TEMOR
Moradores dos Flexais denunciam agravamento de rachaduras após início de obra
Em vez de soluções, ações em locais afetados por tragédia ambiental gera medo em comunidades de Maceió


Buracos que surgem nas ruas, crateras dentro de casas, estufamento do solo e tremores constantes. Moradores dos Flexais de Cima e de Baixo, comunidades localizadas no bairro do Bebedouro, em Maceió, relatam que os danos estruturais em 812 residências se agravaram após o início de obras de terraplanagem e recuperação do saneamento básico. Segundo eles, as máquinas provocam trepidações que aumentam as rachaduras e colocam em risco a segurança de mais de 5 mil pessoas.
A Defesa Civil de Maceió afirma que não há risco de subsidência na área e atribui os danos a vícios de construção. Moradores, no entanto, denunciam que a movimentação do solo vem se intensificando nos últimos meses. Especialistas da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) também contestam os relatórios oficiais e apontam indícios de instabilidade geológica.
“O barulho das máquinas não me deixa dormir. E se minha casa cair com a gente dentro?”, questiona a aposentada Cícera Frota da Silva, moradora do Flexal de Cima. Há um ano, ela vive noites em claro, temendo o colapso da residência onde criou os filhos. O que para a Defesa Civil são apenas “pequenas fissuras”, para os moradores são sinais de que o chão pode ceder a qualquer momento.
De acordo com o Movimento Unificado das Vítimas da Braskem, mais de 70% das casas dos Flexais apresentam rachaduras. “Algumas surgem rente aos alicerces, outras estão próximas a buracos. Já teve imóvel abandonado depois que uma cratera apareceu dentro da sala”, relata Valdemir Alves dos Santos, líder comunitário que documenta a situação em vídeos e fotos.
As ruas estreitas e becos da comunidade revelam um cenário de instabilidade e pobreza. A população, composta majoritariamente por pescadores, marisqueiras e trabalhadores informais, vive com renda inferior a um salário mínimo. Muitos dependem de programas sociais e não têm para onde ir.
A tensão aumentou após o professor de Urbanismo da Ufal, Dilson Ferreira, divulgar imagens dos danos estruturais nas casas e vias. O conteúdo repercutiu nas redes sociais e reforçou a percepção de que a situação nos Flexais é mais grave do que apontam os relatórios técnicos.
ESPECIALISTAS DIVERGEM
O geotécnico Abel Galindo, também professor da Ufal, afirma que a área apresenta movimentações e que a realocação da população é urgente. “É um crime manter pessoas ali. Elas precisam de indenização justa para viver em segurança”, afirmou. Galindo é autor do livro “Tragédia – Crime Ambiental da Mineração de Sal-gema em Maceió”.
A geóloga Rochane Andrade, também da Ufal, defende uma abordagem cautelosa, com avaliação caso a caso.
Já o defensor público Ricardo Melro afirma que há movimentação horizontal do solo em direção às antigas minas e cita o fenômeno de “ruamento” — erosão lenta e contínua que compromete a estrutura dos imóveis. Ele critica a lentidão da Justiça e o valor de R$ 40 mil oferecido por casas condenadas. “Não há justiça possível com esse tipo de reparação”, argumenta.

A Braskem nega que haja subsidência nos Flexais. Em nota, a empresa afirma que monitora o local em tempo real e que 99,6% das indenizações relacionadas à tragédia ambiental foram pagas. Segundo a companhia, um acordo firmado em 2022 com o município, os Ministérios Públicos e a Defensoria Pública originou o Projeto Integração Urbana, com ações como reforma de creches, construção de UBSs, instalação de câmeras e capacitações.
Distantes dos acordos, moradores dizem se sentir abandonados. “A gente não sabe se volta para casa depois do trabalho. Tudo treme. Ninguém acredita mais que aqui é seguro”, desabafa o porteiro Ronaldo Ferreira.
Profissionais de saúde ouvidos pela reportagem e que atuam na UBS local relatam aumento de casos de depressão, ansiedade e insônia. Os números, no entanto, não foram divulgados.
A Defesa Civil garante que realiza vistorias mediante solicitação pelo número 199 e mantém equipamentos que monitoram o solo. Um novo relatório técnico deve ser concluído até o fim deste semestre. Os documentos são disponibilizados no site oficial do Comitê Técnico: ctmaceio.com.br.
Na Justiça, as ações coletivas contra a Braskem tramitam na 3ª Vara Federal, responsável por avaliar os pedidos de inclusão de novos bairros no programa de indenizações. A Defensoria Pública cobra a ampliação do mapa de risco, a reavaliação dos valores pagos pelas casas e indenizações adequadas às famílias em situação de risco.
Enquanto os debates se prolongam entre laudos, perícias e embates judiciais, que mora ali convive com uma tragédia cotidiana, marcada por incertezas, rachaduras e promessas ainda não cumpridas.