21 ANOS
‘SOU UM VENCEDOR’: sobrevivente de serial killer relembra ataque no Vergel
Alan Vítor dos Santos conhecia outras nove vítimas do assassino em série Albino Santos de Lima


Era 23h50 do dia 12 de junho de 2024. Chovia no final daquela noite de Dia dos Namorados. Alan Vítor dos Santos Soares acordou cedo para comprar o presente da namorada. Porém, trabalhou o dia inteiro em sua barbearia e só entregaria a lembrança no dia seguinte.
Ao fechar o estabelecimento, quase à meia-noite, o jovem de 20 anos aproveitou a trégua da chuva para retornar à casa onde morava com a avó.
Foi em uma rua estreita no Vergel do Lago, a poucos metros de entrar no imóvel, que encontrou Albino Santos de Lima, o serial killer de Maceió.
Dois tiros nas costas, um na nuca e outro de raspão na orelha. Alan ficou um mês em coma no Hospital Geral do Estado (HGE). Após a alta, ele passou a usar uma bolsa de colostomia e enfrenta crises epilépticas em decorrência das lesões.
Hoje, com 21 anos, Alan é uma das seis vítimas que sobreviveram ao ataque do homem preso por tentativas de homicídio e outros 18 assassinatos.
“Foi um milagre”, define Alan sobre sobreviver ao ataque. Ele conta que naquela noite, ao sair da barbearia, sentiu-se seguido. “Quando olhei para trás, ele já estava apontando a arma para mim. Veio o primeiro tiro. Foi tão rápido, não vi a cara dele. Foi tiro na cabeça e eu não vi mais nada”, relembra.
CORTES E CICATRIZES

Morador da periferia de Maceió, desde cedo Alan Vítor precisou lidar sozinho com os desafios da vida. Perdeu os pais ainda criança e passou a morar com a avó materna.
Foi ela, relata Alan, quem o incentivou a montar uma barbearia ao notar o talento do neto ao cortar o cabelo dos irmãos. Cedeu um espaço da casa para ele iniciar o negócio.
“Eu tive que me virar”, recorda. A clientela só aumentava, especialmente porque Alan se especializou no corte masculino conhecido como “reflexo”, muito procurado.
A movimentação fez a avó perceber que ele precisava de um local só dele.
“Eu evoluí muito rápido. Aluguei um espaço, comecei a cortar cabelo. Tudo dando certo. Estava querendo colocar ar condicionado. Do nada, aconteceu isso comigo”.
Mas a vida de Alan não se resumia à barbearia. Aos finais de semana, além de se encontrar com a namorada, frequentava a praia do Sobral para surfar com os amigos. Depois do ataque, abandonou a prática por causa da bolsa de colostomia e das crises de epilepsia.
“Eu tenho medo de tudo hoje em dia. Tenho medo das crises porque elas aparecem de repente. Vai que eu esteja na água e tenha uma crise, quem vai me ajudar?”, reflete, afirmando que os cuidados também se estendem às piscinas e ao futebol.
Alan teme que precise usar a bolsa de colostomia por toda a vida. “Tenho medo de ficar com isso para sempre. Isso é ruim demais. Eu, um cara jovem, antes disso acontecer comigo, não sentia dor, não tomava nem dorflex”, reforça.
Após dois meses internado no Hospital Geral do Estado (HGE), Alan muito se perguntou sobre quem teria tentado matá-lo. Querido no bairro, sem envolvimento com ilícitos e sem conflitos, vagava em pensamentos sem entender os motivos do crime.
O Boletim de Ocorrência só foi registrado quatro meses depois, em novembro de 2024, quando Alan soube da morte do amigo e também barbeiro Emerson Wagner, de 17 anos, assassinado no dia 21 de junho.
Desconfiado de que o autor do crime fosse o mesmo que o atacara, procurou a delegacia. A essa altura, Albino já estava preso.
“Eu falava: ‘Queria tanto saber quem fez isso comigo, porque não faço mal a ninguém’. Eu fiquei sem saber por algum tempo. Levei os tiros de quem?”, relata.
Na delegacia, descobriu que já estava no rol de vítimas do serial killer. Albino havia registrado no drive do celular fotos e nomes das vítimas, com as datas dos crimes, incluindo Alan.
A princípio, segundo a Polícia Civil, Albino acreditou tê-lo matado.
O próprio acusado, em depoimento, confessou que tentou atirar mais vezes, mas não conseguiu porque a arma falhou.
Uma testemunha ocular confirmou que viu Albino caminhando e golpeando a arma, o que indicava problema no funcionamento.
Com a perícia nos arquivos do criminoso, a polícia constatou que Alan estava sendo monitorado. O barbeiro afirma que Albino o seguia no Instagram, mas só percebeu depois do crime.
Os investigadores encontraram várias capturas de tela das imagens da rede social dele.
Alan conta que nunca tinha visto Albino, mas conhecia nove das dez vítimas da parte baixa de Maceió. O assassino em série também é responsabilizado por outros oito homicídios na parte alta da cidade. Os crimes ocorreram entre 2019 e 2024.
Entre as vítimas conhecidas de Alan estavam o amigo Emerson e o primo John Lenno dos Santos Ferreira, de 20 anos, assassinado junto com a namorada, Débora Vitória dos Santos, de 21 anos.
O PERFIL DAS VÍTIMAS
A Polícia Civil constatou que Albino tinha um perfil determinado para as vítimas da parte baixa: a maioria era de mulheres, com cabelo cacheado e moradoras do Vergel do Lago. Os jovens, por sua vez, tinham relacionamentos com meninas com essas características.
Recomeçar não tem sido fácil. Ainda assim, Alan voltou a trabalhar com cortes de cabelo. No início, devido às sequelas, esqueceu parte da técnica, mas aos poucos foi retomando o ritmo. O foco agora é crescer e investir no ramo.
“Eu estava esquecendo, mas graças a Deus hoje em dia eu voltei. Estou estudando nesse negócio de barbearia. Terá um evento em que vou ensinar o corte ‘reflexo’. Faço workshop para barbeiros, oficina e penso em investir e contratar mais gente para ficar aqui comigo”, pontua.
Hoje ele mora sozinho e garante que a proteção de Deus e da mãe o ajudaram a sobreviver e seguir em frente.
“Sempre Deus esteve comigo e minha mãe. Para mim, sou um vencedor. Já passei por tanta coisa. Perdi minha mãe e meu pai. Tenho só meus irmãos e minha avó hoje em dia. E contei com a ajuda dos meus amigos barbeiros”, relata.
O julgamento está marcado para 4 de setembro de 2025, às 8h, no Fórum do Barro Duro. Alan Vítor aguarda o momento em que ficará frente a frente com Albino.
“Eu quero ver ele olhar para a minha cara. Porque de todos que ele matou, ele verá que eu fiquei vivo."