São Paulo, SP – Após suspeitas e trocas de acusações ligadas à declaração unilateral de cessar-fogo para o Natal ortodoxo, a Rússia encerrou oficialmente a trégua neste domingo (8) e voltou a empreender ataques à Ucrânia. A maior parte das ações foi registrada na província de Donetsk -que compõe, junto com Lugansk, o Donbass, leste russófono ucraniano. Dado que a guerra de versões que caracteriza a guerra de quase 11 meses envolveu até o período de cessar-fogo, era de se esperar que o final dele repetisse a lógica. O Ministério da Defesa russo afirmou ter matado mais de 600 soldados ucranianos ao bombardear dois dormitórios universitários que serviriam de residência temporária para as tropas em Kramatorsk -como revide a um ataque na véspera do Ano-Novo que matou 89 reservistas russos em Makiivka. Testemunhas afirmam, porém, que os mísseis não parecem ter atingido os edifícios, mas sim locais próximos, onde surgiram grandes crateras. Embora um dos prédios tivesse janelas quebradas, o outro estava intacto. Além disso, não havia indícios claros de mortes nos locais, como corpos ou rastros de sangue -ou mesmo sinais de soldados estavam abrigados neles. Kiev não se pronunciou, e um porta-voz militar no leste desmentiu a alegação russa de mortes em massa. Em entrevista à Suspilne News, Serguii Tcherevati afirmou que o comunicado da Defesa do Kremlin era uma tentativa de mostrar uma resposta à altura às baixas recentes. Antes, o prefeito de Kramatorsk havia afirmado que os bombardeios na cidade de madrugada não tinham levado a óbitos.
As únicas duas mortes oficialmente registradas pelas Forças Armadas ucranianas no período ocorreram em outras localidades: Soledar, também em Donetsk, e Kharkiv. O porta-voz do gabinete presidencial Cirilo Timoshenko afirmou que outras oito pessoas ficaram feridas em ataques no Donbass. Ainda houve explosões na cidade de Zaporíjia, no sul, e nas ruas praticamente desertas de Bakhmut. A cidade, que segundo o fundador do grupo Wagner -empresa militar privada russa que muitos descrevem como mercenarismo- é cobiçada por possuir vias subterrâneas que poderiam armazenar tropas e tanques, foi alvo de bombardeios ao longo de todo o sábado (7), quando a trégua anunciada pelo Kremlin deveria estar em vigor. “Apesar do chamado ‘cessar-fogo’ declarado pelos ocupantes russos, o inimigo lançou nove mísseis, realizou três ataques aéreos e disparou 40 projéteis”, afirmou o Ministério da Defesa ucraniano em um comunicado, acrescentando que a infraestrutura civil foi afetada. A pausa visava celebrar o Natal da Igreja Ortodoxa, comemorado na data de acordo com o antigo calendário juliano -a sugestão teria vindo de um dos mais influentes aliados de Vladimir Putin, o patriarca Cirilo. Ela foi recebida com ceticismo, porém, tanto pela Ucrânia quanto por aliados. Volodimir Zelenski classificou-a de diversionismo militar e se recusou a aderir à trégua, e autoridades ocidentais chamaram a proposta de hipócrita.
Kiev segue uma denominação ortodoxa própria, nascida de um cisma temperado pela disputa com Moscou em 2019. Neste ano, ela permitiu que o Natal fosse comemorado em 25 de dezembro, mas parte da população respeitou a tradição original, comparecendo a igrejas e catedrais em massa no sábado.