Cidades
Submundo do crime alagoano teme Everaldo

A prisão do ex-cabo Everaldo chacoalhou os bastidores da segurança pública e fez tremer o submundo do crime organizado em Alagoas. Se o pistoleiro que sabe demais resolver falar, pode abrir uma espécie de caixa de pandora, cujas primeiras brechas já vieram à tona pela boca do ex-tenente coronel Manoel Cavalcante. A direção da Polícia Civil não divulga quantos, mas vários delegados da cúpula foram escalados para interrogar o suspeito apontado em, pelo menos, cinquenta assassinatos por encomenda. Entre os investigadores, a jovem e eficiente Lucy Mônica, o experiente Mário Jorge Marinho, que prendeu quase uma dezena de integrantes da gangue da pistolagem nos anos 90, e o delegado-geral adjunto, José Edson. ?Precisamos interrogá-lo e reinterrogá-lo várias vezes, com muita calma, para que a gente saiba a versão dele sobre os fatos?, afirma Edson, lembrando que as informações devem ser destrinchadas em inúmeros inquéritos, processos e outras peças de investigação, sejam novas ou já existentes. ### Família do ex-militar recusa misteriosa oferta de defesa Assim que soube da prisão do ex-cabo Everaldo, o advogado Gilvan Lisboa interrompeu a viagem de fim de ano, apresentou-se como representante legal do acusado e tentou encontrar com ele. Como tinha constituído outros advogados, a família do acusado considerou a aproximação suspeita, já que Lisboa trabalha para integrantes da gangue fardada, principalmente o ex-tenente coronel Manoel Cavalcante, apontado por Everaldo como um dos mandantes do assassinato do delegado Ricardo Lessa. O próprio irmão do réu, o aposentado Paulo Pereira, rompeu o silêncio pela primeira vez e falou com exclusividade à Gazeta. ?O Givan Lisboa nunca procurou a nossa família e a gente estranha bastante o fato dele ter se apresentado como advogado?, afirma Paulo. Para evitar contatos desagradáveis, Everaldo comunicou à direção da Polícia Civil que o único que poderia ter acesso a ele era o advogado Raimundo Palmeira. ### Depoimento sem consistência Se a prisão do pai de Eloá inflamou os ânimos da polícia, o primeiro depoimento dele à Justiça foi um banho de água fria. Na entrevista coletiva, horas após a prisão, ?disparou uma metralhadora giratória?, acusando o ex-secretário Rubens Quintella, o ex-tenente coronel Cavalcante e o ex-prefeito de Olivença, Cícero Duca, como mandantes do assassinato de Ricardo Lessa. Mas tudo não passou de um alarme falso. Ou as denúncias não passavam de uma cortina de fumaça ou Everaldo mudou de ideia de última hora, por algum motivo desistiu de fazer o estrago que planejara. A fragilidade do que ele falava chegou a tal ponto que o próprio juiz da 7ª e da 17ª varas, Maurício Brêda, teria lhe chamado a atenção no depoimento de emergência, colhido a portas fechadas, sob forte escolta policial. ### Gangue tinha mais de 200 policiais Grande parte dos crimes por encomenda envolvendo o ex-cabo Everaldo remonta ao tempo de atuação da sanguinária gangue da pistolagem, responsável por mais de uma centena de assassinatos entre as décadas de 80 e 90. Um dos primeiros delegados que confrontou os matadores de aluguel, Mário Jorge Marinho, revela que esta quadrilha tinha cerca de 200 policiais nos seus quadros, tanto civis como militares. Dentre eles, os investigadores afirmam que os mais cruéis eram Everaldo, seu fiel companheiro Cição e o irmão dele, Gabriel Felizardo. Só Everaldo é apontado diretamente em inquéritos que tratam de, pelo menos, 50 homicídios. Segundo o delegado Marinho, o grupo criminoso aterrorizava as regiões Norte de Alagoas e Sul de Pernambuco, em municípios como Novo Lino, Jacuípe, Campestre, Colônia Leopoldina, Porto Calvo, Água Preta, Xexéu, Palmares e outros. ### Esclarecimento de vários crimes Segundo Mário Jorge Marinho, o aprofundamento das investigações esclareceu mais de 50 assassinatos na região. ?Houve um mutirão com vários delegados e escrivães para destrinchar os crimes cometidos pela quadrilha que o Everaldo fazia parte. Foi a época em que mais se prendeu pistoleiros no Estado, muitos deles policiais. Tinha mortes demais, tem vítimas que eles nem sabiam quem eram?, revela Marinho. O ?xerife? lembra que muitos integrantes da quadrilha conviviam com o próprio Ricardo Lessa, alguns fizeram parte da equipe dele, como Cição e Everaldo, na época ainda soldados. ?As prisões causaram um clamor muito grande, era o grupo comandado pelo então major Cavalcante?. ### Banho de sangue em Jaraguá O sangue quente do delegado Ricardo Lessa se espalhou pelo veículo Monza que dirigia e manchou o destino da gangue de pistoleiros (e ex-companheiros) que ele queria denunciar. Nove homens são acusados de participar diretamente da emboscada acontecida no dia 9 de outubro de 1991, na Rua Mem de Sá, em Bebedouro. Quando esperava a esposa na frente da casa da sogra, Lessa foi perfurado por incontáveis tiros de