MAIS DE UM SÉCULO DE HISTÓRIA
Alagoana de 116 anos pode ser a pessoa mais velha do mundo
Joana Espírito Santo nasceu em fevereiro de 1909 no município de Capela, na Zona da Mata do Estado


Poucas pessoas vivas hoje podem dizer que atravessaram mais de um século de história. Joana Espírito Santo, de 116 anos, é uma dessas raras testemunhas do tempo. Nascida em 1909, no município de Capela, interior de Alagoas, ela viu o mundo se transformar diante de seus olhos. Presenciou a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, acompanhou a conquista do voto feminino, a chegada da televisão, a corrida espacial, o regime militar no Brasil e a redemocratização do país. Também enfrentou enchentes, pandemias e vivenciou o avanço das tecnologias digitais que mudaram o cotidiano das novas gerações.
Embora não figure nos registros oficiais de recordes de longevidade, seu RG confirma a data de nascimento: 2 de fevereiro de 1909. Isso a coloca entre as pessoas mais velhas em vida — a mais longeva oficialmente reconhecida é Ethel Caterham, do Reino Unido, que completou 116 anos na última quinta-feira (21).
Ao longo de mais de um século, dona Joana experimentou diferentes Brasis e diferentes mundos, carregando consigo uma época em que as ruas eram de barro, a comunicação se dava por cartas e o transporte era feito em carroças e trens a vapor. Você já parou para pensar como as coisas funcionavam há cem anos? Joana vivenciou tudo isso na prática.
Se, por um lado, o mundo mudava em ritmo acelerado, por outro a vida dela foi marcada pela dureza do campo e pela necessidade de sobreviver.
Hoje, residente em Rio Largo, na Região Metropolitana de Maceió, ela continua a surpreender pela vontade de viver. Com problemas de audição que dificultam a compreensão do que se fala ao redor e uma memória já não tão precisa, conta ter sido abandonada pela mãe e criada por um padrinho. Casou, teve 21 filhos, ficou viúva cedo e precisou “se virar” para sustentar a família. A vida no campo foi seu destino: cortou cana-de-açúcar e plantou mandioca. Também trabalhou como doméstica, em uma luta diária pela sobrevivência.
Católica devota, carrega a fé até no sobrenome e faz da oração um hábito, com o rosário sempre ao lado da cama. Credita a Deus sua longevidade. “Não tenho segredos. É a vontade de Deus”, costuma repetir quando perguntada sobre como chegou aos 116 anos. Para ela, cada novo amanhecer é motivo de gratidão. “Rezo o rosário e me encomendo a Deus, para que dê minha saúde para viver mais”, diz dona Joana.
Com apenas quatro filhos vivos atualmente, mas uma família numerosa — mais de 20 netos e 50 bisnetos —, a centenária vive hoje com a filha Maria de Lourdes, de 60 anos, e o genro, em uma casa simples de conjunto habitacional. No dia a dia, gosta de comer cuscuz com leite e tomar café. Também tem trocado o dia pela noite, acordando de madrugada para cantar suas cantigas preferidas. “Ela costuma ficar acordada na madrugada para cantar e eu acabo ficando sem dormir”, relata Lourdes, que deixou o trabalho para cuidar da mãe, aposentada e que precisa de acompanhamento constante, especialmente pelo risco de quedas.
Apesar das limitações impostas pela idade, Joana mantém uma alegria contagiante. Se há uma atividade que ainda lhe dá prazer, é cantar. Com voz frágil, mas firme, entoa canções religiosas e a popular “Acorda, Maria Bonita!”, em homenagem à mulher ícone do cangaço nordestino.
Foi com essa canção que recebeu a equipe da Gazeta em sua casa, na manhã da última quinta-feira (21). Já sem forças para permanecer de pé por muito tempo, Joana esperava a reportagem sentada no sofá, vestida de branco com poás verdes e usando um coque preso com um arranjo de flores. Seus olhos azuis transmitiam força e o sorriso fácil, repetido diversas vezes durante a entrevista, mostrava que vale a pena viver, independentemente das dificuldades.
SOBREVIVENTE
A vida nunca foi fácil para essa mulher centenária, mas nem mesmo as maiores tragédias conseguiram abalar sua disposição de seguir em frente. Em 2010, quando morava em Murici, perdeu a casa para a enchente, junto com todos os pertences, documentos e fotografias. Após o episódio, passou cerca de dois anos em um ginásio, até se mudar para uma casa entregue pelo governo, dentro do Programa da Reconstrução. Somente há pouco mais de três anos, foi morar em Rio Largo.
Durante a pandemia de Covid-19, foi a única em casa que não contraiu a doença, mas permaneceu permanentemente isolada em seu quarto, sem contato com o mundo externo. Com apenas um pulmão em funcionamento e idade avançada, a infecção poderia ter sido fatal.
Se a vida lhe trouxe perdas dolorosas, também lhe reservou momentos de celebração que ela faz questão de recordar. Analfabeta, fala repetidamente sobre episódios marcantes de sua trajetória, como o abandono da mãe, a morte do marido — vítima de febre por volta de 1975 — e o árduo trabalho no corte da cana. “Eu trabalhava, nunca fiquei de conversinha de porta em porta não”, revela. Lembra também, com alegria, da própria festa de casamento: “Foram três dias de festa. Três dias e três noites dançando”, recorda, citando ainda as viagens em romaria para Juazeiro.
Hoje, cercada pela família, Joana é uma testemunha do tempo. É prova viva de que coragem e esperança atravessam gerações. Mais do que números, datas e marcos históricos, sua trajetória representa resistência, fé, simplicidade e força. Aos 116 anos, ela carrega na memória e no coração as marcas de uma vida inteira de lutas e conquistas, mostrando que longevidade vai além do tempo vivido. Ela lembra que, apesar das perdas e dificuldades, sempre há motivos para agradecer e cantar a vida.
MAIS LONGEVOS EM ALAGOAS
A organização científica LogeviQuest, que é especializada em longevidade extrema e validação de idade de supercentenários, lista outra alagoana entre as 10 pessoas mais longevas da atualidade, com 114 anos e ocupando o 10° lugar do ranking mundial.
Yolanda Beltrão de Azevedo nasceu em Coruripe, no Litoral Sul de Alagoas, em 13 de janeiro de 1911. Questionada sobre o segredo de sua longevidade, ela contou que comia uma variedade de alimentos, mas evitava suco de maracujá, pois causava desconforto estomacal. Ela também gostava de fazer crochê, explicando que a atividade a mantinha focada: “Quando faço crochê, não penso em mais nada, então nunca perco um ponto”.
No Brasil, oficialmente, a pessoa mais velha é Izabel Rosa Pereira, com 114 anos. Ela nasceu em 13 de outubro de 1910 em Minas Gerais.