DADOS PREOCUPANTES
Alagoas registra 93 envenenamentos criminosos nos últimos cinco anos
Em agosto de 2023, uma jovem morreu após comer bombom dado por suposta cigana no centro de Maceió


Forma traiçoeira de machucar ou matar alguém, o envenenamento passou a ser um método cada vez mais usado para atingir covarde e silenciosamente pessoas próximas. Em Alagoas, casos vieram à tona nos últimos anos e em um deles não se encontrou uma motivação para tal brutalidade e nem mesmo a autoria.
Há dois anos, Fernanda Silva Valoz da Cruz, de 27 anos, aceitou um bombom de uma estranha no centro de Maceió, comeu o doce e em poucas horas morreu. Elas nunca tinham se visto antes. O encontro no calçadão do comércio com uma suposta cigana e o mal-estar que a levou ao hospital foram narrados pela vítima, por meio de um aplicativo de mensagens, à prima Fabrícia.
Em Alagoas dez pessoas morreram por envenenamento em 2025; já em 2024, foram 21 vítimas e em 2023, 14 pessoas. Os registros dos Institutos Médico Legal (IMLs) não separam a ocorrência por tipificação criminosa, apenas as causas. Ou seja, nesses dados estão inclusos suicídios e homicídios, como o caso da Fernanda.
Já o Ministério da Saúde relacionou 93 casos de intoxicação exógena em Alagoas, em cinco anos, que deixaram três mortes. Esses são casos exclusivamente de vítimas de homicídio.
No caso da Fernanda, foram encontradas no organismo dela sulfotep e terbufós, utilizados como pesticidas. Para a família, restaram dúvidas, indignação e um sofrimento sem tamanho. Aceitar aquele bombom de uma estranha foi a sentença de morte para uma mulher ainda jovem, aparentemente sem inimigos.
A Gazeta conversou com o pai e a prima de Fernanda, que convivem com a dor e a dúvida sobre o que realmente aconteceu naquele dia de agosto de 2023 e afirmam que nunca tiveram respostas satisfatórias em relação ao andamento das investigações.
Fernando e Fabrícia esperaram. Agora, no entanto, já não acreditam que a história terá um desfecho.
“A gente fica triste porque não deu em nada, a polícia nunca nos procurou, e não vai dar em nada. Vai continuar sendo um mistério para nós”, desabafa Fabrícia Valoz, que afirma que ela e a vítima eram muito próximas, confidentes e cresceram juntas.
Fabrícia diz que a morte de Fernanda foi pura maldade. Fernanda era casada, morava no Pontal da Barra, em Maceió, e deixa uma filha de 10 anos, a Mel, que hoje está sendo criada pela avó.
O pescador Fernando Valoz da Cruz é pai de Fernanda e já pediu muito pelo esclarecimento da morte da filha. Atualmente, diz que restaram mais dúvidas do que respostas para o caso. “A gente não tem para onde correr. A polícia disse que iria ficar à frente do caso, mas nada até agora”, lamenta.
OS ÚLTIMOS MOMENTOS
“Eu queria tanto ir aí ver a ‘mamis’...pois é, tô indignada com a minha burrice”, disse Fernanda à prima, em conversa pelo WhatsApp, ao se referir ao fato de ter comido algo oferecido por uma estranha na rua. Na mesma tarde, ela piorou e acabou sendo internada na Santa Casa de Maceió. “Tem que ter mais cuidado com o que come na rua”, reagiu Fabrícia. Essa foi a última troca de mensagens entre elas.
Naquele início de agosto de 2023, no dia 3, Fernanda foi pagar uma conta em uma loja do Centro de Maceió, quando foi abordada, nas imediações do antigo Bar do Chopp. A mulher que andava em grupo e se apresentou como cigana pediu para ler a mão de Fernanda. Foi então que disse que a jovem teria poucos dias de vida e sugeriu que comesse o bombom.
Um dia antes de morrer, a jovem passou mal e apresentou dores estomacais, vômito, sangramento pelo nariz e salivação excessiva expelida pela boca.
“Por volta das 22h do dia 3 de agosto (de 2023), o marido dela me ligou informando que ela já estava pior, até sem conseguir respirar direito. Passei a noite inteira na emergência com ela, mas, no dia seguinte, umas 04h20 da madrugada do dia 4, ela veio a óbito”, recorda Fabrícia.
Sobre a morte de Fernanda, a Polícia Civil de Alagoas informou que o caso ainda não foi finalizado e continua na delegacia especializada de homicídios para novas diligências.

CASOS RUMOROSOS
Em novembro de 2024, a Polícia Civil de Alagoas começou a investigar a morte da professora Joice dos Santos Silva Cirino, 36 anos, após comer uma coxinha. O caso aconteceu na cidade de São Brás. Segundo a perícia, a morte dela foi causada por envenenamento. O marido da vítima, Felippe Cirino, acabou preso.
Joice passou mal após comer o lanche dado a ela pelo marido, de quem estava em processo de separação e chegou a ser levada para uma unidade de saúde, mas não resistiu e faleceu no dia 9 de outubro de 2024. Os médicos suspeitaram de envenenamento e acionaram a Polícia Civil.
O parecer técnico da Polícia Científica aponta que as coxinhas ofertadas por Felipe Silva Cirino a Joice dos Santos Silva estavam contaminadas por sulfotep e terbufós — mesmas substâncias encontradas no organismo de Fernanda.
Já em abril deste ano, Ingrid Nathally Nascimento, mãe do pequeno Anthony Levy, foi à imprensa para pedir justiça. O menino morreu aos 4 anos de idade, envenenado pelo próprio pai, Matheus Omena Soares dos Santos. O crime aconteceu em maio de 2024.
Matheus colocou chumbinho — geralmente um agrotóxico desviado de seu uso agrícola e usado como raticida — no mingau e serviu para o menino, que morreu horas depois ao passar mal, em Maceió.
COMPRA DE VENENO
Sobre o acesso ao veneno que já provocou tantas mortes em Alagoas, a Secretaria de Saúde de Maceió informou que a fiscalização de raticidas é feita pela Vigilância Sanitária em lojas especializadas, supermercados e feiras livres e que os produtos vendidos nesses locais são autorizados pelo Ministério da Saúde e da Agricultura.
Já a comercialização clandestina, geralmente de fabricação caseira, é acompanhada por meio de fiscalizações constantes, atendimento à denúncia e com ações educativas.
A Agência de Defesa Animal (Adeal) informou à reportagem que faz a fiscalização das revendas e o controle da venda dos produtos agrotóxicos. Para o produto sair da loja, por exemplo, precisa de uma receita agronômica. Com isso, os estabelecimentos enviam para a Adeal, mensalmente, tudo o que foi vendido e todas as receitas.