COMIDA VERDE
O futuro é vegano: Veganismo cresce e inspira mudanças de vida e negócios, inclusive em Alagoas
Movimento ganha força no Brasil e transforma hábitos, negócios e consciências


Sete em cada cem brasileiros já se declaram veganos, e o número não para de crescer, mostrando que o veganismo tem se consolidado como um dos movimentos de estilo de vida em plena expansão. Mais do que uma escolha alimentar, ele representa uma filosofia que busca excluir, na medida do possível, qualquer forma de exploração animal. Essa mudança de consciência se reflete não apenas no prato, mas também no consumo de roupas, cosméticos e até nas práticas cotidianas.
No Brasil, o interesse pelo veganismo tem acompanhando uma tendência global. Supermercados, restaurantes e até grandes redes de fast-food já passaram a incluir opções veganas em seus cardápios, refletindo uma demanda cada vez mais expressiva. Ao mesmo tempo, o debate sobre sustentabilidade e bem-estar animal impulsiona ainda mais a adesão a esse estilo de vida.
Adotar o veganismo, no entanto, envolve desafios práticos e culturais. Para muitos, a transição exige pesquisa, planejamento e, em alguns casos, até enfrentar resistência de familiares, amigos e da sociedade de maneira geral. Apesar disso, relatos de veganos destacam benefícios não apenas para a saúde, mas também para a consciência ambiental e a coerência entre valores pessoais e escolhas diárias.

A advogada Daniela Cólen, de 32 anos, se tornou vegana há oito anos, após ser inspirada por uma amiga. O novo estilo de vida mudou o paladar dela, abrindo portas para inúmeros sabores e texturas que, até então, desconhecia.
“Durante todo o meu desenvolvimento como ser humano, sempre admirei pessoas que não comiam carne, mas tinha a ideia fixa de que ser vegana seria impraticável para mim, até que uma amiga me inspirou a mudar. Antes, eu tinha uma alimentação muito deficitária e o meu paladar era infantil. Como a minha relação com os animais sempre foi profunda desde a infância, quando aderi ao veganismo, ninguém da minha família ficou surpreso”, ressaltou.
Para ela, a transição para o veganismo é muito custosa e a maior dificuldade enfrentada por quem escolhe esse estilo de vida é substituir os alimentos. “A transição é sempre muito custosa e há muita resistência das pessoas ao nosso redor, por isso podemos nos sentir muito sozinhos. A maior dificuldade do vegano não é necessariamente fazer abdicações, mas encontrar substituições. Eu, por exemplo, não tenho dificuldade em não comer uma fatia de bolo em um aniversário, mas é muito difícil para mim encontrar uma fatia de bolo vegano no mercado”, relata.
E como tudo na vida, o início do processo foi o mais difícil e marcado por muitas restrições. Sem saber o que comer, mas deixando de ingerir muitos alimentos, Daniela perdeu peso e estava se sentindo mais fraca. Diante disso, precisou estudar e buscar ajuda de profissionais da nutrição, o que a fez chegar na sua melhor performance alimentar.
Para Daniela, o veganismo é, antes de qualquer coisa, um movimento político. “O vegano está preocupado em direcionar o desenvolvimento humano para caminhos mais prósperos e saudáveis. Eu costumo dizer que quem está aberto a sentir simpatia pelos animais e se responsabilizar pelo seu bem-estar, também está disponível para elevar a sua compreensão e adaptação aos direitos humanos como um todo”, completa.

Pesquisa
Dados de uma pesquisa realizada pelo Datafolha no final de 2024 apontam que 7% da população brasileira atual é vegana. A pesquisa também apontou que, nas cidades do interior, as pessoas discordam mais sobre parar de comer carne. Nas regiões metropolitanas e entre mulheres, no entanto, essa tentativa é maior. Além disso, 74% declararam que parariam de comer carne pela saúde; outros 43% afirmaram que deixariam de consumir esse tipo de proteína pelo meio ambiente e 42% pelos animais.
O jornalista Isaac Neves, de 36 anos, começou a retirar os produtos de origem animal da vida dele ainda em 2015, se tornando vegano quatro anos depois, em 2019, influenciado, inicialmente, pelos conteúdos que via nas redes sociais.
“Comecei a me interessar sobre o assunto e fiquei convencido de que não temos direito de fazer o que fazemos com os animais. Antes de me tornar vegano, não tinha nada de especial na minha alimentação. Consumia carnes, leite e ovos normalmente, como é o padrão na sociedade. Eu entendo que veganismo é uma questão de justiça, e a gente não precisa necessariamente ter um amor ou uma empatia especial por alguém para enxergar uma injustiça e não participar dela”, fala.

