor, outro fator que agrava o problema são os recorrentes registros de incêndios às margens da rodovia, pois destroem a vegetação rasteira, deixando a encosta ainda mais exposta aos processos erosivos.
O especialista relata que soluções para frear ou, ao menos, desacelerar o processo de voçorocamento envolvem a implementação de obras estruturais, requalificação da drenagem de águas pluviais, ações de reflorestamento e educação ambiental. “Em casos muito avançados, faz-se necessário a realocação de edificações e vias de circulação, possibilitando o terraceamento da encosta. Faz-se necessário pensar na complexidade ambiental da área, a qual deve ser analisada por uma equipe multidisciplinar especializada, buscando soluções para o problema atual, mas também para evitar novos processos no entorno”.
O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) reconhece o avanço da voçoroca e atribui sua origem ao lançamento de esgoto e águas pluviais vindas de bairros de Maceió.
A Defesa Civil de Maceió também acompanha o caso e finaliza um relatório. Em nota, informou que intervenções estão sendo planejadas.
Na última sexta-feira (30), o Dnit interditou o tráfego de veículos de carga no trecho atingido. A medida isola Satuba e Pilar, obrigando motoristas a desviar por rotas alternativas mais longas, como a rodovia AL-404, em Rio Largo, ou a BR-424, por Marechal Deodoro.