metralhadora. A poucos metros de distância do chefe da polícia, o motorista e segurança Antenor Carlota ainda tentou se esconder em outro carro, mas também tombou diante da saraivada de balas que marcou um dos crimes mais estrondosos da literatura policial alagoana. Entre os condenados, Manoel Francisco Cavalcante, tratado no despacho judicial como vulgo ?Coronel Cavalcante?, seu lugar-tenente, José Luiz da Silva Filho, vulgo ?Sargento Silva Filho?, os soldados PM Valmir e Valdomiro, e os temidos Cição e Everaldo, vulgo ?Amarelo?, pai de Eloá. ### Rubens Quintella, o ?Anjo da Morte? | LELO MACENA - Repórter Amparado por uma cadeira de rodas, sem condições de falar, acossado pela doença que lhe tira a lucidez dos pensamentos, aos 80 anos, o outrora homem de ferro da polícia de Alagoas, o ex-secretário de Segurança Pública, Rubens Quintella, não pode se defender da acusação feita pelo ex-cabo Everaldo Pereira dos Santos. Apresentado pela polícia, pouco tempo depois de sua prisão, na última segunda-feira, o ex-membro da temida gangue fardada apontou Quintella como o mandante da execução do delegado Ricardo Lessa, crime ocorrido há 19 anos. Embora Everaldo tenha recuado menos de 48 horas depois, ao depor para os juízes da 7ª Vara, a acusação contra Rubens Quintella causou alvoroço. A Gazeta tentou ouvi-lo. Na última terça-feira, a reportagem entrou em contato com a filha dele, a médica Jacy Quintella. ### Quintella: um homem de palavra Na época em que não era preciso fazer concurso para ser delegado, nas décadas de 1960 e 1970, Quintella construiu sua fama de xerife destemido. Fundador da Polinter, o braço da Polícia Civil no interior de Alagoas, varou o Sertão em busca de ladrões de gado e deu cabo de muitos foras-da-lei. Embora tivesse a habilidade do diálogo e dominasse o traquejo político, não hesitava em usar a força bruta. Por isso era respeitado e temido por bandidos e pistoleiros ? e muitos desses, segundo lembram testemunhas da época, preferiam deixar Alagoas a cruzar o caminho do ?Anjo da Morte?. O pesado título seria criação do ex-tenente-coronel Manoel Francisco Cavalcante, para definir Rubens Quintella, no final dos anos 1990, no auge das acusações contra a gangue fardada. LM ### Comprovação da linha dura Segundo o texto preciso do jornalista ítalo-brasileiro Elio Gaspari, considerado um dos melhores profissionais da imprensa no Brasil, dias antes da entrevista, Rubens Quintella havia comprovado sua fama de linha dura. Na companhia de 37 policiais civis, ele realizara uma grande batida policial nas estradas de acesso à cidade de Mata Grande, no Sertão alagoano, durante uma vaquejada na cidade. Flagrou um deputado alagoano usando placa fria em seu veículo e portando uma espingarda de caça. O então prefeito de Mata Grande, José Jorge Malta Amaral, teria reclamado do ?exagero? dos policiais de Rubens Quintella. ?A cultura da Vaquejada é especial. A presença da polícia provoca um certo constrangimento?, disse o prefeito José Jorge, segundo a reportagem da revista. LM ### Lessa não acredita em Everaldo Ao tomar conhecimento das declarações do ex-cabo Everaldo, de que o seu ex-secretário de Justiça e Cidadania, o ex-delegado Rubens Quintella, seria o mandante da morte de seu irmão, o delegado Ricardo Lessa, o ex-governador Ronaldo Lessa tomou um susto. Numa praia do Litoral Norte, ele buscou informações nos sites de notícia. No outro dia, fez duas ligações telefônicas. Uma para o delegado aposentado Mário Pedro, responsável pelas investigações do caso à época. A outra, para o seu ex-secretário de Segurança Pública, o atual delegado do 4º Distrito, Robervaldo Davino. ?Telefonei como uma pessoa comum, como o irmão do Ricardo [Lessa]. O Mário Pedro é um homem de bem. O Davino trabalhou comigo e conheço bem sua conduta. Ambos me disseram que nunca houve qualquer indício da participação do Rubens [Quintella] na morte do meu irmão. Portanto, eu não acredito nessa versão do cabo Everaldo?, diz o ex-governador Ronaldo Lessa, embora considere Everaldo Pereira um arquivo vivo capaz de desvendar crimes emblemáticos em Alagoas. LM ### Detalhes ainda intrigam delegado Alguns detalhes do assassinato do delegado Ricardo Lessa ainda intrigam o delegado aposentado Mário Pedro dos Santos, 72 anos, dos quais 45 deles dedicados à Polícia Civil. Ele foi o responsável pelas investigações do caso. O inquérito produzido por ele é considerado por policiais e delegados uma das mais belas ?peças? da literatura policial de Alagoas. Porém, como não houve confissão de nenhum dos acusados no crime, um detalhe não foi desvendado. ?Nós não conseguimos definir a participação específica de cada um dos envolvidos no crime?, confessa o delegado Mário Pedro. Segundo ele, no dia do assassinato do delegado Ricardo Lessa, uma verdadeira tropa de policiais militares, sob o comando do ex-coronel Cavalcante, foi reunida em Maceió. |LM ///