Economia
Gastan�a no governo federal n�o tem limite / Parte I

Embora considere o Brasil distante da situação da Argentina, o economista Paulo Guedes, presidente do Instituto Brasileiro do Mercado de Capitais (Ibmec) Business Scholl, adverte que a economia brasileira poderá entrar em colapso se o próximo governo não tiver um programa econômico bem desenhado. Tal programa, na opinião de Guedes, inclui a realização de reformas nas áreas trabalhista, previdenciária e tributária e um superávit primário forte - para começar os trabalhos, 5% do Produto Interno Bruto (PIB), enfatiza. Questionado, ele sustenta que há jeito, sim, de obter um superávit tão elevado. - O que não tem limite é a gastança do governo brasileiro. O Brasil está há 20 anos afundado porque essa gastança não tem limite. Queimaram as receitas de privatização, aumentaram a dívida e os impostos. Para onde está indo esse dinheiro? - questiona o economista. Os gastos estão subindo mais rapidamente do que o PIB, afirma. A taxa básica de juros poderá chegar ao final deste ano entre 16% e 17%, mas o câmbio continuará pressionado, segundo Guedes. A economia americana poderá ficar parada até quatro anos se a crise financeira das empresas e dos países emergentes que eles financiaram agravar-se, diz o economista, dando o diagnóstico: É uma intoxicação de crédito. Engoliram o abacate e agora têm de botar o caroço para fora. E indicando o remédio: Tempo. Na visão do economista, o Mercosul é uma alternativa para o Brasil, que deveria propor aos demais países do bloco a criação de uma moeda única, o peso real. O Brasil poderia ajudar a Argentina agora, propondo a unidade monetária e a criação de um banco central comum. Neste caminho, Guedes vê a oportunidade de fortalecimento econômico da região. Qual poderá ser o desfecho da crise nos Estados Unidos? Paulo Guedes - Não parece que haverá um bom desfecho. A economia americana pode ficar parada dois a quatro anos caso se agrave a crise financeira das empresas e dos países emergentes que eles financiaram. Nós inclusive. A provável inadimplência dessas empresas e países é o problema? - É. Isso nos atrapalha muito. É uma intoxicação de crédito. Engoliram o abacate e agora têm que botar o caroço para fora. Qual é a saída? - Para o Brasil, reformas; para eles, tempo para digerir, cicatrizar. Eles estão tentando tudo que é possível. Qual a sua opinião sobre a situação das empresas de telecomunicações, que despencam em todo o mundo? - A Embratel está sem dono. Nós vendemos a Embratel por dez vezes o preço atual. O erro foi não ter vendido mais estatais. Já pensou vender por 100 um negócio que, hoje, vale dez? No começo do Governo Fernando Henrique, a participação acionária do Governo nas empresas estatais era de R$ 60 bilhões. Se ele tivesse vendido todas as estatais quando começou seu Governo, teria cancelado a dívida interna e poderia investir o dinheiro que gasta, hoje, com pagamento de juros e amortizações, em saúde e educação. Qual a sua avaliação sobre a instabilidade no mercado financeiro brasileiro? - Há fatores internos e externos. A crise financeira está agravando-se nos Estados Unidos e, internamente, há incertezas criadas ou pela indefinição de programas dos candidatos à presidência ou por programas mal desenhados que podem agravar o desajuste financeiro do País. Isto provoca aumento do risco Brasil. O Banco Central do Brasil está agindo corretamente? - Sim. Está defendendo brilhantemente este fim de Governo. Como justificar superávits fiscais elevados num país que precisa tanto de investimentos em infra-estrutura? - Os investimentos em infra-estrutura devem vir por meio do aprofundamento das privatizações. O Governo vendeu as companhias telefônicas por dez vezes o preço que elas valem hoje. Foi um ótimo negócio. Não só todos os brasileiros têm telefone, como está barato. Mas o dinheiro das privatizações acabou. - Investimento em infra-estrutura virá do privatização do setor elétrico. Furnas, Chesf... vamos privatizar o setor elétrico. Esses recursos têm limite. É preciso ter uma fonte de financiamento regular? - O que não tem limite é a gastança do Governo brasileiro. O Brasil está há 20 anos afundado por causa disso. Privatizou, vendeu, usou o dinheiro, acabou. E agora? - Vamos aprofundar a privatização, fazer a reforma da previdência, mudar as leis trabalhistas. O caminho é conhecido, o mundo inteiro pratica e nós vamos ter que praticar também. O dramático é que parece que quem vem por aí não está pensando assim. É natural que o risco Brasil aumente. A especulação no câmbio tende a continuar? - Não acho que seja especulação. É proteção. As pessoas estão tentando se proteger. Os mercados financeiros são mercados onde as pessoas expressam seus receios, suas preocupações, buscam proteção. Ninguém está lá para atacar ninguém. Não existe essa mentalidade de ataque. A taxa de câmbio vai continuar alta enquanto o Brasil não definir melhor seus programas econômicos. Este ano, então... - Não vai ficar mais baixo. Depende dos programas dos candidatos e os programas que apareceram até agora não são bons. O Brasil pode chegar à situação da Argentina? - Não. Isto está distante ainda, mas, dependendo dos programas econômicos, claro. Se chegar fevereiro, março do ano que vem e os programas não estiverem bem desenhados, pode ser. Nós só viraremos uma Argentina se tivermos um presidente muito incompetente e um programa muito ruim. E eu vejo pelo menos uns dois com essas características, entre os candidatos. Por onde começaria um novo Governo? - Dificuldades existem sempre. Agora, se o homem for eleito para consertar, terá que enfrentá-las. Não adianta entrar, reconhecer as dificuldades e não fazer. Esse foi o erro de Fernando Henrique no segundo mandato. Ele entrou, viu as dificuldades e não fez, preferiu empurrar o problema para o próximo. O primeiro passo seria, então, ter superávit primário elevado? - Forte. Para começar os trabalhos, 5% do PIB. Existe espaço para isso? - Claro que existe. Eles não param de aumentar os gastos. Claro que tem como cortar. Os gastos, como percentagem do PIB, não pararam de subir. Queimaram as receitas de privatização, aumentaram a dívida e os impostos. Para onde está indo esse dinheiro? Os gastos estão subindo mais rapidamente que o PIB. A dívida pública está próxima de explodir? - Não, ainda não. O senhor criticou o FMI e o Banco Mundial. Em que bases um novo Governo deveria se relacionar com esses organismos? - No ponto em que estamos, precisamos deles. O lamentável é estarmos precisando de ajuda há 20 anos. Eles nunca vão embora porque nós não fazemos o dever de casa. Há sempre uma explicação razoável para continuar a gastança. Não tem jeito. Deve-se muito e quando não se tem dinheiro para pagar, a solução é ir ao FMI. Há espaço para baixar a taxa de juros? - Com as reformas haveria. O Banco Central agiu corretamente ao baixar meio ponto percentual na Selic? - Sim. Havia um pequeno espaço. Na verdade, muito pequeno. Os agentes econômicos já estão pensando no próximo Governo, no próximo ano.