INDEPENDÊNCIA
Número de pessoas vivendo sozinhas cresce em AL e reflete mudanças sociais
De 2012 a 2024, total de lares unipessoais no Estado passou de 99 mil para 175 mil


Viver só deixou de ser exceção. No Brasil e em Alagoas, o número de pessoas que moram sozinhas tem crescido de forma constante, entre jovens, adultos e idosos. Segundo levantamento recente do IBGE, a quantidade de domicílios unipessoais no estado praticamente dobrou desde 2012, passando de 99 mil para 175 mil em 2024. A cada ano, a tendência se consolida.
Cristiano das Neves Bodart, professor da UFAL e doutor em Sociologia pela USP, analisa os dados e destaca que o movimento reflete a retomada de um processo que já vinha ocorrendo antes da pandemia. “De 2014 a 2019, o estado registrou um aumento expressivo de indivíduos que optaram por morar sozinhos. Em 2019, eram 183 mil nessa condição. Com a pandemia de Covid-19, esse número caiu drasticamente, chegando a quase 41% de redução em 2020. Em 2024, voltou a 175 mil, o que indica recuperação dessa tendência”, observa.
Segundo ele, retornar para a casa dos pais durante a pandemia parecia o movimento natural, tendo em vista as incertezas do período, inclusive no âmbito financeiro. “A queda se explica, em parte, porque muitos que viviam sozinhos pela proximidade com o trabalho retornaram às casas de origem. O isolamento, o medo de adoecer e a solidão também levaram diversos a buscar companhia”.
Além do desejo de independência, em muitos casos a mudança decorre de necessidade: estar mais perto da faculdade, do emprego ou de outras responsabilidades. Jovens relatam que a decisão de sair da casa dos pais surge mais de uma exigência prática do que de uma vontade própria.
Foi o caso de Alexandre Barbosa, que deixou Jundiá rumo a Maceió para investir na carreira. “Eu precisei vir do interior para Maceió por conta da faculdade. No início, cursando jornalismo, viajava todos os dias. Até que comecei a procurar estágio porque queria ter experiência antes de me formar. Não podia concluir o curso sem estagiar, pois sabia o quão arriscado seria para me firmar no mercado de trabalho”, relembra.
No começo, Alexandre dividia moradia com a irmã e amigos, mas a convivência se tornou insustentável devido à rotatividade de moradores e conflitos de rotina. “Comecei a me incomodar com certos comportamentos, principalmente em relação aos espaços comuns: limpeza, organização, distribuição de tarefas… Isso gerava conflitos”, conta.
Já Eliana Farias, baiana que veio a Maceió para estudar, teve experiência oposta. “Tentei procurar algumas pessoas para dividir apartamento, mas não consegui. E acabou que aluguei um apartamento só para mim. Já faz quase quatro anos que moro sozinha aqui em Maceió”, relata a jovem, ao dizer que acabou gostando da experiência.
CARREIRA PROFISSIONAL OU MATRIMÔNIO
A busca por autonomia, tão valorizada por Barbosa, também é determinante para muitos jovens que optam por residências individuais. Dados do IBGE mostram que, em 2012, cerca de 8 mil pessoas entre 15 e 29 anos viviam sozinhas em Alagoas. Em 2024, esse número alcançou 22 mil. O auge foi em 2018, antes da pandemia, com 26 mil lares unipessoais nessa faixa etária.
Segundo Bodart, parte desse crescimento se explica pela queda nos casamentos e pela mudança de prioridades entre os jovens. “A exigência do mercado de trabalho também pesa. Muitos adiam a ideia de formar família para investir mais tempo nos estudos e na carreira. Isso prolonga o período em que vivem sozinhos ou em arranjos não tradicionais”, pontua.
Eliana afirma que pensa em se casar, mas, próxima de concluir a graduação, prioriza a formação acadêmica atualmente. “Eu penso em casar, em dividir a minha vida com outra pessoa. Acho que é um dos meus objetivos pessoais. Mas não é uma realidade tão próxima agora. Tenho 24 anos, estou terminando a graduação e penso em um mestrado”, afirma.
Outro aspecto relevante é a crescente autonomia feminina, tanto financeira quanto pessoal. Hoje, a proporção de mulheres chefes de domicílio praticamente se iguala à de homens, o que reflete maior independência econômica e liberdade para decidir viver sem companheiro.
Entre os idosos, a maioria dos que vivem sozinhos são mulheres, fenômeno que Bodart chama de “feminilização da velhice”. Entre 2012 e 2024, o número de residências unipessoais de idosos aumentou em pelo menos 21 mil. “Como as mulheres vivem, em média, mais que os homens, especialmente após os 60 anos, é comum encontrarmos mais idosas morando só, muitas vezes devido à viuvez”, comenta Bodart.
O fator econômico também influencia. De acordo com o sociólogo, a elevação da renda média no estado possibilitou que muitos deixassem a casa dos pais ou lares compartilhados para arcar com o próprio sustento.
Bodart reflete sobre a permanência do fenômeno. “O que vemos hoje não é algo passageiro, mas parte de uma transformação social mais ampla. À medida que o ideal de sucesso profissional e de consumo se torna mais valorizado — e que o acesso à informação, à escolarização e à urbanização ampliam as possibilidades individuais — cresce a disposição de viver de forma mais autônoma. As dinâmicas atuais indicam que essa tendência veio para ficar”.