MAPEAMENTO
Alagoas tem 305 pontos vulneráveis à exploração sexual infantil em rodovias federais
Estado ocupa o 17º lugar no ranking nacional; seis pontos são considerados críticos; maioria está em postos, bares e hospedarias


Por trás dos tons de verde das paisagens que encantam quem trafega pelos 780 quilômetros de rodovias federais que cortam Alagoas, a sombra da exploração sexual de crianças e adolescentes nas estradas insiste em permanecer. O estado tem 305 pontos vulneráveis, distribuídos em 38 municípios, seis deles considerados críticos: dois em Messias (BR-101), dois em Rio Largo (BR-101), um em Dois Riachos (BR-316) e outro em Junqueiro (BR-101).
Segundo o último mapeamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF), relativo aos anos de 2023 e 2024, os pontos vulneráveis à exploração sexual infantil em Alagoas estão espalhados pelos trechos das BRs 316, 101, 104, 423 e 110. Quase cem são postos de combustíveis; outros 56, bares; e 48, pontos de alimentação espalhados pelas estradas.
Geralmente associada à vulnerabilidade social, a exploração sexual é caracterizada como sexo mediante pagamento, seja em troca de dinheiro, comida ou transporte.
Os pontos considerados críticos em Messias e Rio Largo incluem três postos de combustíveis, um comércio informal, uma hospedaria e um prostíbulo. Em relação àqueles classificados como de alto risco para a prostituição infantojuvenil, foram mapeados 63, distribuídos em 19 municípios: 41 na BR-316, 19 na BR-101 e três na BR-423.
“VI PROSTITUIÇÃO EM PALMEIRA DOS ÍNDIOS”
“Em Palmeira dos Índios eu vi prostituição infantil. Aqui é mais tranquilo [em Rio Largo], mas naquela cidade eu vi. É uma situação difícil de se ver. Acho que tem a ver com as condições da população que mora lá e a falta de fiscalização”. O relato é do caminhoneiro Adalberto Tomás da Silva, de 60 anos, com mais de quatro décadas de profissão.
Natural do Mato Grosso e atualmente morando em Feira de Santana (BA), Adalberto tem muitas histórias para contar sobre suas jornadas pelas estradas. “Já rodei o País quase todo. Vejo mais essa questão da prostituição no Nordeste. Acho que aqui tem muita mão de obra e não tem serviço”, avalia.
Adalberto afirma que costuma parar e pernoitar na BR-101, em Rio Largo, onde, segundo ele, não há movimentação de prostituição, ao menos que ele tenha presenciado. “Aqui tem segurança. Se algum menor chegar acompanhado, eles serão abordados. Nunca vi por aqui essa situação”, afirma.
Ailton Diego Silva diz trabalhar nas estradas há cerca de dez anos. Morador de Jaú, interior de São Paulo, conta que sofreu dois assaltos em Belém (PA), no Norte do país. “As pessoas falavam para eu tomar cuidado aqui, mas, na verdade, nunca tive problema esse tempo todo. Vi no Norte algumas situações de prostituição de menores, mas no Nordeste nunca”, relata.
Nos dez anos ao volante, Ailton passa por Alagoas e Bahia há pelo menos seis deles. “Vejo muitos gays, meninos bem jovens, em pontos de prostituição. É o que eu mais vejo. A gente sabe que isso acontece”, completa.
Uma funcionária de um estabelecimento às margens de uma rodovia federal em Alagoas conta que mais de cem caminhoneiros param no local diariamente para descansar, comer ou abastecer. “Tem uns três meses que teve uma fiscalização aqui. A gente preza muito pela segurança. Nunca tivemos ou vimos crianças ou adolescentes se prostituindo aqui, abordando ou sendo abordados por caminhoneiros”, explica a jovem.
DADOS NACIONAIS
Alagoas ocupa a 17ª colocação entre os estados com mais pontos de exploração sexual de crianças e adolescentes e o sétimo lugar no Nordeste, apresentando mais localidades apenas que o Rio Grande do Norte, com 287, e Sergipe, com 253. O estado nordestino com mais pontos vulneráveis é o Piauí, com 2,4 mil, ficando atrás apenas de Minas Gerais, que registrou 3,5 mil.
As informações são fruto do Projeto Mapear, uma iniciativa da PRF em parceria com a Childhood Brasil. Entre 2023 e 2024, na 10ª edição do levantamento, foram identificados 17.687 pontos em todo o país, um aumento de 83,2% em relação à edição anterior. Desses, 807 foram classificados como críticos (4,6%), 2.566 como de alto risco (14,5%), 5.237 como de médio risco (29,6%) e 9.077 como de baixo risco (51,3%).
ENFRENTAMENTO E PREVENÇÃO
“A exploração sexual de crianças e adolescentes é uma das piores formas de trabalho infantil”, afirma Cláudia de Mendonça Braga Soares, procuradora do Trabalho e coordenadora regional da Coordinfância em Alagoas, no Ministério Público do Trabalho (MPT). Ela ressalta que se trata de “um fenômeno socialmente perpassado pelas questões de gênero, raça/etnia, idade e classe social”.
A procuradora cita como fundamental o Projeto “Caminhos Seguros”, uma iniciativa conjunta do MPT e da PRF, também coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. A ação busca proteger os direitos fundamentais do trabalho e da dignidade humana, com abordagem que vai além da repressão ao crime, focando também na prevenção e proteção das vítimas.
“A exploração sexual de crianças e adolescentes configura uma das mais graves violações a direitos humanos, consistindo em uma violência sexual acompanhada de uma relação de mercantilização, isto é, crianças e adolescentes são tratados como objetos ou mercadorias para satisfação sexual do agressor”, acrescenta.
O policial rodoviário federal Lisboa Júnior explica que a metodologia do projeto permite identificar pontos de circulação onde pode haver risco, e, com base em características de vulnerabilidade, classificá-los quanto ao grau de risco — baixo, médio, alto ou crítico.
Ele destaca que os locais mapeados não são necessariamente espaços onde há efetiva exploração sexual, mas que os considerados críticos e de alto risco se tornam alvo de ações da PRF, com atuação antes da ocorrência do crime. Por isso, o Projeto Mapear também se configura como uma política de policiamento preventivo.