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Onze anos depois, julgamento de PMs tem data marcada

Desaparecimento envolve denúncias de tortura, ocultação de cadáver e leva 4 PMs ao banco dos réus

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Maria José da Silva, mãe de Davi, segue mobilizada para que o caso não seja esquecido
Maria José da Silva, mãe de Davi, segue mobilizada para que o caso não seja esquecido | Foto: Arquivo GA

Mais de dez anos se passaram desde que o adolescente Davi da Silva, de 17 anos, foi abordado por quatro policiais militares da Radiopatrulha no Conjunto Cidade Sorriso, bairro do Benedito Bentes, em Maceió — e nunca mais foi visto. Desde então, a família aguarda pelo julgamento dos réus: Eudecir Gomes de Lima, Carlos Eduardo Ferreira dos Santos, Victor Rafael Martins da Silva e Nayara Silva de Andrade. Todos foram denunciados por tortura, homicídio e ocultação de cadáver. O júri popular foi marcado para o dia 13 de outubro de 2025.

O caso é considerado um dos mais emblemáticos da história criminal de Alagoas, tanto pela ausência do corpo quanto pelo suposto envolvimento de agentes públicos na ação.

Na manhã de 25 de agosto de 2014, Davi estava com o amigo Raniel Victor de Oliveira, também com 17 anos, quando ambos foram abordados por policiais. Segundo o sobrevivente, os dois portavam uma pequena quantidade de maconha para consumo próprio e não tinham ligação com o tráfico. Apenas Davi foi levado.

O Ministério Público de Alagoas (MPAL) sustenta que os adolescentes foram coagidos e agredidos para revelar informações sobre uma suposta “boca de fumo” na região. A abordagem teria sido feita por três homens e uma mulher da Radiopatrulha.

A Polícia Civil investigou quais equipes estavam de serviço naquele dia e o comandante da Radiopatrulha confirmou a presença de duas guarnições compostas por três homens e uma mulher. Fotografias dos policiais foram apresentadas a Raniel, que reconheceu os réus.

TESTEMUNHA-CHAVE FOI ASSASSINADA

Raniel, incluído no programa de proteção à testemunha, depôs contra os policiais, mas foi assassinado a pedradas e tiros em novembro de 2016, três dias após deixar o programa e retornar a Maceió. Apesar da morte, que não foi oficialmente relacionada ao caso de 2014, seu depoimento foi preservado e é considerado válido para o julgamento.

O advogado Arthur Lira, assistente de acusação pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca-AL), afirma que o conjunto de provas é sólido. “Os demais elementos de prova conduzem ao evento em questão. Nesse caso, os policiais também foram pronunciados por ocultação de cadáver”.

Além do depoimento de Raniel, outras três testemunhas afirmam ter presenciado a abordagem. Há ainda registros de Estações de Rádio Base (ERBs), que cruzam dados de data, hora e localização de ligações feitas pelos réus, reforçando a acusação.

Lira destaca ainda que a ausência do corpo não impede a responsabilização penal. “A marcação do júri reacende a esperança da responsabilização dos envolvidos”, afirma.

DEFESA CONTESTA PROVAS E NEGA CRIME

A defesa dos policiais nega o crime e contesta a consistência das provas. Para o advogado Napoleão Lima Júnior, os depoimentos e os registros das ERBs apresentam contradições. “A maior defesa dos policiais, por incrível que pareça, é o próprio inquérito da Polícia Civil e a denúncia do MP, que demonstram tecnicamente ser impossível a participação deles, se é que houve mesmo a abordagem”, afirma.

Ele também questiona a identificação dos acusados e os horários indicados pelas testemunhas, alegando que são incompatíveis com os dados oficiais. “Outro ponto importante são os horários em que as supostas testemunhas disseram ter visto viaturas, totalmente incompatíveis com os dados das ERBs e o relatório do Batalhão”, acrescenta.

MÃE MANTÉM LUTA POR JUSTIÇA

Maria José da Silva, mãe de Davi, segue mobilizada para que o caso não seja esquecido. “Lutei. Até hoje luto por ele. Coração de mãe nunca se engana. Não quero que esse caso fique impune”, declara. Ela descreve o filho como carinhoso, estudioso e prestativo. “Ele era meu braço direito. Os professores gostavam muito dele”.

Arthur Lira considera o caso um dos maiores exemplos de desaparecimento forçado em Alagoas. “Ele carregava as marcas de ser preto, pobre e da periferia, características que evidenciam desigualdades históricas na vitimização da população negra”, afirma.

A Gazeta procurou o Ministério Público Estadual, que informou que não irá se pronunciar antes do julgamento, em conformidade com as diretrizes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).

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