VIOLÊNCIA DE GÊNERO
Alagoas registra 26 feminicídios em 2025
Em 2024, foram 19 casos; nenhuma das vítimas de feminicídio neste ano havia denunciado previamente os agressores


Quando duas pessoas se conhecem e se apaixonam, costumam fazer planos: viajar, conhecer novos lugares, casar, construir uma família em um lar cheio de amor. Mesmo quando a vida segue por outros caminhos, é difícil imaginar que um sentimento, travestido de amor, possa se transformar em violência e levar à morte.
De acordo com dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública de Alagoas (SSP-AL), de janeiro a novembro deste ano, 26 mulheres foram mortas no estado. O número é superior ao registrado no mesmo período de 2024, quando foram contabilizadas 19 mortes.
Muitas vezes, o problema parece distante, como se fosse “do vizinho”. Uma discussão considerada “boba” de casal, um empurrão tratado como algo menor, uma justificativa que minimiza a agressão. “Foi só um empurrão”, “eu acabei estressando ele”. Apesar de o feminicídio já ser classificado como crime hediondo, com pena que pode chegar a 40 anos de prisão, os casos continuam aumentando no estado.
O feminicídio é caracterizado pelo assassinato de mulheres em razão da discriminação de gênero ou em decorrência da violência doméstica e familiar. E o dado mais alarmante é que, na maioria dos casos, os crimes são cometidos por companheiros ou ex-companheiros das vítimas.
A enfermeira Ketyni Maria Gomes da Silva foi uma dessas vítimas. Ela tinha 26 anos quando foi morta asfixiada dentro de casa, no dia 11 de outubro, no bairro São Jorge, em Maceió. O principal suspeito é o ex-marido, identificado como Jeferson Roberto Medeiros dos Santos, atualmente com 32 anos. Ele foi preso preventivamente à época do crime e segue preso.
O casal viveu junto por 12 anos e teve dois filhos. Apesar dos relatos de ciúmes por parte de Jeferson, a família da vítima afirma que nunca teve conhecimento de episódios de violência até a morte de Ketyni. O crime teria sido motivado pela não aceitação do fim do relacionamento.
“Ele enganou todo mundo. Todos tratavam ele muito bem, como um filho. Ele não aceitava o fim do relacionamento. Ela se sentia sufocada. Até para ir à academia ele não deixava, quando ainda eram casados. Ela só podia sair com a família, porque qualquer outra situação virava motivo de briga por ciúmes. E até da família ele tinha ciúmes”, relatou a prima de Ketyni, Mayra Carmo.
Mayra relembra que, horas antes de ser morta, Ketyni esteve com ela e com os pais na praia. Foi a última vez que viu a prima com vida.
“Ele deixou minha família sangrando. O filho pequeno, de dois anos, estava presente no momento da tragédia. Ele ainda se entregou à polícia com a criança nos braços. O filho mais velho, de 12 anos, chegou logo depois e viu tudo da forma como encontramos. Ele ficou desesperado”, contou Mayra.
Somente após a morte de Ketyni a família soube que as agressões eram constantes dentro da casa onde ela viveu com Jeferson. Segundo a prima, o filho mais velho relatou que o pai batia na mãe e o ameaçava caso contasse algo à família.
Assim como no caso de Ketyni, a SSP-AL informou que nenhuma das outras 25 mulheres vítimas de feminicídio neste ano havia denunciado previamente os agressores.
Embora a denúncia seja um passo essencial para o início de um processo que pode interromper o ciclo de violência e responsabilizar os agressores, é importante destacar que a culpa por essas mortes nunca é das vítimas.
É o que explica a advogada Alexandra Berto, conselheira da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Alagoas (OAB-AL). Ela conta que também já foi vítima de violência, atua em ações e palestras de conscientização voltadas às mulheres.
“A mulher não tem que se envergonhar por denunciar ou por ter sido vítima. Quem deve sentir vergonha é o agressor e ser responsabilizado por isso. É importante lembrar que essas agressões acontecem em todas as classes sociais, independentemente de condição econômica”, afirma Alexandra.
Para a advogada, a violência contra a mulher também está relacionada a uma questão cultural, sustentada por um machismo estrutural que atravessa diversos setores da sociedade. Segundo ela, é possível mudar essa realidade por meio da conscientização, da educação e da responsabilização efetiva dos agressores.
“A gente não pode colocar a mulher apenas sob uma ótica de coitadinha. Não é isso. As redes de apoio existem e são fundamentais, mas é preciso que a sociedade eduque as pessoas para lidar com essa realidade. A Polícia Militar tem feito um trabalho importante ao capacitar os agentes para abordar e acolher essas vítimas, mas isso precisa ser ampliado. Alagoas é um estado relativamente pequeno, e esse quadro pode, sim, ser transformado”, conclui.
