Internacional
Tropas dos EUA tentam impor toque de recolher

Bagdá Desde que as tropas anglo-americanas ocuparam Bagdá a capital iraquiana e outras grandes cidades do país foram transformadoso num verdadeiro cais. Diante da desordem, os soldados dos EUA receberam ordens para impor toque de recolher em parte de Bagdá, para tentar conter os saques e confrontos de rua que acontecem desde a queda do regime de Saddam Hussein, na última quarta. No norte, americanos tomaram Mossul, a maior cidade da região. Tikrit, cidade natal de Saddam, tornou-se o último foco de resistência do Exército iraquiano. Nos EUA, o presidente George W. Bush disse que o ex-ditador não está mais no poder, mas que é cedo para declarar o fim da guerra. Em comunicado às tropas, o comandante dos EUA no Golfo, Tommy Franks, instruiu os soldados a garantir a operação dos serviços públicos em Bagdá. Apesar das declarações americanas de que suas tropas tentam colocar ordem no caos que impera em Bagdá, as imagens da cidade hoje mostravam que seu objetivo está longe de ser alcançado. Incêndios eram vistos por várias partes na região central da cidade. Os prédios dos Ministérios do Comércio e do Planejamento estavam em chamas, assim como um dos principais mercados da capital iraquiana. Na sexta-feira, dezenas de pessoas invadiram os prédios das faculdades de enfermagem e de engenharia da Universidade de Bagdá e saíram com abajures, mesas, refrigeradores de água e aparelhos de ar-condicionado. Três homens apareceram no teto do prédio da Embaixada da Alemanha carregando uma antena de TV por satélite. Sofás, mesas, cadeiras, equipamentos eletrônicos e uma geladeira foram retiradas do Ministério da Informação. A TV saudita mostrou imagens que seriam do escritório do ex-ministro da Informação, Mohammed Said al Sahaf, todo destruído, e de seu carro Mercedes sem os faróis. Crianças de até 10 anos participavam dos saques com seus familiares. Em alguns bairros, os moradores ergueram barricadas com telhas, pedras e sacos de areia para tentar manter os saqueadores à distância. Muitos defendiam suas posses armados com fuzis. o distrito de Al Mansur, no oeste da cidade, grupos de voluntários árabes pró-Saddam se postaram atrás de barricadas de sacos de areia, armados com lançadores de granadas e rifles Kalashnikov. Segundo os moradores, eles eram na maioria sírios. Em Saddam City, pedidos para interromper os saques e a destruição da cidade eram passados pelos minaretes das mesquitas. Algumas pessoas atenderam aos pedidos dos clérigos e levaram produtos roubados para as mesquitas. Grupos de saqueadores também percorreram áreas residenciais, verificando as casas para ver se os moradores estavam. Jornalistas que tentavam falar com os saqueadores tiveram roubados dinheiro e câmeras. Combatentes curdos e forças especiais norte-americanas completaram sexta-feira a tomada do norte do Iraque ao entrarem, sem enfrentar resistência, em Mossul, a mais importante cidade da região. A queda de Mossul deixa Tikrit, cidade natal de Saddam Hussein, como último alvo significativo em território iraquiano a ser ocupado pela coalizão anglo-americana. Exceto por bolsões de resistência em distritos de Bagdá e regiões como Qaim (nordeste), as defesas do regime iraquiano ruíram, em não mais que 22 dias, diante do poderio militar dos EUA. /// Menino que perdeu braços pergunta: Por que nós? Bagdá Ali Ismael Abbas estava dormindo profundamente quando a guerra irrompeu na sua curta vida, sob a forma de um míssil que caiu sobre a casa de sua família. O menino, que tem 12 anos e agora se tornou órfão, sofreu queimaduras graves e teve os dois braços arrancados. Era meia-noite quando o míssil caiu sobre nós, conta Ali Ismael, deitado num leito do hospital Kindi, em Bagdá. O meu pai, a minha mãe e o meu irmão morreram. A minha mãe estava grávida de cinco meses. Ele prossegue o seu relato. Os nossos vizinhos me tiraram de lá e me trouxeram para cá. Eu estava inconsciente. Uma tia, três primos e três outros parentes de sua família também foram mortos numa explosão que atingiu o bairro de Diala, na zona leste da capital, onde se encontram várias instalações militares. A nossa casa era miserável. Por que eles a bombardearam?, pergunta, ansioso, o menino, que está sendo velado por Djamila Abbas, uma outra tia. A sra. poderia me ajudar a recuperar os meus braços?, pergunta o menino a esta repórter. A sra. saberia me dizer se os médicos poderão me dar novos braços?, prossegue. Ele parece ter chegado ao cúmulo do sofrimento. Se eu não recuperar as minhas mãos, vou me matar!. Infelizmente, o destino de Ali não é um caso isolado. Nos corredores ressoam os gritos de muitos outros feridos. As ambulâncias têm afluído cada vez mais, numa movimentação incessante, desde que as forças americanas tomaram posição na periferia da capital. Com os seus estoques de anestésicos e de analgésicos esgotados e uma redução drástica da mão-de-obra, o pessoal médico perdeu completamente o controle da situação, e não consegue mais dar conta da tarefa, que já é enorme e não pára de aumentar, explica o médico Osama Saleh Al-Douleini, um cirurgião ortopédico e também diretor-adjunto do hospital. Até agora, os hospitais possuíam os equipamentos e os remédios necessários para enfrentar as necessidades, mas eles acabaram sendo afogados pelo afluxo maciço de feridos, precisa, por sua vez, Roland Huguenin-Benjamin, o porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR). No auge dos bombardeios, inúmeros feridos têm sido trazidos para cá, cerca de uma centena em média a cada hora, garante. Exerço há 25 anos e posso dizer que esta guerra é a pior que eu já tenha visto em termos de quantidade de vítimas e de ferimentos mortais, explica Osama Al-Douleini, que já vivenciou a primeira guerra do Golfo, em 1991, e o conflito Irã-Iraque, entre 1980 e 1988. Estamos diante de uma catástrofe que se deve, sobretudo, ao fato de eles terem alvejado uma grande quantidade de civis, prossegue.