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Nº 5759
Economia

SAPATEIROS ENFRENTAM CRISE E ALIMENTAM SONHOS NO CENTRO

Em 2018, o sapateiro Reinaldo Guimarães se tornou personagem de uma reportagem da Gazeta, não por consertar sapatos, mas por contar o caminho percorrido com seus próprios calçados e os passos que o levaram para a profissão que segue há mais de 22 anos. Al

Por Maíra Sobral | Edição do dia 31/05/2021 - Matéria atualizada em 31/05/2021 às 13h19

Em 2018, o sapateiro Reinaldo Guimarães se tornou personagem de uma reportagem da Gazeta, não por consertar sapatos, mas por contar o caminho percorrido com seus próprios calçados e os passos que o levaram para a profissão que segue há mais de 22 anos. Além de ser um consertador já tradicional da calçada da Rua das Árvores, no Centro de Maceió, Reinaldo não esconde o quanto valoriza a importância e o gosto pelos estudos e mantém ainda o sonho de concluir o seu curso superior. Há dois anos, quando foi entrevistado pela primeira vez, o sapateiro havia trancado a faculdade de administração no 6º período do curso em uma instituição privada. Segundo ele, a crise econômica chegou para sua família naquele ano e trancar a faculdade foi sua única opção para conseguir equilibrar as contas de casa. Isso porque Reinaldo é casado, tem filhos, e é das calçadas, consertando sapatos que tira todo o sustento da sua família. No entanto, as dificuldades financeiras não foram suficientes para impedir Reinaldo de realizar o seu sonho. No último ano, o sapateiro conseguiu uma bolsa de 75% no curso de empreendedorismo em uma outra universidade privada. Aproveitou as disciplinas já cursadas na graduação anterior e a previsão é que no ano que vem o tão desejado diploma de curso superior esteja em suas mãos. Todo esse estudo tem dado frutos ao seu trabalho, já que o sapateiro leva todo o aprendizado da sala de aula para a rotina. O sapateiro é um Microempreendedor Individual (MEI), que está modernizando o seu negócio, já aceita cartão e PIX. E os planos do sapateiro não param por aí. Depois de formado, Reinaldo sonha em abrir uma Organização não governamental (ONG) para ensinar o seu ofício para outros jovens e adultos. “Além disso, com os conhecimentos adquiridos na faculdade na área de finanças e administração, a intenção é a de contribuir para a formação completa de outras pessoas que não tiveram oportunidades de aprender tudo na escola”, conta. Em poucos minutos de conversa, Reinaldo mostrou que não é apenas de sapatos que entende. Educação, política, inflação e até fundamentos para aprovação de Projetos de Lei são alguns dos assuntos que o sapateiro tem na ponta da língua, enquanto a agulha corre sobre a sola do sapato guiada por suas mãos ágeis. “Quando ainda menino, aos 11 anos, perdi o meu pai e precisei abandonar o Colégio Imaculada Conceição, onde era bolsista e estudava a terceira série do fundamental, para colocar os próprios sapatos para andar nas ruas de Maceió recebendo alguns trocados enquanto levava as compras das pessoas até suas casas”, relata. Era com esses poucos trocados que Reinaldo ajudava sua mãe e também a sua madrasta a colocar comida dentro de casa. Porém, diante das incertezas, à época, um amigo mais velho convidou o jovem para aprender o ofício da costura e conserto de sapatos, bolsas e artigos de couro. Em um ano, Reinaldo aprendeu tudo e estava apto para a profissão. E foi trabalhando como sapateiro que a motivação para estudar voltou. Professores e profissionais da educação, que entregavam seus calçados notavam que o rapaz tinha interesse em aprender e o incentivaram. “Retomei os estudos pelo Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), de lá consegui uma bolsa no Colégio Marista, onde finalizei o ensino básico”. Depois disso, sem deixar a máquina de costura de lado, o sapateiro fez a prova do Enem, em 2012, e no ano seguinte conseguiu a bolsa de 50% na faculdade de administração. Apesar de não ter conseguido concluir essa primeira graduação, foi com ela que Reinaldo adiantou diversas disciplinas para o curso de empreendedorismo. Reinaldo contou, ainda, ter planos de escrever um livro com sua história e tem certeza que seu exemplo de dedicação e a importância que dá para os estudos poderá inspirar muitos jovens que assim como ele precisaram calçar os sapatos da vida adulta cedo demais.

DO OUTRO LADO DA CALÇADA

Mas a história de Reinaldo não é a única que preenche as calçadas maceioenses. Para o sapateiro Val dos Santos, a calçada voltou a ser o seu ambiente de trabalho há menos de um mês, depois que o proprietário do pequeno ponto em que trabalhava pediu o imóvel. O espaço era alugado por Arnaldo Santos, irmão de Val que também é sapateiro. A trajetória dos irmãos começou muito antes, na Praça dos Palmares, há 30 anos. O primeiro a chegar no local foi Val, cerca de 8 anos antes de Arnaldo que, à época, morava em Aracaju e já era sapateiro. Depois que o irmão voltou para o solo alagoano, os dois passaram mais 16 anos entre as calçadas da Praça dos Palmares e da Rua das Árvores, até a data em que resolveram alugar um imóvel em 2014. Apesar dos irmãos não terem planos de sair do imóvel alugado, o aumento da mensalidade proposto pelo proprietário e a queda na movimentação da clientela, por conta das restrições da pandemia, estavam dificultando a permanência no espaço. “A saída do local se deu de fato quando o dono do ponto decidiu fazer uma reforma no local para poder aumentar o aluguel”, relata Arnaldo. A calçada da Rua das Árvores voltou a ser ocupada pelos irmãos que, mesmo diante das incertezas, não desanimam. “O importante é não parar, ninguém vive sem trabalhar”, finaliza Arnaldo.

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