Economia
A revolu��o silenciosa dos programas sociais

| PATRYCIA MONTEIRO Editora de Economia O professor Cícero Péricles de Carvalho é conhecido do grande público pela sua participação semanal no programa Bom Dia Alagoas, exibido pela TV Gazeta, no qual discute temas palpitantes da economia brasileira e do Estado, sem lançar mão do economês, popularizando o entendimento das discussões. No âmbito acadêmico, o economista alagoano é conhecido pelas obras escritas sobre a agroindústria canaviaeira de Alagoas, são elas: Reestruturação produtiva do setor sucroalcooleiro de Alagoas e Pindorama, a Cooperativa como alternativa. Desta vez, Carvalho deixou um pouco de lado o universo do açúcar e do álcool e decidiu lançar uma luz sobre os recursos federais que estão injetando capital nas mãos dos alagoanos menos favorecidos. Gazeta - No livro que o sr. está lançando agora, A economia popular ? uma via de modernização de Alagoas, o sr. parece ser entusiasta deste repasse de renda sem produção promovido pelos programas sociais do governo federal, como o Bolsa-Família. Por quê? Cícero Péricles de Carvalho - As políticas sociais, programas e investimentos federais estão criando um mercado interno e popular, modificando a paisagem econômica de Alagoas. E não é pouco. Nos últimos anos, a intervenção pública estatal está gerando o que Alagoas não conseguiu com todas as suas tentativas de desenvolvimento a partir da segunda metade dos anos 50: promover a formação de um mercado interno que é a verdadeira âncora para a criação e atração de novas empresas. Alagoas acumula meio século de experiências na busca de seu desenvolvimento. Nos anos 50, com a criação de infra-estrutura física; depois nos anos 60, com a tentativa de industrialização por meio de incentivos fiscais e criação do Distrito Industrial; nos anos 70 e 80 com a possibilidade de criação de um Pólo Cloroalcoolquímico e com a implantação do Proálcool, e, nos anos 90, com o turismo. Mas é a intervenção federal, responsável por mais de 30% da renda alagoana, que está conseguindo criar essa nova fisionomia da economia alagoana. Como assim, 30% da renda alagoana? Tendo em vista o somatório de todas as transferências, constitucionais e voluntárias, esses valores ultrapassam os R$ 3,5 bilhões, e o PIB de Alagoas que é de, aproximadamente, R$ 10 bilhões. A soma dos recursos em políticas permanentes, programas de transferência de renda, recursos para a produção e investimentos em infra-estrutura vindos de Brasília equivale a mais de um terço da riqueza criada no processo produtivo local. Mas qual é a importância da criação deste mercado interno em Alagoas? O drama central de Alagoas sempre foi o da convivência de um pequeno grupo de ricos cercado por oceano de miseráveis por todos os lados. Isso implica, além da polarização social, a ausência de mercado interno, que é a verdadeira âncora para se instituir e atrair novas empresas. A criação desse mercado interno é a principal conseqüência das políticas sociais e os programas federais que são massivos, capilarizados, chegando aos bairros mais pobres e às localidades mais distantes. A novidade na economia alagoana é a original criação de um futuro Estado de bem-estar nas condições de uma economia periférica. Por que Alagoas tem um mercado interno tão pequeno? Primeiro, pela pobreza material, que gerou um processo de urbanização sem industrialização e pela inexistência de um Estado com capacidade de realizar políticas de desenvolvimento. E, mais importante, pela permanência de relações sociais arcaicas, principalmente no mundo do trabalho, que são predominantes no Nordeste e inaceitáveis na economia moderna. Toda a renda gerada, por salários, no principal distrito industrial de Alagoas, é menor que os recursos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti); toda a renda salarial no corte da cana-de-açúcar é menor que os gastos federais com o seguro-desemprego no Estado. Evidente que isso será, obrigatoriamente, repensado. A inserção deste grupo de 'excluídos' no mercado interno poderia se dar naturalmente com o crescimento econômico de Alagoas? Onde a presença dos recursos do governo federal são mais marcantes? Alagoas e o Nordeste não vão conseguir superar seu subesenvolvimento com ações pontuais ou projetos milagrosos. Somente a incorporação de milhões de alagoanos ao mercado consumidor e produtor permitirá essa superação. E isso está acontecendo. Mais de um milhão de crianças, adolescentes e adultos alagoanos estão nas escolas. Maceió tem 900 mil habitantes dos quais 300 mil são estudantes, ou