DETERMINAÇÃO
Alagoana supera desafios e usa máquina de braille para estudar para concursos
Marina de Araújo Sampaio, que nasceu com amaurose congênita de Leber, inspira com sua rotina de estudos e trabalho em prol da acessibilidade



Um vídeo gravado em 2024 mostra Marina de Araújo Sampaio, de 33 anos, em uma sala de aula de um curso preparatório para concursos, concentrada e determinada, usando sua máquina de escrever em braille. A imagem viralizou e chamou atenção para a força e a vontade dessa alagoana, que nasceu com deficiência visual causada por um problema genético chamado Amaurose Congênita de Leber (ACL).
“Eu já nasci com deficiência visual e, desde cedo, tive que aprender a lidar com as dificuldades, mas isso nunca me impediu de sonhar”, conta Marina, que mora em Maceió, no bairro da Jatiúca, com a mãe.
“Eu estudo para concursos de várias formas: cursinhos presenciais e online, videoaulas no YouTube e fazendo questões. Sempre gostei de estudar escrevendo, porque só ouvir me deixa muito monótona. Por isso, a máquina de braille é fundamental para mim.”
O vídeo foi publicado pelo professor Edu, do curso Edu Sampaio, tradicional curso alagoano. Na postagem, ele destaca que o maior obstáculo é não acreditar. Marina aparece atenta, escutando o que o professor explica e digitando tudo, mostrando sua forma de estudo.
No entanto, o esforço dela gerou tanto mensagens de incentivo quanto críticas, com internautas questionando o barulho da máquina e se isso não atrapalharia a aula e os demais alunos, além de questionarem por que ela não usa aparelho celular ou computador.
Na mesma postagem, Marina explica a escolha pelo uso da máquina. “Preciso digitar com força e velocidade para conseguir acompanhar os professores, e esses meios não são tão céleres quanto uma máquina. Também é mais fácil para eu ler o que escrevi e apagar quando necessário. No computador, consigo fazer isso, mas demanda mais tempo e eu teria que deixar a voz dele alta ou, se usasse fone, o professor teria que parar algumas vezes a aula para que eu pudesse acompanhar, pois ficaria inviável ouvir a voz do computador no fone, a voz do professor e os ruídos da sala.”
“O computador pode travar, precisa de tomada, e para mim não é tão prático. A máquina faz barulho, sim, mas é meu direito usá-la. No colégio, até a coordenadora queria que eu parasse de usar a máquina. Na faculdade, tive apoio e o direito foi garantido”, acrescenta.
Rotina de estudo
A rotina de estudos de Marina exige, por vezes, ajuda para acessar materiais específicos. “Muitas vezes preciso de alguém para ler questões ou gabaritos, porque alguns PDFs não são acessíveis. Tenho dificuldade para encontrar materiais específicos, como apostilas e cursos voltados para concursos para deficientes visuais, o que torna tudo mais difícil.”
Formada em Direito pela UNIMA, Marina também tem pós-graduação em Métodos Consensuais de Solução de Conflitos. Na faculdade, ela destaca o apoio que recebeu. “Fui muito bem atendida, a coordenadora foi ótima comigo. Às vezes, precisava de ajuda para acessar o sistema da faculdade, que não era acessível, mas consegui fazer tudo, até o TCC.”
Ela explicou ainda os processos seletivos que passou. Marina foi aprovada para os cargos de mediadora e conciliadora. “De conciliadora, trabalhei de 2017 a 2020, e de mediadora, de 2020 a 2023.” Ela também passou em um concurso da Justiça Federal, que foi voluntário. “Trabalhei lá de 2022 a 2025, mais ou menos.” Agora, passou no concurso para mediador, no processo seletivo do TJ para técnico e do TRF para oficial de justiça, mas destaca que ainda não foi chamada.
Além dos estudos, Marina desenvolve um trabalho importante como consultora em audiodescrição, ajudando a tornar eventos, palestras e materiais acessíveis para pessoas com deficiência visual. “O audiodescritor descreve fotos, cards, filmes e programações para que as pessoas com deficiência visual possam entender o conteúdo. Muitas vezes as pessoas perdem esse público por não oferecerem audiodescrição.”
Marina dedica-se a produzir materiais em braille, como tabelas e cardápios, e atua como consultora em audiodescrição. “Minha função é revisar o trabalho do audiodescritor para ver se o que ele está dizendo é compreensível para pessoas com deficiência visual. É muito importante descrever o que tem em fotos, cards e eventos, porque muita gente só posta imagem e a gente perde o público da deficiência visual.”
Ela também realiza palestras contando sua trajetória e falando sobre os direitos das pessoas com deficiência. “Eu sempre procuro deixar a mensagem para as pessoas não desistirem dos seus direitos, dos seus propósitos. É importante lutar sempre.”
Além da tecnologia, Marina também utiliza a acessibilidade do celular para se comunicar, o que facilita seu dia a dia e o contato com as pessoas. “Eu uso a acessibilidade do celular para conversar, digitar, tudo isso me ajuda muito.”
Apesar das dificuldades, Marina mantém a motivação: “Procuro sempre adaptar o que posso fazer sozinha e pedir ajuda só quando necessário. Gosto muito do método braille, mesmo que alguns considerem arcaico. Eu fui alfabetizada em braille e me adapto muito bem.”
No seu dia a dia, ela divide seu tempo entre estudos, trabalhos em casa e participação em eventos e palestras, onde compartilha sua trajetória e luta pelos direitos das pessoas com deficiência. “Sempre digo que é importante não desistir dos direitos e dos propósitos, porque a luta pela acessibilidade é fundamental para a inclusão.”
