PERTENCIMENTO
Maceió perde estádios enquanto interior preserva força e tradição
Professor analisa que clubes da capital deixaram para trás pontos de encontro e símbolos de identidade


Maceió perdeu, ao longo da última década, algumas de suas casas esportivas mais simbólicas. O Estádio Severiano Gomes Filho, na Pajuçara, vendido em 2014 pelo CRB para uma rede de supermercados, o Estádio Gustavo Paiva, no Mutange, que pertencia ao CSA e foi afetado pelo afundamento no solo da região causado pela Braskem e o Estádio Nelson Feijó, o “Nelsão da Via Expressa”, que era a casa do Corinthians alagoano.
Na Pajuçara, o que resta é um terreno marcado pelo tempo e pela tristeza de quem ali conviveu.“Ver aquele local abandonado, e se tornar o que se tornou é muito triste. É um local onde tenho muitas memórias, e acaba deixando saudade. O bairro perdeu um brilho muito importante”, diz Cawã Nicolas, torcedor regatiano.

O CSA também perdeu seu elo histórico com o Mutange, bairro que também nem existe mais. O CT Gustavo Paiva, fundado em 1922, foi transformado em canteiro de obras após o crime ambiental provocado pela Braskem. Ali o Azulão viveu glórias, revelou craques e eternizou momentos que ainda ecoam na memória da torcida.
Em 2019, ao anunciar a saída definitiva do local, o então presidente Rafael Tenório se emocionou: “Aquilo, para mim, é um filho que eu tô vendo ir embora.”

Já o Estádio Nelson Peixoto Feijó, o Nelsão da Via Expressa, inaugurado em 2001, foi palco da ascensão do Corinthians Alagoano e, posteriormente, serviu a CRB e CSA. Hoje, está em processo de transformação para uso imobiliário, após ser vendido.
FUTEBOL E PERTENCIMENTO
Para o doutor em Comunicação e professor da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Anderson Santos, os clubes da capital perderam mais do que campos: perderam pontos de encontro e símbolos de identidade.
“Futebol parte muito da construção social enquanto comunidade. Especialmente nos casos de CRB e CSA, que estavam em localidades bastante povoadas”
Segundo o doutor, o fim desses espaços representou um afastamento físico e simbólico da torcida: “No caso azulino, ainda que o novo CT esteja no bairro mais povoado de Maceió, é afastado territorialmente. Isso limita a vivência cotidiana do torcedor com o clube. Hoje, a manutenção da paixão se dá quase que apenas nos jogos no Estádio Rei Pelé e em datas festivas, quando o CT pode receber torcedores”, analisa.
O professor pontua que esses casos mostram como a história do futebol também é atravessada por conflitos de território e economia.
RESISTÊNCIA NO INTERIOR

Enquanto a capital se distancia das suas antigas casas, o interior mantém seus estádios como parte viva da comunidade. Em Arapiraca, o Fumeirão segue sendo a fortaleza do ASA, mesmo após o clube inaugurar seu Centro de Treinamento.
“A arquibancada próxima ao campo, a abertura que os torcedores têm para conversar com os atletas depois dos jogos, e a conexão com o elenco é cultural e fundamental para o clube”, afirma Fabiano Leão, secretário de esporte de Arapiraca e torcedor do ASA.
“Mesmo com reformas recentes, o Fumeirão manteve sua identidade”, destaca Rogério Siqueira, presidente do ASA.

Situação semelhante se vê em Palmeira dos Índios, onde o Juca Sampaio segue sendo palco de futebol e de encontros sociais, reafirmando o papel do estádio como espaço de convivência.
NAMING RIGHTS E O FUTURO DO REI PELÉ

O Estádio Rei Pelé, inaugurado em 1970, sofre com problemas estruturais e perda gradual de capacidade. A deputada estadual Cibele Moura (MDB) propôs a concessão de naming rights, que é o direito sobre a propriedade de nomes, como alternativa para garantir investimentos privados na modernização.
Segundo Santos, a medida pode ajudar financeiramente, mas enfrenta resistências simbólicas: “Qualquer empresa que quiser ter o nome de um estádio de mais de 50 anos vai ter que construir um marketing pesado para substituir nas nossas mentes o ‘Estádio Rei Pelé’ e, especialmente, o apelido ‘Trapichão’, que já faz parte da identidade popular.”
Anderson Santos reflete que o desafio está em equilibrar tradição e futuro: “O caminho passa pela torcida, que é o grande patrimônio do clube. Pode-se pensar nisso desde o apoio direto em dias difíceis até o ponto de vista mercadológico, que vira fonte de receita. Mas também enquanto cidadã/cidadão, na compreensão do lazer enquanto um direito. Qualquer processo de alteração poderia passar também por quem constrói o clube. Sem a compreensão do público-alvo específico, pode gerar efeitos negativos”.