Isaac conta que a transição dele para o veganismo foi gradual, eliminando os alimentos de origem animal. Aos poucos, ele foi descobrindo formas de consumir os de origem vegetal que o agradavam. “Enquanto isso, aprendi também sobre cosméticos e testes em animais. Como tive acesso a nutricionista e informações de qualidade na internet, não sinto que tive grandes dificuldades, mas entendo que para cada pessoa o processo pode ser diferente, por isso é importante ter clareza sobre as motivações”, fala Isaac.
Ele considera que a oferta de produtos veganos no mercado melhorou bastante nos últimos anos. Apesar disso, ainda não a considera ideal e nem acessível pelos altos valores cobrados. “Em Maceió, especificamente, alguns produtos não chegam, então compro pela internet. Mas a qualidade e a variedade melhoraram muito nos últimos anos, hoje já dá pra matar a vontade de comer alguma coisinha diferente sem precisar cozinhar. Penso que a tendência é melhorar, e acredito também que deveria haver políticas de incentivo aos produtos ‘plant-based’, para estimular esse mercado”, destaca.

Aplicativo para veganos
E foi pensando em facilitar a vida dos veganos, especialmente das pessoas que estão em processo de transição, que Isaac criou o aplicativo Wikiveg, que ajuda na identificação dos produtos veganos existentes nas prateleiras dos supermercados. Isso porque muitos itens que não são rotulados como veganos, não têm nenhum ingrediente de origem animal e podem sim ser consumidos por essas pessoas.
"São bolachas, biscoitos, salgadinhos…coisas que você encontra em qualquer mercadinho de esquina. Especialmente para os iniciantes, nem sempre é fácil decifrar a lista de ingredientes e descobrir se é apto para veganos. Também há os cosméticos, sobre os quais pesa muito a preocupação acerca dos testes em animais, e no Wikiveg as pessoas podem se informar sobre isso também”, afirma
Ele explica também que, no aplicativo, os próprios usuários cadastram os produtos e ajudam outros usuários fazendo a análise deles. Recentemente, também foi lançado no app um mapa de restaurantes veganos e com opções veganas”, completa.
Para Isaac, o veganismo é o princípio ético segundo o qual todos devemos respeitar os animais enquanto indivíduos que, de fato, são, e não explorá-los, objetificando e tratando como mercadoria e fonte de recursos. “A alimentação livre de ingredientes de origem animal, ou seja, vegetariana estrita, é uma consequência desse princípio. É a prática que mais impacta no dia a dia de quem se conscientiza sobre veganismo, mas há várias outras. Ser vegano significa não usar roupas feitas com partes de animais, boicotar produtos desenvolvidos com testes em animais, não participar de eventos onde animais são usados para entretenimento, não usar animais de uma forma geral”, explica.

Motivação para empreender
O empresário Uriel Diaz Langou, de 30 anos, está nos últimos preparativos para a reabertura de um restaurante vegano e 100% vegetariano que se tornou referência em Maceió, o Ser-Afim. Fundado pela mãe dele, Nídia Inês Battaglia, em outubro de 2012, o local funcionou por doze anos, mostrando que comida vegana e vegetariana pode ser gostosa e surpreendendo inúmeros paladares.
“Abrimos o Ser-Afim porque meus pais já tinham essa linha naturalista e minha mãe sempre cozinhou muito bem. Lá atrás, o termo vegano não era muito conhecido, ainda era algo muito novo, e nossa maior propaganda era o boca a boca. As pessoas que iam lá e gostavam do sabor da comida. O nosso primeiro princípio é o de que se alimentar bem, tem que ser gostoso. Viemos para quebrar isso de que comida natural não tem sabor”, fala.
Uriel destaca que empreender no ramo da gastronomia vegana não é fácil, principalmente pelo preconceito que existe entre as pessoas.
“Elas já têm uma ideia pré-estabelecida sobre isso. O nosso principal desafio é ultrapassar essa barreira e fazer com que as pessoas se permitam conhecer e experimentar. Muitas vezes evitávamos usar o termo vegetariano ou vegano e usávamos apenas o ‘natural’. Quando as pessoas se permitiam provar, ficavam surpresas. Elas achavam que iam chegar lá e encontrar alface e soja, mas nós temos de tudo: milk shake, lasanha, acarajé, uma variedade de risotos e até hambúrguer”, conta o empresário.
Para Uriel, a alimentação natural, vegana e vegetariana, é o futuro, considerando que as pessoas estão, cada vez mais, tendo consciência da questão ambiental e sustentável. “E essa consciência se reflete, claramente, na alimentação, porque comer é um ato político e a tendência é que, cada vez mais pessoas tenham acesso a esse tipo de alimentação”, destaca.
O novo restaurante Ser-Afim vai ser reaberto neste mês de outubro, no bairro da Ponta Verde, trazendo, além de almoço e jantar, o universo do café, com a oferta de inúmeros salgados e doces no cardápio.
E para quem está pensando em dar os primeiros passos para adotar esse estilo de vida, Daniela dá a dica: “O maior conselho que eu possa dar é que seja o que você consegue ser. O ‘vegano perfeito’, aquele que aderiu absolutamente a todos os direcionamentos do veganismo, é uma ilusão. É sempre importante ser flexível e respeitar o próprio ritmo. O iniciante pode fazer negociações consigo mesmo e não deve satisfação a ninguém: se você consegue deixar de comer uma coisa, mas outra não, faça o que der e seja feliz. Você pode ser à cada dia mais vegano, do seu jeito e segundo as suas limitações”, conclui.
