NÃO RECLAMADOS
Mortos esquecidos: 87 corpos aguardam por parentes em Alagoas
Polícia Científica faz busca ativa por familiares para evitar sepultamentos como indigentes


Um levantamento da Polícia Científica de Alagoas revelou que 87 corpos permanecem não reclamados nos Institutos Médicos Legais do Estado. Desses, 64 estão armazenados em câmaras frias dos IMLs de Maceió e Arapiraca, enquanto outros 23 já foram sepultados como indigentes. Para que haja liberação dos cadáveres, é necessária a identificação científica por meio de exames como papiloscopia (impressões digitais), odontologia legal, antropologia forense ou, em último caso, DNA forense.
O perito e médico legista Felipe Porciúncula, chefe especial do Instituto Médico Legal Estácio de Lima (IML de Maceió), explica que os chamados “corpos não reclamados” são aqueles que, mesmo identificados, não são retirados por familiares. Eles se dividem em duas categorias: não identificados e identificados não reclamados.
Atualmente, a Polícia Científica adota um protocolo rigoroso para a identificação de todos os corpos que chegam aos IMLs de Maceió e Arapiraca. No entanto, a destinação desses corpos segue parâmetros legais. De acordo com o artigo 2º da Lei Nº 8.501/1992, apenas cadáveres de morte natural e não reclamados pelas autoridades públicas podem ser encaminhados a instituições de ensino para fins científicos, respeitando o prazo de 30 dias. Em Alagoas, uma portaria regula esse processo.
Em casos de morte violenta, os corpos não podem ser doados nem cremados, sendo obrigatoriamente sepultados após cerca de 30 dias, conforme a legislação e a disponibilidade de vagas nos cemitérios públicos. Antes disso, é feita a coleta de impressões digitais, material genético e odontológico, para futura identificação caso surjam familiares.
ESTRATÉGIA PARA LOCALIZAR FAMÍLIAS
Há dois anos, a Polícia Científica adotou uma nova estratégia para localizar os familiares: a divulgação pública. Assim que um corpo é identificado, as informações são encaminhadas ao setor de comunicação da instituição, que promove a divulgação em redes sociais e na imprensa. Além disso, o IML mantém parceria com a Coordenadoria de Pessoas Desaparecidas da Polícia Civil. Após uma semana sem manifestação da família, os dados do cadáver identificado são cruzados com boletins de ocorrência no estado e em outras regiões do país.
CASO RECENTE
Um dos casos mais recentes foi o de Raian de Lima Bandeira, de 31 anos, cujo corpo deu entrada no IML de Arapiraca como não reclamado. Raian, natural de Fernando de Noronha (PE), faleceu em 22 de outubro de 2025, vítima de atropelamento na BR-101, em Junqueiro. Ele vivia em situação de rua.
A divulgação feita pela Polícia Científica chegou a amigos da família, que avisaram a mãe de Raian. Em menos de 24 horas, ela entrou em contato com o IML e, na última quarta-feira (19), compareceu pessoalmente para liberar o corpo. Segundo relatou aos funcionários, o filho sofria de problemas de saúde, não aceitava tratamento e já havia desaparecido outras vezes. Ela contou que o havia resgatado anteriormente em São Paulo, mas, nos últimos meses, não tinha mais notícias dele.
O delegado Ronilson Medeiros, coordenador da Coordenadoria de Desaparecidos da Polícia Civil, reforça a importância do registro oficial de desaparecimento. “Muitos corpos que chegam ao IML não possuem sequer um boletim de ocorrência correspondente. Isso dificulta o trabalho de identificação e o contato com as famílias. É fundamental que as famílias procurem uma delegacia e façam a coleta de DNA”, destaca.
TRABALHO INTEGRADO
O chefe do IML de Arapiraca, Rimsky Coelho, ressalta que o trabalho integrado das equipes tem sido essencial para reduzir o número de corpos sepultados sem identificação. “Essa atuação conjunta, envolvendo setores como Papiloscopia, Odontologia Legal, Antropologia e Genética Forense, tem possibilitado a devolução de corpos às famílias, evitando o acúmulo nas unidades e os sepultamentos como indigentes”, afirma.
A expectativa da Polícia Científica é seguir ampliando as estratégias de busca ativa e conscientização da população sobre a importância do registro de desaparecimentos. A meta é reduzir cada vez mais o número de mortos sem nome que aguardam por um reconhecimento.