seja, um terço de sua população. É um número impensável há uma década. Os programas do sistema de saúde pública atendem mais de 2 milhões de pessoas, numa população de três milhões de habitantes. Esses programas na área das políticas permanentes recebem, anualmente, mais de R$ 800 milhões. O sistema previdenciário é massivo, tem mais de 320 mil aposentados e pensionistas. É mais de R$ 1,5 bilhão por ano. Os programas emergenciais como o Bolsa-Família e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Peti, juntos, atendem a mais de 260 mil famílias e manejam recursos poderosos, mais de R$ 200 milhões por ano. O resultado é a entrada desse dinheiro, na sua quase totalidade, no consumo direto das famílias beneficiadas. Qual é o impacto real destes recursos na economia local? As políticas sociais e os programas federais geram, indiretamente, com sua renda gigantesca, uma dinâmica econômica nos bairros mais pobres, impactando, principalmente nas grotas, favelas, encostas, cortiços da parte urbana e nas localidades rurais mais distantes e atrasadas. É uma renda sem produção correspondente, mas que entra no circuito comercial e alavanca os empreendimentos industriais voltados ao atendimento popular. Todo esse dinheiro vem do orçamento federal, construído principalmente pelos estados mais ricos da federação. Há uma transferência grande de recursos e Alagoas é beneficiada. Os recursos públicos movimentam a economia no sentido do consumo, mas também da produção. Seria inimaginável visualizar a economia do Estado sem os recursos do microcrédito produtivo urbano; do Pronaf, que atende aos agricultores familiares; do Programa do Leite, que compra leite e pequenos produtores e distribui com a população carente; do Programa Luz para Todos, que está revolucionando a vida de 60 mil famílias; dos programas da construção civil para a habitação popular e até mesmo nos investimentos maiores como aeroporto e centro de convenções. São esses recursos que estão fazendo com que Alagoas obtenha taxas positivas de crescimento. Quais os segmentos produtivos e até do comércio que são mais beneficiados diretamente por esse montante financeiro colocado nas mãos das camadas populares da sociedade? Nestes três anos, vê-se uma melhoria no setor produtivo voltado para atender o mercado popular. Roupas fabricadas no circuito da ?sulanca?, alimentos, material de construção a retalho, ampliação de bens de consumo como a bicicleta. O crescimento nas vendas desses produtos é sintoma desse quadro em construção. Empresas produtoras de tubaínas, móveis baratos, roupas sem marca com preço baixo, indústrias de alimentos da dieta popular, empresas produtoras de copos plásticos e embalagens para os mercadinhos e outras firmas voltadas para o atendimento do público chamado C, D e E vêm sendo o carro-chefe da economia alagoana. A médio e a longo prazos, como ficará a economia alagoana com a permanência desses programas de transferência de renda? No curto prazo, as pesquisas de qualidade de vida ainda vão apresentar resultados negativos, mas a médio e longo prazos, graças aos investimentos em educação e saúde públicas, aliados aos programas assistenciais e de distribuição de renda, os índices tendem a mostrar outro perfil. No sentido econômico, as pesquisas deverão mostra o crescimento das micro e pequenas empresas, comerciais e industriais voltadas para o mercado local. Nos próximos anos, seguindo esse ritmo, Alagoas, com certeza, terá um perfil menos polarizado, mais democrático, com uma qualidade de vida muito melhor que os dias de hoje. Que evidências podemos perceber na expansão dos segmentos comerciais e produtivos do consumo popular? A Pesquisa Mensal do Comércio, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a pesquisa do Fecomércio, em Alagoas, mostram um aparente paradoxo: a economia alagoana, que não recebeu nenhum investimento importante nos últimos três anos, vem, desde março do ano passado, obtendo taxas altas, acima da média nacional, no consumo a varejo. As empresas que estão contratando são os micro, pequenos e médios empreendimentos voltados para a produção de bens populares. Como explicar esse fenômeno? A renda sem produção explica. Esse é o grande motivo do crescimento do consumo e da produção na área do consumo dos trabalhadores assalariados e dos moradores dos bairros pobres e periféricos. ### QUEM É Nome: Cícero Péricles de Carvalho Idade: 50 anos Cargo: Professor da Universidade Federal de Alagoas Formação: Doutor em Economia pela Universidade de Córdoba, na Espanha Obra: Três livros publicados na área econômica