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RESISTÊNCIA

Fotógrafa documenta a dor e ausência nos bairros afetados pela Braskem

Andréa Guido registra o impacto da mineração enquanto igreja e moradores resistem no Pinheiro

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Fotógrafa documenta a dor e o apagamento dos bairros afetados pela Braskem
Fotógrafa documenta a dor e o apagamento dos bairros afetados pela Braskem | Foto: Foto: Andréa Guido

Há mais de 40 anos morando no bairro do Pinheiro, em Maceió, a fotógrafa Andréa Guido Pereira viu seu lar se transformar diante dos próprios olhos. Casas rachadas, ruas vazias e famílias desabrigadas: cenas que ela decidiu eternizar para que a história desses bairros não seja esquecida.

Nascida em Osasco (SP), Andréa vive em Maceió desde 1978 e se define como uma paulista/alagoana. O problema causado pela mineradora Braskem começou quando a extração de sal-gema resultou no afundamento do solo em várias regiões da capital alagoana. O impacto foi devastador: imóveis danificados, riscos à segurança e a triste necessidade de desocupar bairros inteiros, como Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto, além de parte do Farol.

Fotógrafa Andréa Guido Pereira viu seu lar se transformar diante dos seus olhos
Fotógrafa Andréa Guido Pereira viu seu lar se transformar diante dos seus olhos | Foto: Foto: Andréa Guido

Desde 2020, no início da pandemia de Covid-19, Andréa passou a fotografar diariamente as mudanças que alteravam a paisagem e a vida das pessoas que conhecia. “Ver aquelas famílias deixando suas casas, seus sonhos, foi algo que mexeu profundamente comigo. A fotografia virou uma forma de dar voz a essa dor que muitas vezes fica invisível”, diz.

Apesar da tristeza e da angústia provocadas pela situação, Andréa seguiu registrando cada rachadura, cada rua deserta, cada rosto que carregava o peso do medo e da perda. Em muitas ocasiões, além de fotografar, ela se sentava para conversar com os moradores, obrigados a abandonar tudo o que haviam construído ao longo da vida.

“Meu maior desafio foi manter a razão diante de tanta emoção. É difícil olhar para as ruas vazias, sabendo que ali havia histórias, memórias, vidas sendo apagadas. Mas, como fotógrafa, senti a responsabilidade de não deixar esse capítulo ser esquecido.”

Além dos impactos emocionais, Andréa diz que enfrentou a resistência de equipes de segurança contratadas pela Braskem, que tentavam impedir que ela registrasse o que acontecia. Ainda assim, conseguiu construir um acervo importante, que revela não só o dano material, mas, principalmente, o humano.

Foto tirada por Andréa Guido
Foto tirada por Andréa Guido | Foto: Foto: Andréa Guido

Para ela, seu trabalho não é apenas um projeto pessoal, mas uma missão de preservar a memória das comunidades. “Mutange, Bebedouro e outros bairros praticamente desapareceram do mapa. Somos um povo que esquece facilmente o passado, mas a fotografia pode ajudar a manter viva essa memória”.

Andréa cita a foto de um homem dentro da igreja Menino Jesus de Praga, quando já havia sido retirado quase tudo do local. “Estava passando e esse rapaz entrou, sentou onde era o altar e chorou muito. Ele era coroinha e estava muito abalado. A imagem foi muito emblemática pra mim, que frequentava a igreja e cuja filha foi batizada nesse altar”.

Ela também destaca a receptividade dos moradores, que viram nela alguém que ouviu suas histórias e deu rosto à sua dor. Em muitos casos, levou as fotos impressas para as famílias, que agora vivem espalhadas pela cidade, longe de seus antigos lares.

“Nenhuma imagem sozinha define esse trabalho. Cada fotografia é um fragmento de uma dor coletiva, um testemunho do apagamento dessas comunidades. Para mim, como moradora e fotógrafa, é um retrato do que perdemos e do que precisamos lembrar.”

RESISTÊNCIA

SEGUE VIVA

Apesar do cenário de abandono, ainda há sinais de vida e resistência nos bairros atingidos. Famílias que recusaram a realocação permanecem em seus imóveis, e alguns comércios seguem funcionando. Um dos principais focos de resistência é a Igreja Batista do Pinheiro, que continua ativa, mesmo após ter sido interditada em dezembro de 2023.

O pastor Wellington Santos, liderança da igreja, afirma que a instituição não está em negociação com a Braskem e critica o papel da Defesa Civil no processo. “Denunciamos a subserviência técnica e a falta de independência da Defesa Civil Municipal em relação à empresa. Fomos retirados provisoriamente do local, e a interdição foi mantida sob a alegação de que nossa área está na zona de criticidade zero, com uso aéreo restrito, e que seria necessária a realocação imediata”.

A igreja contestou judicialmente a decisão e apresentou um parecer técnico assinado pelo geólogo Abel Galindo. “Esse laudo demonstra que, tecnicamente, nem nosso espaço patrimonial, nem a quadra, nem a região apresentam qualquer risco de afundamento ou desastre. As minas estão sendo tamponadas, e o prazo para o encerramento geral está previsto para o final de 2026 ou meados de 2027”, explica o pastor.

Mesmo fora do templo original, a comunidade permanece unida. Atualmente, a Igreja Batista do Pinheiro realiza suas atividades na Rua Coronel Lima Rocha, nº 800, na Casa IBP, a cerca de 300 metros do espaço interditado. Segundo Wellington, a igreja é a única proprietária de um terreno privado ainda presente na área degradada, e a decisão de resistir foi tomada coletivamente.

“Todas as decisões são votadas em assembleia. A Igreja Batista não toma decisões com base apenas em um pastor ou em um colegiado. Posso assegurar que este é o sentimento e a escolha da comunidade: lutar pelo retorno. Nosso lema é: ‘O Pinheiro vive de pé’.

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