MISTÉRIO NO PARAÍSO
Desaparecimento de jovens em Milagres expõe tática do Comando Vermelho
SSP tem conhecimento da situação e iniciou uma ofensiva para conter a violência na Região Norte


O tráfico de drogas tem expandido suas ações na Rota dos Milagres, no Norte de Alagoas, localidade de grande fluxo turístico e circulação de dinheiro. Nessa região, próspera e violenta, as facções criminosas são acusadas de executar moradores e esconder os corpos das vítimas, a maioria jovens. Oficialmente, foram quatro casos neste ano, mas acredita-se que o número de desaparecimentos pode ser bem maior.
A Secretaria de Segurança Pública iniciou uma ofensiva para conter a violência que se alastra nas cidades turísticas do Norte de Alagoas, como a investigação e a operação que culminou com a morte do traficante Cícero Batista dos Santos da Silva, 33 anos, mais conhecido como Tito, em junho deste ano. Ele nasceu na região e era apontado como chefe de uma facção criminosa, acusada de mandar matar e enterrar corpos como uma maneira de escapar de investigações.
O destino turístico, conhecido por suas praias paradisíacas e que abrange os municípios de Passo de Camaragibe, São Miguel dos Milagres e Porto de Pedras, atraiu gente famosa e com poder aquisitivo elevado para Alagoas, o que transformou a rotina dos seus moradores nos últimos anos. A intensa movimentação de pessoas na região agravou problemas como o tráfico de drogas, atividade ilegal que passou a ocorrer de forma extensa e “empregou” muitos moradores locais. Alguns deles, pelo envolvimento direto ou indireto com as organizações criminosas, acabaram marcados para morrer.
AVANÇO DO TRÁFICO
Para a Polícia Civil, é possível que o desaparecimento de moradores tenha relação com o avanço do tráfico de drogas na Região Norte. Dos quatro desaparecidos neste ano, três são do município de São Miguel dos Milagres (Guilherme Santos de Almeida Lima, 21 anos; Pedro Willian dos Santos Silva, 26 anos; e Eduardo dos Santos, 20 anos). João Victor Pinto, de 18 anos, é de Porto de Pedras.
Desapareceram um por mês: entre fevereiro (Guilherme), março (Pedro), abril (João Victor) e maio (Eduardo). Até agora, não há nenhuma informação sobre o paradeiro. No dia 16 de junho, a Polícia Civil de Alagoas localizou uma ossada em uma área de mata, no município de São Miguel dos Milagres, que se acredita ser de um dos jovens desaparecidos. Até o fechamento desta reportagem, o corpo não havia sido identificado.
O caso segue sob investigação pela Delegacia de Homicídios. A localização ocorreu após dois dias de buscas, iniciadas a partir dos registros de desaparecimentos na região.
CASOS SÃO INVESTIGADOS
A Gazeta perguntou ao delegado Sidney Tenório, diretor de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil, se é característica das facções criminosas o ritual de executar e enterrar os desafetos para dificultar a elucidação dos crimes. “É, sim. Sem corpo, acaba que os primeiros registros ficam como desaparecimento de pessoa. E isso acaba atrasando os levantamentos iniciais de homicídio. Em especial hoje, com a PC fazendo atualmente investigação em todos os locais de homicídio ocorrido em Alagoas”, explica.
Segundo Sidney Tenório, a Região Norte tem sido alvo de uma expansão do Comando Vermelho em Alagoas, e não se pode descartar, pelo menos até o momento, a relação entre a morte dos jovens em São Miguel dos Milagres e Porto de Pedras com a atuação do traficante Tito, morto em junho. “Entretanto, várias ações estão sendo realizadas pela SSP para conter essa atuação. É prematuro falar que é apenas a atuação de um determinado traficante. Mas é possível, já que os casos parecem estar relacionados”, afirma.
O delegado Ronilson Medeiros também avalia que a ocultação de cadáver é uma prática utilizada para dificultar a apuração e que não é exclusiva das facções.
No entanto, é uma prática que maltrata, e muito, as famílias das vítimas, que vivem entre dúvidas e incertezas, na busca incessante de encontrar seu ente desaparecido
A MORTE DO CHEFE
No dia 18 de junho, Cícero Batista dos Santos da Silva, 33 anos, mais conhecido como “Coroa Tito”, apontado como principal líder do tráfico de drogas em Alagoas, morreu após uma troca de tiros com a Polícia Militar no povoado Porto da Rua, em São Miguel dos Milagres. Seu segurança pessoal, identificado como “Peluxo”, também morreu no confronto.
O traficante foi contido graças à operação integrada das forças de segurança pública de Alagoas. A ação foi coordenada pela Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP). Tito era conhecido por sua atuação violenta nos municípios de São Miguel dos Milagres, Porto de Pedras e cidades vizinhas.
Um policial militar que conhece bem a Região Norte de Alagoas contou à reportagem que a expansão do Comando Vermelho na localidade ocorreu paralelamente ao aumento do fluxo turístico. Segundo ele, a facção criminosa age com extrema violência e crueldade, muitas vezes eliminando vítimas que têm dívidas de drogas com a organização ou são suspeitas de delatar o grupo.
“Eles acabam assassinando e escondendo os corpos em áreas de difícil acesso para que não sejam encontrados. Dessa forma, fica mais complicado identificar e descobrir a causa da morte”, finaliza o policial militar, que prefere não se identificar.
HISTÓRIAS DE QUEM SUMIU
“Feliz Dia das Mulheres, Deus abençoe. Eu amo a senhora”. A mensagem foi enviada por Pedro — desaparecido desde março deste ano — para o Instagram da mãe. Na correria do dia a dia, a frase, enviada às 10h10 daquele dia, só foi visualizada e respondida às 19h39. Mas já era tarde. O jovem sumiu no mesmo dia.
Aos 26 anos, Pedro era cozinheiro e sonhava em participar de um reality de culinária na TV, saiu para aproveitar uma ressaca de carnaval, no dia 8 de março, em um evento conhecido na cidade, e não voltou para casa.
Outro desaparecido é Guilherme, de 21 anos. No dia 2 de fevereiro deste ano, dormiu na casa da namorada depois de sair de uma festa. Acordou, saiu a pé, avisou que iria cortar o cabelo e depois iria ao trabalho, um restaurante em São Miguel dos Milagres, onde atuava como garçom. Desde então, nenhuma notícia do seu paradeiro.
Guilherme era usuário de drogas, um problema com o qual a família aprendeu a conviver, pois o jovem não “dava trabalho”. Queria ganhar seu próprio dinheiro e tinha muitos amigos em São Miguel dos Milagres. Pedro e Guilherme, citados nesta reportagem, se conheciam.
As famílias dos quatro jovens — Guilherme, Pedro, Eduardo e João Victor — querem localizá-los, vivos ou mortos, e conseguir, ao menos, enterrar os restos mortais. Querem apenas dignidade.