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‘Pede pra sair!’: 285 policiais militares deixaram a PM de AL na última década

Maioria das baixas foi entre praças; relatos indicam busca por autonomia, salários e menos restrições

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Após 11 anos de serviço, Felipe Sabino deixou a PM
Após 11 anos de serviço, Felipe Sabino deixou a PM | Foto: — Foto: Arquivo Pessoal

Fenômeno do cinema brasileiro, o filme Tropa de Elite popularizou a expressão “Pede pra sair!”. Dita aos gritos na ficção pelo Capitão Nascimento, a ordem ecoa na realidade. Dados da Polícia Militar de Alagoas (PM-AL), obtidos com exclusividade pela Gazeta, mostram que 285 militares pediram para deixar a corporação entre 2015 e 2025, a maioria praças.

O advogado Felipe Sabino é um desses. Após 11 anos de serviço, pediu licenciamento — como é chamada tecnicamente a saída — e deixou a PM-AL em 2024. Ele conta que entrou na tropa em 2013 buscando independência financeira. Conseguiu, mas, nesse tempo, viveu experiências que o levaram ao descontentamento. Durante uma licença especial de três meses, tirada no ano passado, experimentou o cotidiano de um escritório de advocacia, com liberdade de horários e regras mais flexíveis. Voltou decidido. Sabia o que queria — e o que não queria mais.

Agora policial rodoviário federal (PRF), Dhyhollanes Cavalcante afirma ter entendido que não podia mudar a PM, então decidiu sair
Agora policial rodoviário federal (PRF), Dhyhollanes Cavalcante afirma ter entendido que não podia mudar a PM, então decidiu sair | Foto: — Foto: Arquivo Pessoal

Agora policial rodoviário federal (PRF), Dhyhollanes Cavalcante afirma ter entendido que não podia mudar a PM, então decidiu sair. Ele também ingressou na PM-AL em 2013 e, em 2019, tornou-se PRF. Cavalcante é um concurseiro. Antes da PM de Alagoas, foi aprovado na de Pernambuco, mas perdeu a vaga no teste físico por não apresentar um documento. Também passou em concurso da prefeitura de Maceió. O objetivo era claro: mudar de vida. E mudou. Antes de se tornar PRF, só havia viajado de avião uma vez. Agora, já soma mais de 30 voos, incluindo uma viagem à Europa com os pais, com direito a Paris e Londres no roteiro.

Os dados mostram que praças como Sabino e Cavalcante lideram a debandada da PM-AL. Dos 285 licenciamentos, 203 foram de praças. Entre oficiais, houve apenas três pedidos. Há ainda 72 desistências entre alunos do curso de formação de praças, cinco entre cadetes do curso de oficiais e dois entre candidatos.

O ano com mais licenciamentos a pedido foi 2023, com 66 saídas — média de três por mês. Em seguida, aparece 2022, com 56 pedidos. O menor número foi em 2021, durante a pandemia de Covid-19, com apenas cinco.

Entre os postos e graduações, os soldados lideram os pedidos, com 174 licenciamentos. Depois, vêm os soldados ainda em formação, com 62 registros, e os cabos, com 30.

Para Sabino, a PM-AL foi fundamental em sua formação pessoal.

“Forjou meu caráter. Eu aprendi muitas lições”

Felipe Sabino

“Eu digo assim: se você não tem alternativa, bicho, precisa realmente do emprego, vá! Mas se tem condição de mirar numa coisa melhor ou até mesmo num cargo da área policial que pague mais, eu recomendaria que fizesse isso. Entendo que não é um cargo para você mirar como se fosse um objetivo de vida, mas como um meio para alcançar coisas melhores depois”.

Sabino e Cavalcante relatam dissabores vividos na corporação, desde escalas aplicadas por oficiais com o intuito de dificultar os estudos, até situações de desrespeito.

“Remuneração também. Poder ganhar mais sendo outra coisa, ter mais autonomia, liberdade, tranquilidade de coisas básicas que o militar não tem direito. Até para viajar para outro estado da federação, tem que pedir autorização ao comandante-geral. Para sair do País, tem que pedir autorização ao governador. Eu não tenho o mesmo direito de ir e vir que um cidadão civil tem”, explica Sabino.

Cavalcante critica o sistema jurídico da PM, que considera “péssimo”.

“Tanto é que eu busquei algo semelhante, mas sem o militarismo”. Ele relata que enfrentou entraves com um comandante de batalhão que dificultava trocas de plantão, o que prejudicava seus estudos. “E se você me perguntar por que o cara criaria empecilhos, a resposta é: eu não sei”, desabafa.

Segundo ele, essas dificuldades estão ligadas à estrutura militar da corporação: “Apesar de eu não ter problema com autoridade, hierarquia, nunca concordei muito com o sistema militar da PM. Acho que ele é bastante limitador, principalmente para pessoas de patente baixa — e até mesmo para oficiais que não são superiores. Isso limita muito o órgão, limita muito o nível de evolução da instituição”, detalha.

Elaine Pimentel sugere medidas para melhorar ambiente da PM
Elaine Pimentel sugere medidas para melhorar ambiente da PM | Foto: — Foto: Arquivo Pessoal

A professora Elaine Pimentel, diretora da Faculdade de Direito da Ufal e pesquisadora na área de ciências criminais e segurança pública, aponta que a busca por estabilidade é tão forte que consolidou a identidade do “concurseiro”.

“Assim, muitos jovens podem pensar o ingresso na Polícia Militar como essa porta de entrada para a estabilidade, sem compreensão do que é a formação militar, os impactos físicos e emocionais do exercício da profissão de policial militar”.

Elaine destaca que o assédio moral e sexual são realidades nos espaços militares, sobretudo em razão da rigidez hierárquica: “O assédio moral, especialmente, é naturalizado no ambiente castrense e é um dos maiores motivos de adoecimento emocional na corporação, com altos índices de casos de ansiedade, depressão e suicídio”, diz.

Para tornar a carreira mais atrativa, a especialista defende que o Estado invista em qualidade de vida e segurança no trabalho: “É necessário cuidado com a saúde mental e valorização da carreira como um todo, superando a cultura de brutalidade, que adoece os profissionais da segurança pública e desencadeia violações de direitos humanos, cujas principais vítimas são pessoas pobres, negras e moradoras da periferia. Enquanto esses investimentos não forem realizados pelo Estado, o desencantamento seguirá como uma realidade na Polícia Militar”, conclui.

A Gazeta questionou à PM-AL como analisa os dados e quais medidas têm sido adotadas para enfrentar o assédio moral, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.

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