CIÊNCIA
Pesquisa da Ufal busca sinais no cérebro para prever alzheimer
Doutora em Física lidera estudo que utiliza dados de exames para mapear reações cerebrais a estímulos


E se as 230 pessoas que morreram com Alzheimer em Alagoas no ano passado tivessem descoberto que teriam a doença com antecedência? Essa é uma pergunta que, infelizmente, ficará sem resposta. Para o futuro, no entanto, essa possibilidade de identificação precoce está mais próxima de se concretizar — ao menos se depender da doutora em Física Fernanda Matias, professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). Ela lidera um grupo de pesquisa que busca sinais no cérebro capazes de indicar um futuro diagnóstico de doenças neurodegenerativas.
Dados do Ministério da Saúde mostram a escalada de mortes causadas pelo Alzheimer no estado. Em 1996, primeiro ano com dados disponíveis, apenas um alagoano morreu vítima da doença. O número subiu para 15 em 2004, saltou para 106 em 2014 e chegou a 230 no ano passado. Em todo o Brasil, 27.721 mortes foram atribuídas à doença em 2024.
Para chegar à possibilidade proposta no início desta reportagem, a professora irá analisar informações obtidas por meio de exames, sendo o principal deles a magnetoencefalograma (MEG), uma técnica de neuroimagem que não é realizada no Brasil. Por isso, serão utilizados dados abertos de pacientes de um hospital em Madri, na Espanha.
Fernanda Matias explica que essa técnica oferece dados do cérebro em tempo real, permitindo entender como cada região reage a estímulos. O projeto liderado por ela analisará um grande grupo de pessoas saudáveis e, em seguida, comparará os padrões com grupos que apresentam algum tipo de distúrbio neurológico.
“Nosso objetivo é estudar dois subgrupos das pessoas com comprometimento cognitivo leve: as que vieram a desenvolver a doença de Alzheimer e as que não desenvolveram a doença em um intervalo de tempo de alguns anos após o experimento. Assim, esperamos encontrar biomarcadores para o desenvolvimento da doença de Alzheimer”, resume. No futuro, ela acredita que também será possível buscar esses biomarcadores nos sinais cerebrais de pessoas mais jovens.
O trabalho será financiado com R$ 480 mil obtidos por meio do edital Ciência Pioneira, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), que prevê três anos para o desenvolvimento do projeto. No primeiro ano, será iniciada a caracterização dos sinais de MEG em pessoas saudáveis, utilizando técnicas de física estatística ainda inéditas nesse tipo de dado. Depois, nos 24 a 36 meses seguintes, a expectativa é concluir a análise dos grupos com transtorno cognitivo leve e Alzheimer. No entanto, a pesquisadora ressalta que o andamento de investigações científicas depende essencialmente dos resultados obtidos em cada fase.
Fernanda Matias foi a única representante do Nordeste contemplada no edital, que selecionou 15 pesquisadores entre 198 propostas avaliadas por um comitê composto por 30 especialistas de dez países. Defensora da participação feminina na ciência, ela foi destaque na capa da revista Marie Claire em uma edição dedicada a cientistas que estão transformando a sociedade e o planeta.
“Apesar de fazer pesquisa desde a graduação como bolsista de iniciação científica, depois no mestrado e no doutorado, acho que só quando virei professora da Universidade comecei a me identificar como cientista. Pensando sobre isso agora, possivelmente essa resistência em usar a palavra tenha a ver com a questão de identificação, desse imaginário popular de que cientista é alguém distante, inalcançável, ou mesmo um homem branco, e não simplesmente a profissão de quem faz ciência”, reflete.
Além da pesquisa que busca mapear o cérebro humano, Fernanda também lidera o projeto Brilhante Mente, aprovado em edital do CNPq para incentivar meninas e mulheres na ciência. A iniciativa reúne 20 alunas de escolas públicas, todas bolsistas de iniciação científica júnior. Duas delas foram selecionadas para uma semana de imersão científica nos laboratórios da rede Idor, durante as férias de junho e julho, no Rio de Janeiro.