Polêmica
Ministério da Agricultura tentou distribuir testes de gripe aviária com certificado vencido
RS diz ter negado frascos com solução vencida e pedido apenas cotonetes; pasta não se manifestou


Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) tentou enviar a técnicos estaduais do Rio Grande do Sul caixas de testes de gripe aviária que estavam com os certificados vencidos e materiais com prazo de validade próximo a expirar. As remessas foram rejeitadas pela Secretaria da Agricultura do estado.
Conforme informações obtidas pela Folha, as tentativas de distribuição do material tiveram início em abril, antes mesmo de o primeiro caso de gripe aviária ser confirmado no dia 15 de maio, na cidade de Montenegro (RS). Os desdobramentos se estenderam até a última semana.
A Folha questionou o Mapa sobre o assunto. Não houve posicionamento até a publicação desta reportagem.
Em abril, o Departamento de Saúde Animal e da Coordenação de Sanidade Avícola do ministério questionou se a Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul tinha interesse em receber frascos com a solução utilizada para preservar amostras coletadas por meio dos chamados swabs, os cotonetes longos e estéreis, similares ao que humanos usam em testes de Covid-19.
Os frascos continham solução química para permitir a identificação de possível presença de vírus, como o da influenza aviária.
Além desses frascos, os kits emergenciais possuem swabs, caixas de isopor e caixas homologadas para transporte aéreo de amostras biológicas. Ao tratar do assunto, o Ministério da Agricultura declarou que o material estava com validade próxima, entre maio e junho, e que a recomendação aos estados interessados era fazer a retirada o quanto antes, para evitar desperdício.
Ainda em abril, a Secretaria da Agricultura gaúcha informou que as caixas de kits homologadas para transporte aéreo estavam com certificado vencido, o que impedia seu uso legal.
O Rio Grande do Sul afirmou ao ministério que já tinha um estoque de frascos com solução para os testes, mas que gostaria de receber os swabs e as caixas de isopor, partes dos kits que ainda seriam úteis aos técnicos locais.
A burocracia acabou travando o processo. Passados mais de 20 dias desde a oferta inicial, ainda havia dúvida sobre a possibilidade de atender ou não à solicitação, uma vez que os documentos do ministério falavam apenas da doação dos frascos de solução e não da entrega fracionada.
No início de maio, a Coordenação de Sanidade Avícola do Mapa em Brasília informou que a oferta se referia exclusivamente à solução líquida estéril, também conhecida como MTV (Meio de Transporte Viral), usada para preservar vírus em amostras biológicas coletadas.
No dia 17 de maio, dois dias após o caso de contaminação de gripe aviária ser oficialmente comunicado pelo Ministério da Agricultura, os servidores no Rio Grande do Sul ainda tentaram articular uma forma de evitar o desperdício de insumos.
O órgão estadual de Sanidade Agropecuária do Rio Grande do Sul encaminhou um pedido para retirada dos swabs e caixas de isopor que estavam no Laboratório Federal de Defesa Agropecuária no Rio Grande do Sul, uma unidade regional pertencente ao ministério. Mais uma vez, porém, não teve sucesso.
A Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul confirmou, por meio de nota, que não conseguiu ter acesso aos kits, porque a entrega estava vinculada aos MTV’s (Meio de Transporte Viral). "Como estavam próximos da data de vencimento, a Secretaria da Agricultura do RS optou por não receber, em razão de que o Estado adquiriu esses produtos recentemente e sendo o estoque atual suficiente para atender a demanda", declarou.
"O estoque está com quantidade suficiente para a demanda e tem kits espalhados com as equipes do Serviço Veterinário Oficial no Rio Grande do Sul. Nesta terça-feira (20/5), o Serviço Veterinário já vistoriou 100% das propriedades rurais, que são 540, no raio de dez quilômetros do foco de gripe aviária e hoje também já revisitou as que ficam no raio de três quilômetros, sendo 19 propriedades com presença de aves", informou a secretaria.
Em operações como a ocorrida em maio de 2023, no Espírito Santo, quando foi identificado um caso de gripe aviária em animal silvestre, pelo menos cerca de 3.000 amostras de animais haviam sido coletadas em todo o Brasil.
"É de extrema importância que o uso desses kits diagnósticos seja feito da forma com que os fabricantes indicam, e que se respeite os prazos de validade. O uso de forma inadequada ou com elementos já vencidos pode diminuir a acurácia, a precisão desses testes e desencadear resultados errôneos", diz o biólogo e epidemiologista Anderson Sena Barnabe, professor de Saúde Pública e Epidemiologia das Faculdades Oswaldo Cruz, em São Paulo.
O especialista também fala sobre a regularidade de realização dos testes. "Um ponto importante é que essa vigilância com base em exames preventivos seja feita periodicamente e com supervisão técnica, sendo essa uma das estratégias mais importantes na contenção de eventuais epizootias, quando o surto da doença atinge um número elevado de animais em um curto período de tempo", afirma Barnabe.
A confirmação do foco de influenza aviária de alta patogenicidade (H5N1) ocorreu no dia 15 de maio. Foi a primeira detecção de gripe aviária em aves comerciais no Brasil. Por isso, o país teve seu status de livre da doença suspenso, conforme definição da Organização Mundial de Saúde Animal.
Na mesma data, foi confirmada a infecção pelo vírus em um cisne negro e um cisne do pescoço preto, no zoológico do município de Sapucaia do Sul, também no Rio Grande do Sul.
As amostras que levaram à confirmação dos casos foram obtidas a partir de uma investigação epidemiológica realizada pela Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação do Rio Grande do Sul, e enviadas para análise no dia 13 de maio, no Laboratório Federal de Defesa Agropecuária de São Paulo.