SUPERAÇÃO
Caminhada da Vitória: jornada rumo ao milagre de Walter
De Maceió ao paraíso de São Miguel dos Milagres, uma jornada marcada por coragem e inspiração


Aos 58 anos, Walter Dônio, penúltimo de nove irmãos e natural do bairro do Antares, em Maceió, sempre teve paixão por atividades físicas. Neste sábado (16), ele retoma a Caminhada da Vitória que já chega à sua 12ª edição: um trajeto de 90 km pelo litoral alagoano, saindo da Ponta Verde e seguindo até São Miguel dos Milagres, percorrido inicialmente por 30 pessoas, número que cresceu com o passar dos anos.
Após três anos de pausa devido a questões de saúde, esta edição tem um simbolismo especial para Walter. Mais do que um percurso físico, representa a consagração de toda uma jornada de luta, uma vitória que ele construiu não apenas com os pés, mas com a mente e uma fé inabalável.
Mesmo com o hábito de caminhar longas distâncias — até para simples razões, como comer uma feijoada em Atalaia —, nenhum percurso havia sido mais desafiador até então. Há 16 anos, a luta de Walter passou a não ser apenas sobre quilômetros e cansaço, mas sobre seis longas sessões de quimioterapia, após descobrir um câncer.
Foi aí que o até então corredor amador decidiu fazer uma promessa: ele se curaria e, logo após isso, iria até São Miguel dos Milagres a pé. Desde então, Walter e várias outras pessoas que passaram a acompanhá-lo realizaram esse percurso doze vezes.
Milagres: a razão do destino
A escolha de São Miguel dos Milagres como destino tem relação direta com a história de vida de Walter. Após vencer o câncer, ele viu no nome da cidade um símbolo da própria trajetória de superação. Para ele, completar o percurso até “Milagres” é mais do que concluir um desafio físico: é marcar, de forma concreta, a vitória sobre a doença e a celebração de um novo capítulo.

“Conheci São Miguel quando eu era muito novo. Foi um destino que eu quis fazer justamente pelo nome. ‘Milagres’ é bem simbólico. Além de mim, tem gente que paga promessa nesse caminho também. Há quatro anos, conheci uma menina da idade da minha filha, ela estava com câncer, e a tia dizia que ela ia morrer. Então chamei os pais dela para fazer o trajeto comigo. Disse como seria o processo e reforcei que tudo que a filha deles ia passar, eu passei também. O câncer, se você não tiver cabeça, mata pelo nome, e desde o começo eu tive muita cabeça. Hoje escuto relatos de pessoas, às vezes me ligam para me agradecer, e eu pergunto ‘pelo que?’ e a pessoa diz que eu mostrei o quanto ela é forte. Eu acho que a caminhada serve para mostrar o quanto somos fortes.”
Vencendo o câncer e celebrando a vida
“Eu com seis quimioterapias fui à Chapada. Meu médico disse: ‘Walter, você tem que ficar de 3 a 5 dias em casa, é arriscado você sair.’ Eu tomei muito forte a minha quimioterapia. Nas férias de dezembro, chamei a galera e um amigo até perguntou como seria, e eu só disse que precisava daquilo, precisava ir. Tudo isso passa na vida, comento com as pessoas que as coisas acontecem quando a gente tem fé. Não falo de nenhuma religião específica, só Deus".
"Eu ia passar por doze sessões de quimioterapia e quatro de radioterapia, só fiz oito de quimio e fiquei bom, porque acreditei e lutei por isso. O único momento que fiquei encucado foi quando tive o problema do coração, que foi a razão da pausa do trajeto. Meu médico disse: ‘Walter, acabou bicicleta e acabou a corrida para você.’ Eu disse: ‘Doutor, preciso andar. Tô ficando neurótico’, eu não dormia. Então tudo isso eu passo para quem tá ao meu lado: não ficarmos reclamando de coisas pequenas. Para mim, não teve caminhada pior que a de superação do câncer”, acrescentou.

Walter atribui parte da força que o manteve caminhando à esposa, que esteve ao seu lado em cada etapa, oferecendo incentivo e companhia.
“No começo não estávamos juntos e eu convidei ela. Tudo que eu disse anteriormente, eu disse a ela; ninguém vai para lá sem saber como é sem eu chamar. Fomos duas vezes à noite, saímos às 8 horas do Guaraná da Praia, na Ponta Verde numa sexta-feira, e chegamos pela manhã no sábado. Ela me deu muito apoio, tanto que é a sexta vez dela no trajeto. Nenhum familiar meu foi quando comecei por terem medo do percurso.”
Mais de 100 pessoas passam a acompanhá-lo anualmente, incluindo amigos, familiares e até estrangeiros, como um casal de espanhóis que ele nem sabe o nome, mas que se juntou ao percurso motivado pela história de superação.
“Já é o terceiro ano deles, eu diria que eles chegaram à caminhada por boca ‘miúda’. Tem muita gente que descobre e passa a participar por terceiros.”
Para Walter, a caminhada é tão terapêutica quanto desafiadora, ajudando a manter a mente equilibrada e mostrando aos participantes que a força interior é tão importante quanto o preparo físico.
"É muito terapêutico, serve para muita gente. Têm pessoas que me falam que são pessoas antes e depois da nossa peleja. Você vai para a caminhada da vitória e assim, já participa da nossa peleja, isto é, vamos pelejar até o final. Tem gente quejá vai correndo e eu só vejo depois nas fotos, chegam 14h da tarde lá e eu só chego à noite, porque vou andando. Não é só físico, é mente. Conta demais. Como eu digo para qualquer um, vocês vão assar pé, virilha, fazer calo, estourar, mas vão, peço que se acham que conseguem fazer 10 km, tentem fazer 20 km."

Peculiaridades da peleja
A logística da caminhada, por sua vez, é única. Walter admite não esperar por ninguém e recomenda que todos sigam o seu próprio ritmo. Seja correndo ou apenas caminhando, essas decisões ficam a cargo de cada participante.
Durante o trajeto de 90 km pelo litoral norte, Walter orienta os convidados sobre como encarar o percurso, respeitar os próprios limites e se incentivar a superar constantemente seus desafios.
A cada edição, algumas pessoas se permitem ir um pouco mais longe, inspiradas pelo exemplo de Walter. Inicialmente restrita a amigos, a caminhada passou a aceitar mais participantes, com o próprio Walter convencido a ampliar o grupo. Mesmo assim, cada um mantém seu ritmo, embora ainda haja troca de dicas, como levar dinheiro trocado e avisar alguém, caso não consiga completar o percurso.
Os efeitos da caminhada vão além do físico. O relaxamento, a sensação de bem-estar e a regulação do humor são perceptíveis em todos os participantes. Não à toa, a experiência se tornou uma força não só para Walter, mas também para aqueles que buscam, inspirados por sua história, encontrar seus próprios caminhos dentro do mesmo percurso.
Mais do que um desafio de resistência, a caminhada anual representa o gosto pela vida. Neste sábado (16), a lista, que originalmente contava com 30 pessoas, agora soma 203 participantes, entre eles, muitos experimentando pela primeira vez a experiência que salvou a vida de Walter.
“Pelo meu médico, não era para eu fazer mais. Mas eu disse: ‘Doutor, prefiro morrer caminhando, que eu morro feliz. Prefiro caminhar a ficar numa poltrona assistindo televisão’”, explicou Walter.